O último Natal
Assim que terminou de enfeitar a árvore de natal, ele conectou o pisca-pisca à tomada elétrica e virou-se para o seu sócio que lá do fundo observava a tudo sem comentar nada. Pegou a sua bengala que deixara encostado à parede e lentamente caminhou até onde ele estava.
----Tá bom? –Perguntou ele.
----O que?
----A árvore de Natal!
O Vitório torceu o nariz e respondeu meio que com deboche.
----Não é a mesma do ano passado?
----É... É a mesma! --Respondeu o Nestor.
----E a do ano passado não era a mesma do ano retrasado?
Ele ficou olhando para o Vitório meio sem graça enquanto pela milésima vez ajeitava o óculos no rosto.
----Sim era a mesma!
----E a do ano retrasado não era a mesma que nós sempre armamos em todos os Natais à quase dez anos?
----È Vitório... Era a mesma! Respondeu o Nestor suspirando fundo, não se conformando com a sua frieza.
----Porra Nestor não me enche o saco! Todo ano você me pergunta a mesma coisa! Já faz dez anos que nós armamos essa merda dessa árvore de Natal, e todo ano você me pergunta se ficou bom!
Nestor não respondeu nada, apenas olhou para o Mário tentando entender o porquê dele tratar todo mundo com tanta indiferença. Virou-se e novamente com a ajuda de sua mais nova companheira, a bengala, saiu caminhando com dificuldades em direção a porta.
Ele quase não dormira na noite anterior. Aquela dor o incomodava demais. E além da dor a ansiedade de saber que no outro dia seria internado para a implantação de uma prótese no fêmur. Há quase um ano que vinha lutando contra aquela enfermidade que lhe atacara a perna, e agora quem sabe com essa operação conseguiria se livrar dessa maldita dor.
A quinta feira se arrastou lenta e preguiçosa até as seis da tarde. Nestor levantou-se de onde estava e caminhou em direção ao outro galpão onde funcionava a linha de produção. O pessoal já se posicionara diante do relógio de ponto preparando-se para ir embora. O Nestor brincou com eles.
----Ai rapaziada pode alugar a quadra de futebol de salão que daqui a alguns dias vou estar novinho em folha novamente. Se Deus quiser amanhã coloco essa bendita dessa prótese e assim que eu estiver bom vamos marcar um jogo. E já fica combinado que quem perder paga o churrasco e a cerveja.
Ficaram por ali mais alguns minutos, após baterem o cartão, conversando com o Nestor sobre a sua operação e, depois de desejarem-lhe boa sorte, despediram-se e foram embora.
Na sexta-feira tudo correu normalmente sem nenhum incidente. A tardezinha perguntaram ao Vitório se ele tinha notícias do Nestor. Ele respondeu que estava esperando uma ligação da sua mulher, porém até aquele momento ela não havia ligado. Disse ainda que tentou contato pelo celular dela, mas o mesmo dizia estar fora da área de operação.
O Vitório iria passar o final de semana com a família em seu sítio e de lá tentaria novo contato com a família do Nestor. Qualquer coisa ele ligava para um dos encarregados para dar notícias.
Na verdade ele não tinha intenção nenhuma de ligar para ninguém. Disse aquilo apenas para não ficar mal diante dos funcionários.
Chegaram cedo ao sítio e assim que guardou o carro sob uma cobertura próximo ao casarão, foi conversar com o caseiro.
----Bom dia Seu Oswaldo!
----Bom dia Seu Vitório! Tudo bem com o Senhor?
----Tirando essa maldita dor na coluna e essa outra que mora dentro do meu estomago, o resto está tudo mais ou menos bem. E o Senhor sarou da diabete?
----Sarar a gente nunca sara né Seu Vitório! A gente tenta controlar a danada e evita um monte de coisas para que ela não suba. A minha vida é só tomar remédios. Mas fazer o que? Enquanto Deus permitir a gente vai empurrando com a barriga.
O Vitório se afastou um pouco indo em direção a uma mexeriqueira.
----E as formigas Seu Oswaldo? Deram um tempo ou continuam infernizando?
----Eu andei colocando inseticida em alguns pés e parece que elas se acalmaram um pouco.
Continuaram conversando por mais alguns minutos até que o Vitório pediu licença e entrou no casarão.
Ele adorava passar os fins de semana ali no sítio. Vivia com um facão na mão limpando tudo que lhe viesse à frente. Vez ou outra passava a mão em uma enxada e saia capinando o terreiro. Sempre que podia levava algumas mudas de árvores para plantar.
O sábado e o domingo passou em um estalar de dedos. Um pouco antes do anoitecer retornaram para São Paulo, e como de costume enfrentaram um transito terrível na chegada a Capital, parece que todo mundo resolveu voltar no mesmo horário que eles. E para complicar ainda mais, uma carreta tombada na Marginal provocava um congestionamento de vários quilômetros. Por conta dessa lentidão toda só conseguiram chegar em casa quando o domingo já estava quase terminando
Na segunda pela manhã, assim que chegou à fábrica, comentou com o pessoal que passara o sábado e o domingo tentando falar com alguém da família do Nestor, mas infelizmente não conseguira contato com ninguém. Na verdade, assim como das outras vezes, ao chegar ao sítio a primeira coisa que ele fez foi desligar o celular. E sempre que fazia isso ele brincava com as filhas dizendo: --Estou me desligando do mundo. – Além do mais não dera tanta importância ao caso, pois sabia que a operação que o Nestor iria se submeter não lhe trazia nenhum risco de morte. Era apenas o implante de uma prótese. Em alguns dias receberia alta e poderia voltar para casa.
A Miriam ligou o pisca-pisca da árvore de Natal. O Vitório não gostou muito. Achava que aquilo era tudo besteira e que só servia para gastar energia. Porém apenas torceu o nariz e não disse nada, afinal o natal se aproximava e ele achou melhor não ser taxado como o chato da turma.
Já era quase nove horas quando o telefone tocou. A Miriam atendeu e passou a ligação para o Vitório.
----É a mulher do Nestor! Ela disse que precisa falar com você urgente!
Assim que o Vitório começou a conversar com a mulher do Nestor todos perceberam que alguma coisa estava errada.
-----Mas como aconteceu isso! –Gritou o Vitório enquanto desabava sobre a cadeira.
Permaneceu em silêncio enquanto ouvia a explicação do outro lado da linha. E assim que desligou o telefone voltou-se completamente pálido para todos e falou:
----O Nestor sofreu uma parada cardíaca durante a operação e não resistiu.
----Ele morreu??? –Perguntou a Miriam já se desmanchando em prantos.
----É! Infelizmente ele morreu! Aliás... Todo mundo morre! E chegou a vez dele!
E enquanto todos corriam em direção ao escritório a fim de saber se realmente era verdadeira a notícia que chegara até a linha de produção, o Mário completamente estático e tomado, talvez, por uma pontinha de arrependimento não tirava os olhos da árvore de Natal, que, insistentemente, parecia piscar para ele.