FOLHAS DE DEZEMBRO - PELA VIDA
O relógio marcava onze e quinze quando o celular de Marcelo tocou. Priscila, a esposa, olhou com reprovação para o marido, médico, que rapidamente pediu licença e saiu do ambiente. Conferiu o nome de Dimas, administrador de um dos hospitais que trabalhava.
- Alô.
- Alô Doutor. desculpe-me o incômodo é que um grave acidente, envolvendo dois carros de passeio e um ônibus, aconteceu a pouco na Auto Estrada e de acordo com as primeiras informações, vinte passageiros morreram e cerca de quarenta feridos estão sendo trazidos pra cá. A maioria em estado grave...
- Espere um pouco, te retorno.
Dr. Marcelo tinha consciência do dever e também que teria um problema. Retornou para a sala da casa dos sogros. Com um sorriso, chamou a esposa e informou o ocorrido.
- Marcelo, hoje é Noite de Natal.
- Entendo Pri, mas a situação é urgente.
- O que vou dizer para os meus pais.
- Diga que sou médico e... Pronto.
A esposa olhou com ternura para o marido. Sabia que a vocação falaria mais alto. Abraçou-o com um "Então... Feliz Natal meu amor".
Rapidamente Marcelo entrou no carro e se dirigiu ao hospital. Ao chegar foi logo informado que a situação era realmente muito grave. Em quinze minutos os primeiros feridos chegaram. Marcelo juntamente com outros colegas passaram a atuar com a orientação de socorrer primeiro os mais graves.
Num determinado momento, entre tantos feridos Marcelo observou uma moça grávida e desacordada. Ele se aproximou e atestou que já não havia pulsação; o coração quase já não batia. Marcelo começou os procedimentos só que em poucos minutos a mãe... Morreu. O médico pôs a mão naquela barriga e sentiu os movimentos de uma vida que resistia. Olhou para os lados e decidiu: "Vamos tentar". Gritou para alguns auxiliares:
- Vamos gente! Me ajudem neste parto.
Mesmo sem o material necessário, Marcelo concentrou-se e com o bisturi a mão, cortou a barriga com cuidado.
Sentiu o medo com a presença da morte, diante do quadro geral. Alguns não resistiam, outros reagiam bem aos primeiros atendimentos, mas agora o médico tentava algo além do previsto.
A auxiliar, secou o sangue na barriga da jovem mãe. O médico então pôs a mão e sentiu a criança. Com cuidado "puxou" o corpinho. Viu que era um menino e que respirava com muita dificuldade. Marcelo o entregou a uma colega que passou a cuidar do bebê. Não tinha tempo para a atenção, foi logo atender outro paciente.
Já passava das cinco da manhã quando os atendimentos terminaram. Marcelo lavava as mãos quando Vera, a colega, se aproximou com um sorriso:
- Marcelo, o neném está muito bem para um prematuro. Ele deve sobreviver...
O jovem médico sorriu respondendo a médica, quando o telefone tocou. Era a esposa:
- E aí Marcelo tudo bem?
- Agora, tudo sobre controle.
- E como você está?
- Bem.... Vi Jesus nascer...
- O quê?
- É, meu amor, fiz um parto e vi Jesus nascer...Ele é um menino lindo!
Priscila não entendeu, mas ainda assim sorriu com orgulho pela vocação do marido.
Lá no hospital, a cena do nascimento da criança, a vida surgindo do caos, ficou "congelada" no coração daquele homem de "Boa vontade".