Véspera de Natal

Retratos da vida –

Véspera de Natal

O sol começa lentamente a aparecer, o dia recebe os primeiros raios de vida e Marina desperta com a música que vem do rádio-relógio. Ainda é muito cedo, na penumbra do quarto segue movimentos rotineiros. Levanta devagar para não acordar o marido que dorme tranqüilo. Toma seu banho perdida em devaneios, em projetos de vida mal traçados. Enrolada na toalha, aproxima do armário e tenta vestir-se. É complicado encontrar uma roupa adequada. Olha o vestido azul, com grandes decotes, os quais deixam parte de seus seios amostra. A saia florida? Também não, tem abertura nas laterais e deixa suas pernas a vista.

Com quase quarenta anos de vida, bonita, inteligente, respeitada profissionalmente e desejada pela metade do departamento. Marina passa o dia fugindo das cantadas e olhares dos colegas. No inicio era pior, mal conseguia fazer as tarefas que lhe eram determinadas. Assim que sentava em sua cadeira, lá vinha o Sr. Anselmo, quase lhe beijando a nuca, sentia aquele bafo quente que dava nojo, sempre uma ordem nova, que merecia maiores explicações e mais tempo no seu cangote.

Meu Deus! Quinze anos suportando o Sr.Anselmo. Tendo sempre que lhe sorrir, mesmo não aceitando suas propostas indecorosas. E o Paulo? O Paulo era terrível, toda manhã lhe trazia alguma coisa. Uma flor, um bombom, até mesmo uma noticia ou uma fofoca. O assédio era tanto, que se não fosse pelos filhos mandaria esse emprego as “favas,” como fez Martinha.

Martinha menina doce, educada, sempre gentil com todos, não ficou seis meses no banco. O Paulo apaixonou-se por ela e não dava tréguas, era paixão mesmo, chegava a fazer visitas em sua casa. A mãe educadamente lhe explicava que Martinha era comprometida e nada, lá estava o chato com conversas de “cercar tolo”. Não deu outra, Martinha pediu demissão.

E agora como se não bastasse a Leila, que até pouco tempo era alvo de risos e bochixos às escondidas, deu para olhar suas pernas. Só pode ser castigo. Mulher não! Desta vez não dá para levar na brincadeira. As colegas já estavam percebendo. Que vergonha!

-Vou ter que falar com ela. (murmura, enquanto penteia os cabelos).

Hoje véspera de Natal, o Banco abre até o meio dia. Marina tem vontade de fugir. Fugir de tudo e de todos, dos olhares desejosos dos gerentes, dos risos falsos das colegas, até mesmo do marido, que agora deu pra fazer cobranças e mais cobranças.

Queria andar... Andar... Sempre em frente, sem olhar para traz. Sem levar nada. Só a roupa do corpo, que aos poucos iriam se desgastar, os sapatos por certo deformariam e teria que abandona-los á beira do caminho, assim como a roupa. Seu desejo era fugir... Deixar do lado tudo que lhe sufocava, que a fazia sofrer.

Ainda enrolada na toalha, vai ao quarto da filha, fica olhando, reabastecendo-se de forças, sugando energias para continuar a viver. A filha desperta como um anjo e comenta feliz:

-Que bom mamãe, hoje você não vai trabalhar!

_ Não Querida. Vou ficar com você, só com você.

_ Venha dormir comigo, mamãe...

Marina deita com a filha, a abraça e deixa o mundo lá fora. Que importa o trabalho! Fecha os olhos e caminha por uma estrada linda, cercada de arvores floridas, pássaros que cantam, lá por detrás dos sonhos, o sol brilha, a noite cai e as estrelas dançam, a lua vem beijar-lhe o rosto.

Já é quase meio dia, quando acorda. Abre a janela do apartamento e sente o cheiro de assado no ar. São os vizinhos preparando a ceia. Da janela mãe e filha olham a cidade... E vê o mundo.

-Mamãe, em todas as casas é Natal?

-É filha. Em todas as casas é Natal. Em todo o mundo é Natal.

É esperança... É vida... é renascer....

- Até para quem está triste mamãe?

- Até para quem está triste. Olha Renatinha quantas casas pintadas de amarelo!

- Ali tem uma azul. É entranho casa azul, não é mamãe?

Lá também é Natal.

24/12/98

Perpétua Amorim
Enviado por Perpétua Amorim em 16/11/2006
Código do texto: T293259