A ceia de Natal
A Ceia de Natal
Os presentes estavam arrumados ao lado da árvore, nada pequena, nada modesta. A decoração do apartamento tão luxuoso, estava um primor. A artista preferida da dona casa tinha dado suas pinceladas aqui e ali, podia ver-se o traço em pequenas gravuras, emolduradas especialmente para a ocasião.
No meio de tantos convidados adultos e escolhidos a dedo, apenas duas crianças. Os netos da empregada. Não que ela fosse participar da ceia, a coitada estava rezando para que tudo desse muito certo e não tivesse aquele “fim de festa” que ela já estava acostumada.
Mariana e Tadeu as únicas crianças presentes na sala. Tinham sido orientados pela Maria para não fazer feio, e estavam quietinhos no canto esperando a hora de receber seus presentes e depois “sumir”, conforme vovó tinha orientado. A presença dos crianças foi um pedido da “madama”, pois sua festa sem crianças não teria o mesmo brilho, foi o argumento que usou para convencer, Maria a deixar os netos ficarem na sala. Eles também não teriam muita opção. Órfãos desde fevereiro passado, os meninos acharam a idéia estranha, mas preferiam qualquer coisa a ter que ficar lembrando dos pais mortos tragicamente na enchente.
E foi chegando gente, a casa estava muito cheia, e nada de Papai Noel chegar e as crianças abrirem os presentes. A comida estava cheirosa, pelo menos era o que parecia, pois o aroma vindo da grande cozinha era convidativo.
Mariana e Tadeu olhavam tudo meio apalermados, era a primeira vez na vida que viam tanto luxo e tanta gente besta em um só lugar. Enfim chegou a hora, Mariana recebeu seu presente das mãos da patroa de sua avó agradeceu muito tímida e logo depois seu irmão também recebeu seu presente. Agradeceram muito e ficaram com os presentes presos nas mãos sem coragem para abrir. Não estavam felizes, estavam surpresos, pois tudo para eles era novidade, acontecimentos muito diferentes. A música estava alta mas deu para ouvir no fundo da grande sala, quando uma voz feminina se ergueu, o tom era de uma mulher jovem e bêbada: - Olha aí, agora está muito na moda, trazer os mendigos, sem terra, pobres de qualquer espécie, para o meio! Não é mole não, será que esses meninos tomaram banho? Um silêncio se fez presente, apenas por segundos logo depois começaram os risinhos bobos e as alfinetadas do pessoal. Mariana era muito inteligente e não ficou por baixo. Jogou a linda boneca que acabara de ganhar no colo de quem não sabia e saiu pisando forte gritando. – Isso não é gente não, tem dinheiro, tem luxo, mas não tem coração, nem educação. Tadeu a seguiu amedrontado de que alguém fosse lhe tirar o presente. Mariana correu para o quarto onde estava sua avó rezando e falou: - Não precisavam ter-nos convidados para aquilo. Não é uma festa, é uma ostentação e chorou parte da madrugada no colo da avó. Não tinha sido a bobagem que escutara que a fez sofrer tanto. A dor maior era a falta dos pais, imaginar onde eles deveriam estar agora.
A festa continuou noite a dentro. Todos os convidados bebiam muito, muito mesmo. Até que um deles, um velhote, feio mais muito rico, não gostou do “não” que recebeu de uma das convidadas, pois ele queria esticar na beira da piscina. Ela estava cambaleando, mas não perdera o juízo de todo. E começou a esbofeteá-la, foi uma vergonha, trocaram palavrões, e imagine a baixaria geral. Uma turma de homens mais novos resolveu a questão. Agarraram a convidada contra a vontade dela e ali mesmo na sala, despiram-na e a colocaram deitada em cima da mesa como se fosse um prato a ser saboreado. A jovem gritava, mas ninguém a ajudava, estavam todos drogados e o barato da festa ainda não tinha começado. Fizeram de tudo com a pobre moça. E resolveram jogá-la na psicina para ver se ela acordava.
Maria estava rezando para que aquele inferno acabasse, pois temia pelos netos. Na verdade já tinho tomado suas precauções e antes que a festa ficasse mais “quente” saiu com as crianças a pé foi parar na entrada do condomínio.
Os vizinhos já estavam acostumados com as festas da “madama” regadas a tudo, incluindo sexo liberado e drogas.
Os convidados foram aos poucos se retirando, quando o sol raiou, Maria voltou para casa com as crianças e ficou trancada em seu quarto. Ouviu um barulho muito grande muita gente falando. Ficou curiosa, mas não saiu do quarto. Só escutou as vozes, os diálogos. “Ela estava dizendo que ia se suicidar”. “Eu a conheço há muito tempo, é uma pena”. “Tão jovem”.
Na sala, entre as bandejas, louça e copos, o cadáver da jovem moça jazia estendido na mesa. Era uma cena apavorante, para uma manhã de Natal.
Acorda! Menina, gritavam todos: Acorda! Menina! Gritavam todos.
Mariana custou a acordar, pois em seu pesadelo de Natal, o corpo daquela mulher detestável teimava em não desaparecer. Olhou assustada para a rodinha que estava ao seu lado. Era sua avó, seu irmão e os donos da casa eu lhe cumprimentavam na manhã de Natal. Ela apenas tinha tido um tremendo pesadelo terrível.
Com o presente que recebeu que não foi uma boneca, mas uma grande bicicleta Mariana deu inicio a uma nova fase de sua vida. E na hora do almoço participou do almoço com todos os moradores daquela luxuosa casa. Sentiu-se feliz, como não se sentia em seus pesadelos. Agradeceu em seu coração de criança. Obrigado Jesus, por ter sido apenas um pesadelo.