ESTANTE DE BONECAS
ESTANTE DE BONECAS
Olha é o Papai Noel!Corre mãe, vamos ver de perto. Quero pedir meu presente de Natal!
E lá se foi toda extasiada ante a possibilidade de receber um presente das mãos do Papai Noel.
A fila já estava enorme. Mães com crianças no colo. Pais também. E crianças. Nossa!A cidade toda estava ali naquela praça, naquele momento. O calor e a imensidão da fila complicavam mais. Ritinha fincou pé ali e não havia nada no mundo que a tirasse de lá. Não antes de falar com o Papai Noel.
Outras crianças já haviam recebido os seus. De olhos brilhando, saiam agarradas aos presentes como se fossem preciosos tesouros. E era!
Sorrisos abobalhados. Sorriam risos infantis.
Perto dela uma criança chora. Tem medo daquele senhor de barba branca que sorri o tempo todo. E que abraça e põe no colo pra conversar baixinho.
A mãe tenta explicar que ele é do bem. Um amigo. Um bom velhinho.
Outra crise de choro.
Ritinha só queria que chegasse logo a sua vez de estar com ele. O que será que irá ganhar?
Qualquer presente seria maravilhoso. Nunca ganhara nada mesmo.
Mas bem que poderia ser uma boneca. Daquelas que tem cabelos e que pode trocar a roupa.
Sempre quis ter uma. Sua “boneca” era um tijolinho, daqueles vermelhos, enrolava-o num pedaço de pano como se fosse um bebê. Fez um pequeno furo bem no centro para que ali pudesse colocar o que sobrara de uma antiga chupeta. E embalava-o cantando suaves melodias de ninar.
Quase meio dia. A fila ainda dava voltas em caracol. Várias crianças choravam em coro. Mães impacientes. Pais que já saiam e iam embora. Menos Ritinha.
Impassível no seu vestidinho de chita com detalhes de sianinha. Cabelos arrumados. Presos em dois cocos com laços do mesmo tecido do vestido.
Perfeito!No coração uma felicidade tão grande que Rita achou impossível existir outra igual.
Sorriu consigo mesma. Imaginou-se brincando com a boneca. Penteando os cabelos. Mostrando pras amigas a sua conquista. Seria maravilhoso!
E essa fila que não anda!
-Mãe, falta muito?
-Um pouco querida. Logo chega a sua vez.
Sentou no chão da praça em baixo do Flamboyant. Tava tão linda!
Dezembro tem essas maravilhosas surpresas. Flores na praça. Flamboyant mais parecendo árvore de Natal enfeitada com buquês vermelhos. E presente... Pela primeira vez, presente do Papai Noel.
Horas se passaram e Ritinha não reclamou não se cansou. Esperaria o tempo que fosse preciso.
Mas ela não veio. Burburinho logo a sua frente. Já não faltava muito pra sua vez. Levantou-se num pulo e olhou com olhos cheios de perguntas.
-Mães!Gritava um dos organizadores da festa.
-Infelizmente todos os presentes não foram suficientes. Quem ainda não recebeu o seu pode continuar na fila. Irão receber balas e pipocas.
Rita sentiu a mão da mãe em suas costas suavemente. Olhou pra ela e viu uma tristeza tão grande que não suportou.
Desviou o olhar.
Respirou fundo buscando o ar que não queria sair.
Piscou para que as lágrimas não rolassem.
Levou a mão até a da sua mãe e disse num aperto: ”Não tem problema”!
Sua mãe não se conteve. Deixou que rolasse uma lágrima furtiva. Abaixou-se para ficar mais perto de Rita. E num abraço bem apertado olhou nos olhos dela e disse:
-Vou lhe dar todas as bonecas que eu conseguir fazer!
E fez!Várias. De cabelos negros. Loiros. De tamanhos diferentes. Todas de pano recheadas com algodão.
Mas, muito mais que algodão, elas eram recheadas de carinho, amor.
Rita passou a infância rodeada das mais lindas bonecas.
Aquela dos sonhos, já não importava mais. Ela tinha tantas outras.
Tinha uma estante de bonecas. Feitas por sua mãe. Presente de todos os natais. Aniversário. Dia das crianças. Bonecas de uma vida inteira.