Natal pela vidraça
Uma canseira daquelas...Dia fora longo, na verdade, longo-longo. Acordara cedo para preparar o café do companheiro:João precisava chegar antes no trabalho, pois havia muito a terminar antes do final do ano.
“Anda, mulher, que moleza é essa? Tu sabes que tenho que trabalhar!”
Mesa posta. Café na térmica . Lanche enrolado em guardanapo branco e colocado em um daqueles potes plásticos empilháveis. Beijo mecânico e “Tchau!”
João deve estar ainda na parada de ônibus, quando toca seu celular. “Será que meu marido esqueceu de alguma coisa?”
Invade-a costumeira ansiedade, ou aquele medo diário?
Voz de mulher: “ Não posso dizer meu nome. Tu me conheces, de longe, e te admiro pela honestidade e pela tua beleza, da qual, talvez, nunca tenhas te dado conta . Dói muito ver tua dedicação e a maneira como aquele idiota te trata. E é , por isso, que , depois de ficar naquele faço-não-faço, engoli conchadas de coragem para te contar que , enquanto ficas , aí, te preocupando com ele, o desgraçado aboleta-se lá, todo refestelado, na casa da amante de vários anos! Chuta esse projeto de homem! Aproveita o Natal para renovar tua vida. Busca novo amor! Ih! Preciso desligar!” E, abrupta, corta-se a voz da verdade , já meio percebida intuitivamente.
Maria chora sem parar. Junta algumas de suas coisas mais pessoais—o resto deixaria para depois—e pega a chave da casa da tia que a criara e que, agora, mudara-se para São Paulo.
Chorava e agia enquanto se lembrava dos beijos desaparecidos, das fieiras de noites sem amor, das palavras que, há anos, sonhava de novo ouvir.
João tem outra! Como fora burra!
Arranca do ganchinho da lavanderia as chaves do Chevette e lá se vai. Liga o limpador de para-brisa.Para quê? A chuva brota de dentro dela.
É noite quando consegue chegar ao sobrado da tia. Cata sua bolsa e uma maletinha com o mais básico. Carrega sua dor, bolsa, maletinha e sacola de uma venda de beira de estrada, com leite, pão, um pedaço de queijo e uma garrafa grande de guaraná, até a porta. Entra. Liga água e luz. Coloca comida e bebida no velho Frigidaire. Sobe ao seu quarto de menina.
Prepara-se para dormir—ou, pelo menos, descansar de tanto soluçar—quando uma luz intensa adentra tudo. Maria treme. É uma nave—ou, quem sabe, um trenó?—que, imóvel, paira ali. Alguém de ar familiar lhe acena e toca, de leve, sua vidraça. "Vamos, Maria! Não precisas temer. Vem comigo! Eu sou o Amor! Vem logo que as renas estão cansadas!”
E lá se vai Maria singrar o tempo pelos céus. Desce em lugar conhecido. É, outra vez, mocinha e casa-se, ali, com o Amor.
Meses depois, ainda aparecia, no jornalzinho da cidade, a foto da mulher bonita que sumira, bem na véspera do Natal.
imagem: Google
Uma canseira daquelas...Dia fora longo, na verdade, longo-longo. Acordara cedo para preparar o café do companheiro:João precisava chegar antes no trabalho, pois havia muito a terminar antes do final do ano.
“Anda, mulher, que moleza é essa? Tu sabes que tenho que trabalhar!”
Mesa posta. Café na térmica . Lanche enrolado em guardanapo branco e colocado em um daqueles potes plásticos empilháveis. Beijo mecânico e “Tchau!”
João deve estar ainda na parada de ônibus, quando toca seu celular. “Será que meu marido esqueceu de alguma coisa?”
Invade-a costumeira ansiedade, ou aquele medo diário?
Voz de mulher: “ Não posso dizer meu nome. Tu me conheces, de longe, e te admiro pela honestidade e pela tua beleza, da qual, talvez, nunca tenhas te dado conta . Dói muito ver tua dedicação e a maneira como aquele idiota te trata. E é , por isso, que , depois de ficar naquele faço-não-faço, engoli conchadas de coragem para te contar que , enquanto ficas , aí, te preocupando com ele, o desgraçado aboleta-se lá, todo refestelado, na casa da amante de vários anos! Chuta esse projeto de homem! Aproveita o Natal para renovar tua vida. Busca novo amor! Ih! Preciso desligar!” E, abrupta, corta-se a voz da verdade , já meio percebida intuitivamente.
Maria chora sem parar. Junta algumas de suas coisas mais pessoais—o resto deixaria para depois—e pega a chave da casa da tia que a criara e que, agora, mudara-se para São Paulo.
Chorava e agia enquanto se lembrava dos beijos desaparecidos, das fieiras de noites sem amor, das palavras que, há anos, sonhava de novo ouvir.
João tem outra! Como fora burra!
Arranca do ganchinho da lavanderia as chaves do Chevette e lá se vai. Liga o limpador de para-brisa.Para quê? A chuva brota de dentro dela.
É noite quando consegue chegar ao sobrado da tia. Cata sua bolsa e uma maletinha com o mais básico. Carrega sua dor, bolsa, maletinha e sacola de uma venda de beira de estrada, com leite, pão, um pedaço de queijo e uma garrafa grande de guaraná, até a porta. Entra. Liga água e luz. Coloca comida e bebida no velho Frigidaire. Sobe ao seu quarto de menina.
Prepara-se para dormir—ou, pelo menos, descansar de tanto soluçar—quando uma luz intensa adentra tudo. Maria treme. É uma nave—ou, quem sabe, um trenó?—que, imóvel, paira ali. Alguém de ar familiar lhe acena e toca, de leve, sua vidraça. "Vamos, Maria! Não precisas temer. Vem comigo! Eu sou o Amor! Vem logo que as renas estão cansadas!”
E lá se vai Maria singrar o tempo pelos céus. Desce em lugar conhecido. É, outra vez, mocinha e casa-se, ali, com o Amor.
Meses depois, ainda aparecia, no jornalzinho da cidade, a foto da mulher bonita que sumira, bem na véspera do Natal.
imagem: Google