A viagem dos sonhos
A viagem dos sonhos.
Estávamos passando por verdadeiras dificuldades naquele momento. Nada menos que tentar caminhar lentamente em fila indiana sob o gelo, sentindo o vento cortante que batia na encosta da montanha alta e gelada, sem poder olhar para trás, olhando sempre em frente com esperança no futuro, chegarmos até o fim do caminho. Eu só pensava em ter algo para me aquecer e ficar livre daquela situação tão incômoda e desagradável. Quando atingimos a última curva que nos levava ao cimo, respirei fundo com aquele sentimento de ter atingido o objetivo.
Era uma tradição dos aldeões. Na chegada do inverno, preparava-se uma lista de desejos e depois de reunidos em uma taça de metal, a pequena população se reunia e comemorava o inicio do inverno, em uma festa noturna muito alegre. Tinha música folclórica, comidas típicas, danças e muita, muita alegria. O fim da festa era marcado com a queima das listas dos desejos. Uma grande fogueira era acesa no inicio da festa, quando chegava à madrugada, pequenas toras de madeira ardiam em chamas baixas, era neste momento que a taça era colocada sob as chamas e os pedidos incinerados. No outro dia, a taça e as cinzas eram recolhidas e os que gostavam de caminhadas no gelo, subiam a grande montanha gelada para em seu pico depositar o que sobrou dos desejos.
Desde pequena, gostava de acompanhar as pessoas amigas neste ato solene, mas à medida que o tempo passava, descobria que nem todos os meus desejos foram satisfeitos, já estava ficando meio incrédula, mesmo assim, teimei mais uma vez.
Desde então muitos anos se passaram, esqueci a montanha, a lista dos desejos, a taça ardendo na grande fogueira, não fosse a persistente dor que sinto ainda nas costas.
Estava louca para voltar, e numa curva da encosta, derrapei, rolei, rolei, até que não me lembro de mais nada, uma pequena dor no pescoço, uma tonteira, tudo girando, e depois finalmente a escuridão total. Não senti mais o vento gelado, nem a neve batendo em minha pele, nem sei por quanto tempo fiquei ali deitada. Talvez, meu relógio interno, saiba quantos minutos me separam do ontem e do agora, talvez.
Tenho uma profissão muito dinâmica, sou professora de música, ensino em um colégio para crianças e adolescentes, e com a chegada das festas de fim-de-ano, juntamos os alunos, classificamos as vozes e fazemos um coral. Escolhemos as músicas para serem cantadas na festa de encerramento das aulas. Temos tido muito sucesso e as crianças pequenas são as que mais se encantam com “Jingle Bells”. Fico muito emocianada no dia da apresentação e trabalho bastante para que a apresentação seja sempre um sucesso.
Este ano a música de abertura é “Jingle Bells” que será cantada por meninos e meninas entre cinco e sete anos. São apenas trinta, mas está muito alegre. Finalmente estou na apresentação e meu coração bate disparado. Meus alunos fizeram da música um show e me sinto recompensada, não só pelo resultado.
Em meu último desejo, antes da queda na montanha gelada, eu imaginava estar entre crianças cantando músicas natalinas e comemorando, em um lugar longínquo, longe da neve, da aldeia, do frio. Hoje estou em outro continente, jovem ainda, recuperada da queda e feliz, fazendo o que mais gosto, ensinando música para jovens e acompanhando-os em seu desabrochar para a vida.
Jamais deixe de acreditar em seus sonhos, e desejos. Eles ultrapassam as dimensões do tempo e espaço e se concretizam de forma mais inesperada. Quando sinto a forte dor nas costas me lembro da queda, da escuridão e da sensação de ter acabado. Foi apenas por um tempo, pois a vida sempre continua, e os sonhos e desejos viajam conosco para onde vamos.
Acredite em seus desejos, talvez os mais profundos, estejam apenas aguardando o momento exato de se realizarem. Os meus atravessaram o tempo e o espaço e durante muitos natais e entoar de canções natalinas em todos os cantos da terra ficaram viajando até acontecerem hoje.
Feliz Natal.