O DESESPERO DE UMA MÃE NA NOITE DE NATAL
Era uma manhã de setembro de 1993, o calor assoprava com o vento entre os cocais do povoado conhecido como “Capoeirão da Serra do Agripino” no primeiro Distrito da cidade de Caxias no Estado do Maranhão. Ali, naquela localidade isolada e distante do mundo moderno, uma singela mulher dava à luz a uma criança no tempo traçado das treze horas. A nega parteira chamada às presas acudia os impulsos da mulher quebradeira de coco babaçu que chorava e se desesperava em profundos lamentos e dor. Um gemido repercutia entre as folhagens das estátuas verdes que balançavam com as brisas na celebração do nascimento que brilhava naquele instante dentre os cocais.
E a temporada passava célere nos tons de calorias insuportáveis, e algumas vizinhas se prontificavam em ajudar a mulher, conhecida pelo nome de Maria do Capoeirão, que por vezes acamada guardava o resguardo numa velha cama encostada na parede de barro com o teto coberto de palhas de babaçu. E no seu rosto sofrido marcava o tempo a idade de vinte e cinco anos, porém, as amarguras e labutas sertanejas mostravam o lado padecido de uma agricultora com mais de quarenta anos no vestido delgado das idades.
Transcorria a serenidade nos olhos daquela despojada mulher que fora deixada pelo companheiro no último mês de gestação, e as doloridas lembranças cobertas pelas ocasiões, iam se afastando em cada horizonte de um novo dia para uma novíssima batalha que se estendia no dilúculo desafortunado. A senhora olhava com carinho o recém-nascido que chorava durante o meigo silêncio do capoeirão, brincando e se divertindo com as alegrias de ser mãe pela primeira vez em sua idade, abrindo sorrisos e cantando com a ingenuidade dos olhinhos negros do pequeno anjo. Mais uma vez, Maria do Capoeirão entendia que assumir o papel de ser mãe seria o mais louvável dom da criação ofertado por Deus naquele momento tão cruel. E às vezes, lembrava-se que o pai ausente não compartilhara desse encanto formidável que somente o amor é capaz de trazer aos laços familiares a mais rica germinação do amor.
E desse modo, a dedicação da sertaneja e a satisfação nas suas pupilas enfraquecidas eram imensuráveis com os acontecimentos do dia a dia que se desfaziam nas fortes esperanças de poder criar o filho com ternura e bastante saúde na integração da vontade. Com tantas emoções e cuidados, Maria do Capoeirão dizia aos olhos do menino que o seu nome iria se chamar João em homenagem ao falecido avô que morrera no lugar Caatinga dos Pretos pelos pistoleiros do fazendeiro Evaristo quando fazia a coleta de amêndoas de babaçu. E desse modo, com a claridade do sol que respondia com a luz incessante, penetrava entre as velhas cortinas de chitão de florzinha vermelhas e amarelas dividindo a minúscula sala e o quarto. Bem ali, numa posição superlativa no quarto onde dormia apaziguado o miúdo Joãozinho, ali estava o retrato de São Francisco com os olhos na direção do menino, protegendo e lhe dando bênção.
Os meses foram responsáveis pelo crescimento e fortalecimento do menino que morando com a mãe, este foi aprendendo as primeiras lições de vida no campo já contando com mais de oito anos. E durante os labores matutinos, os dois acordavam cedo enquanto Joãozinho brincava com um carrinho feito de lata de sardinha com pneus de sandálias havaianas. Após tomar café, Dona Maria preparava o almoço que consistia numa banda de rapadura e meio quilo de farinha de puba, além de levar nas costas o machado, um saco de náilon e uma cabaça com água. O meninote segurava nas beiradas do vestido da mãe e desciam e subia os morros à procura incansável do coco babaçu. E assim dizia ela:
-Fique bem aí Joãozinho. Não venha, aqui tem muito espinho.
-Tá bom. Mãe tô com sede eu quero água.
-Espere um pouco que vou dá de beber, inda pouco tu não quis beber.
-Mais agora tô com sede de novo, mãe.
-Eita menino que bebe, parece que tu viveu na seca de sete no Ceará.
Os dias passam, e os anos demarcam nas idades de ambos o reconhecimento de novas estações e novas eras. Na entressafra do coco babaçu, o menino já crescido com apenas dez anos de idade já acompanhava a mãe na coleta do coco em todas as manhãs, e a tarde ia para o colégio que ficava distante uns quinhentos metros. Com os cuidados, a mãe acompanhava todos os dias, ensinando as passagens que levam ao bom entendimento da vida, e que se erguem dentro do próprio homem. De tudo fazia para agradar o menino que se desenvolvia com rapidez e inteligência.
Com palavras e opiniões, o acanhado já falava o que desejava ser quando crescesse e alimentava suas aspirações descendo o pé do morro com um saco nas costa de coco babaçu. Todos os cuidados eram preservados com os olhares que não se cansavam de sua mãe. E toda a noite ensinava-lhe a rezar para que o menino não dormisse como um cavalo ou um animal eu não possui entendimento. Era sempre a mesma coisa, a mãe continuamente ia olhar o filho dormindo, ajeitando o seu pequeno corpo na rede e cobrindo com o lençol fino.
Os anos se passaram, e o menino cresceu e se tornou um homem com 19 anos. Este sempre reclamava a mãe que deseja morar na cidade com o intuito de trabalhar, estudar e ajudar na manutenção do lar. Porém, a mãe sempre dizia que não tinha condições de mantê-lo na cidade devido às precárias condições. Em resposta o rapaz afirmava que poderia morar na casa de sua madrinha, e no andar das ocorrências acabou vencendo os argumentos e paixões de sua mãe.
Encontrando-se na cidade, não foi possível conseguir de imediato um emprego por não possuir qualquer experiência e qualificação profissional, vez que a procura se transformava numa gigantesca oferta de empregos de apadrinhados por aquela cidade. Não se curvando as intempéries, todos os meses a Dona Maria do Capoeirão vencia as estradas vicinais de mato adentro a pé para fazer compras na cidade, oportunidade em que deixava uns trocados para o filho. Tendo por diversas vezes reclamado para o filho retornar ao capoeirão, pois, estando perto dela seria melhor com a companhia do filho. Insatisfeito com os aconselhamentos da mãe, este não aceitou a voltar de forma alguma, e na compreensão dos padrinhos por lá permaneceu.
Um dia o rapaz pediu ao padrinho que iria a uma festa dançante com a namorada. Os padrinhos não permitiram por ser o bairro muito perigoso. Porém, advertindo ao mesmo que não falasse mais sobre o assunto e que ficasse em casa. Sem demora, o rapaz saiu por sua própria vontade desafiando as ordens dos padrinhos. E, lá fora a garota já aguardava.
Na festa onde rolava o forrobodó, Joãozinho agarrado com a namorada penetravam no salão com passos marcantes e com bastante requebrado. Um jovem se aproximou e disse:
-Minha gata, você já está em outros braços? Como você é uma gata safada?
Joãozinho ouviu o insulto, e disse:
-Tu tá falando com quem, cara?
-Eu tô falando é com ela seu veado.
Nessa oportunidade, o jovem do capoeirão empurrou o rapaz que caiu.
E este disse zangado:
-Tu vai me pagar, viu safado. Deixe quieto. Tu não sabe com quem tá se metendo.
Ao terminar a festa, o rapaz vai deixar a namorada em casa, e na volta surgem três elementos que desafiam o rapaz. Um armado com faca e os outros dois com um pedaço de pau. Joãozinho tenta proteger a namorada e se dirigem a um terreno baldio, no entanto, é alcançado por um dos comparsas. E travando luta corporal, o rapaz do capoeirão toma a faca, e enfia no peito esquerdo do agressor que tomba de lado gemendo, e tendo morte instantânea. Os outros correm e chamam a polícia. Esta de imediato vem e prende o juvenil do capoeirão aplicando um flagrante pelo homicídio cometido.
Os padrinhos do rapaz logo pela manhã tomam conhecimento de que Joãozinho se encontra preso na delegacia local através da nota de culpa. Em poucas horas a notícia corre como o vento em desabalada carreira até o povoado onde se encontra a mãe do rapaz, que de imediato partiu em direção à delegacia, e lá chora desesperadamente ao rever o filho:
-Meu filho, porque você fez isso? Eu nunca te ensinei esses modos. O que aconteceu contigo para me decepcionar tanto assim. Ó meu Deus o que será de mim agora! Tenha compaixão! Filho, eu não vou deixar você preso. Acredite Joãozinho. Você devia ter fugido desse malfeitor.
O rapaz baixou a cabeça, e nada respondeu, pedindo a mãe que se retirasse da cadeia pois ali não era lugar para ela, e afirmando que não tinha culpa.
A velhinha foi retirada pelos policiais e saiu triste, chorando pelas ruas da cidade. Sabe-se que em seu depoimento prestado na presença do delegado, este contou a versão de legítima defesa. Porém, duas testemunhas acusaram de ter matado a sangue frio para roubar a vítima. Sendo que as duas testemunhas eram os rapazes que se encontravam armados de paus na ofensiva naquela madrugada.
E assim, foi julgado e condenado pelo Tribunal de júri a passar mais de 13 anos na prisão Estadual, cumprindo mais da metade da pena, um dia o jovem saiu da prisão, levando consigo todas as experiências da vida carcerária, indo morar na casa de uma mulher que havia conhecido naquele sistema carcerário nos dias de visita, a qual se rendeu ao amor e paixão, indo morar juntos.
Certo dia de visita, sua mãe procurou no presídio e foi informada que o seu filho já se encontrava em liberdade. Tão satisfeita e sorridente se dirigiu a residência dos compadres, e mais lúgubre ficou ao tomar conhecimento de que o filho não se encontrava naquela casa. A velhinha andou pelas casas dos parentes e amigos a procura do jovem, não obtendo nenhuma informação, os olhos mergulharam mais uma vez em completo desespero da alma. Levada por conhecidos ao lugar de origem, esta não se alimentava, e com tantas preocupações não dormia sem saber o seu destino do único filho.
Com o coração nas mãos e assistida por várias pessoas que não aguentavam em olhar aquela face lançada de tantas ansiedades, saía em busca de ajuda pelas ruas e bares da cidade na única intenção de saber o paradeiro do filho. Vários meses se passaram, mas, a dor e as amarguras não desataram o nó que afligia dentro do seu coração, e assim, nada foi resolvido e a velhinha voltou para o capoeirão, levando o lenço deprimido de magoas.
Um dia estando em sua casinha no capoeirão, uma vizinha, disse:
-Dona Maria, ontem passou no jornal que o seu filho foi preso por assalto a agência do Banco do Brasil, na cidade de Coroatá e levou quatro tiros e que está passando mal no hospital juntamente com a sua companheira.
A velhinha mergulhou em prantos, e disse:
-Não me diga uma disgrota dessas. Tenho certeza que não é ele. O meu garoto não é assim. Ele não é bandido. Ele nunca pegou nada alheio. Pelo amor de Deus! O que está acontecendo neste mundo?
A velhinha pegou um saco de coco de sessenta quilos, e vendeu no primeiro comércio para custear as despesas na viagem. Chegando na cidade de Coroatá, a enfermeira levou a velhinha até o quarto onde se encontrava o homem baleado e noutra cama sua companheira.Naquele momento quando Maria do Capoeirão viu o corpo do filho, desmaiou, e logo foi atendida por um médico. Após a sua recuperação foi levada na presença do filho. E derramando lágrimas, ela disse;
-Ô meu filho, porque você não quis ir morar comigo. O nosso feijão era pouco mais dava pra gente comer e dormir tranquilo. Hoje vejo sua cabeça enfaixada, não vejo os teus olhos e nem escuto a tua voz. O que fez mudar a sua cabeça? Foi essa ingrata de mulher?
O homem sentiu a presença de sua mãe, apenas remexeu com uma mão. E ela concluiu.
-De tudo eu fiz por você, mais a sua teimosia me venceu, me deixou tão fraca e desgovernada que eu não sei mais de nada sobre você. Mais ainda me resta um pedaço de carne neste meu corpo, e vou lutar pra você voltar pra mim e ser um homem de verdade. Ó meu filho, você não sabe que venho de longe pra te ver. Todos os dias da minha vida eu fico rezando pra você voltar. Mais não perco as esperanças.
A mão do rapaz se levanta em direção de sua mãe como se estivesse aceitando as suas oportunidades, e não demora, a enfermeira retira Dona Maria, e esta retorna para o capoeirão. Em instantes, a companheira do rapaz não resistiu aos ferimentos, e os médicos salvam o filho na barriga e com poucas gesticulações a companheira baleada falece. Sem muita importância, o choro do recém-nascido zoa por todo o local, e uma família abastada recebe o anjo com carinho e amor.
Com o passar dos dias e já recuperado, Joãozinho retorna ao presídio Estadual após cumprir os trâmites processuais a que responde. Tendo o juiz do feito dado um defensor público por não ter condições financeiras de arcar com os honorários advocatícios de um advogado profissional. Após o término do processo criminal, Joãozinho fora condenado a 14 anos de prisão cumulados com o restante da outra pena passada. E após, uns meses, a velhinha vai visitar levando sempre uns trocados ao filho, e naquela oportunidade, disse:
-Meu filho, mude o seu coração, se entregue a Deus e deixe essa vida agoniada. Eu não quero que você termine sua vida nesta gaiola. O caminho dos tortuosos é sempre assim, não vai longe, esbarra sempre no mesmo lugar de costume. Você é teimoso e não segue os meus conselhos. Quem é o seu advogado? Me dê o endereço desse advogado.
E o homem disse:
-Mãe, eu errei novamente. E não vou ficar aqui. Tem um pessoal da pesada que querem me matar aqui dentro. E esse defensor que o Juiz me deu não me defendeu, ele não fez nada em minha defesa.
Curiosa, a mãe indaga:
-Quem é meu filho? Me diga para que eu possa falar com o juiz. Ninguém pode lhe ofender já estando preso. Você corre perigo de vida.
-Não adianta mãe. O juiz não vai ouvir a senhora. Ele também me acusou de ter roubado o carro do sobrinho dele. Mais eu não fiz isso. O que eu fiz tá tudo lá escrito. Por favor, vá pra casa e deixe de gastar dinheiro que é tão pouco pra senhora. Não procure o advogado do Estado, ele só quer dinheiro e nós não temos. Se eu for beneficiado no natal, vou passar com a senhora três dias. E a senhora já aposentada?
Naquele instante com a mão no queixo, a velhinha respondeu:
-Tô sim meu filho, eu conseguir. Mais eu tive que dar um ano do meu aposento para a mulher que fez o meu processo. Sei que isso é errado. Mais é assim que a gente se aposenta. Ela recebeu mais de dez mil reais de todo o período acumulado. Mais o importante é que tô aposentada. Não fique triste que vou rezar pra ninguém bulir com você. Quando você for passar o natal comigo, mande me avisar que eu vou matar um porquinho pra você comer assado e um capão.
E na semana natalina, o rapaz foi beneficiado a passar o natal com a família. Certamente ao tomar conhecimento da vinda do filho, a velhinha preparou uma mesa farta para recebê-lo, o melhor capão e um porco que mandou assar em homenagem ao único filho amado. No dia em que o rapaz saiu da prisão, já se encontrava na porta do presídio um suposto amigo que levou para outra cidade.
E o dia contou os passos entre a brisa e os raios do sol, com tanta alegria, a velhinha ficava na janela a espera do filho, a todos os instantes, olhava com os olhos cansados, o estradão poeirento que não realizava a conexão das horas ao encontro. E já avançada a hora, Dona Maria do Capoeirão, observa na mesa o grande almoço que fizera ao filho. Insatisfeita com a demora do filho, ela não almoça na espera incansável, e a tarde chispa com as sombras das faveiras por trás da casinha de palha onde a estrela soar vai e escondendo para se entregar à noite do sertão, e o filho não parece no dia vinte e três de dezembro daquele ano.
Já era o dia 24 de dezembro em plena alegria no cerrado, e Dona Maria do Capoeirão irrequieta, se prepara e vai à residência dos compadres e pede ajuda para que eles telefonassem para o presídio e relata que o filho havia dito que iria passar o natal em casa, e que até aquele momento não tinha notícia do mesmo. Providencia solicitada, o diretor do presídio informava que o mesmo havia saído dia vinte e dois de dezembro para passar o natal com a mãe na localidade de Capoeirão da Serra do Agripino. Ao receber as informações, os compadres pediram para que ela aguardasse o filho em sua casa. Novamente, a velhinha chorou e foi abraçada pelos compadres, e disse o homem:
-Não chore comadre! Quem sabe ele já esteja no Capoeirão? Conforme o diretor me disse que ele já saiu de lá desde o dia vinte e três.
Magoada, a velhinha disse:
-O meu coração diz que pra lá ele não foi e nem vai aparecer.
Confortando o desespero, o compadre disse:
-Calma comadre, não chore. Também as coisas não são como a gente quer. Tudo tem a sua hora exata.
A velhinha se retorceu, e foi embora para o capoeirão. E na véspera da noite natalina à noite, os seus olhos gemiam e tremiam em lágrimas pelo grande amor que sentia pelo filho perdido, e ao mesmo tempo, olhava para o teto da casa e pensava:
-O que eu fiz de errado para ele não gostar mais de mim. Mesmo que ele não goste ou me venha a me odiar, eu não vou deixar de lhe procurar. Ó meu Deus que vida que eu levo! Tenha compaixão de mim, nem que seja pelas últimas gotas do sangue do teu filho derramado em nosso coração. Faça alguma coisa! Eu não saberei mais viver daqui pra frente. Eu vou sempre amar como sempre amei com todos os seus defeitos. Apesar de ser tão pobre, mais a minha pobreza não faz desonestidade. Eu não entendo e não quero compreender que a gente faz os filhos e entrega para o mundo desse jeito.
E daí, a luz da lamparina brilhava no meio da sala na véspera da noite de natal. Aquela mulher vestida nas últimas lágrimas de esperança, apenas, sonhava triste pelos caminhos dos sonhos que nunca se apagam quando o amor é verdadeiro e fiel de uma mãe. Sozinha e sentada num tamborete de couro, angustiava em soluços a sua eterna dor e paixão. Já era tarde, as esperanças marcadas pelos olhos, fazia com que a velhinha olhasse de vez quando a estrada no escuro, na esperança remota do filho aparecer. Cansada de tanto esperar, ela armou a rede e ficou olhando o teto de palha com suas frestas onde a lua mergulhava o seu único brilho em seu olhar que respingava com o silêncio da noite. O jantar ainda esperava o único visitante do seu coração amado, mesmo distante, as suas esperanças cruzavam horizontes imagináveis.
Não custou, e em poucos instantes, uma motocicleta rasgava o solo quente do sertão iluminado pelas sombras vagarosas do luar, e o ronco do motor açoitava as corujas que guardavam o caminho de Jesus Cristo naquela abençoada noite. Dona Maria se levantou da rede em voz altiva, murmurou sozinha:
-Ali vem o meu Joãozinho numa moto! Ó meu Deus! Eu te agradeço pela luz que me ilumina o meu coração. Eu serei sempre fiel e firme em teus passos. E que o menino Jesus possa dá conforto e paz a todos nesta vida.
A motocicleta em alta velocidade diminui a marcha ao se aproximar da residência, e Dona Maria se posicionou na porta para receber o filho distante. O farol da motocicleta iluminou a casinha de palha com o rosto da mulher sorridente, e passou. Sem expectativas, e observando que não se tratava do filho, bateu a porta com agressividade e se deitou na rede com prantos se espalhando pela face.
De repente, a motocicleta retorna com o barulho do motor mais suave e para em frente à casa de Dona Maria do Capoeirão, o estranho indaga:
-Ô de casa? Tem alguém aí?
A mulher fica calada, ouvindo que a voz não é de seu filho. Novamente, o estranho buzina insistentemente. E pergunta:
-Ô de casa? Tem alguém aí. Por favor, respondam!
A mulher receosa inquire:
-O que você quer moço?
-Eu só quero apenas saber onde mora a dona Maria do Capoeirão?
-Não sei não moço. E se eu soubesse não diria. Isso não é hora pra andar perguntando. O senhor não usa relógio, não moço? E quem quer falar com ela?
-Sou eu, Juarez de Caxias.
-E quem é Juarez que eu não conheço?
-Eu sou filho do Dr. Adalberto Fontenelle, lá do bairro Ponte.
-Também não conheço nenhum Adalberto. O senhor tá procurando na casa errada.
O estranho já cansado, pergunta:
-Como é o seu nome senhora?
-E pra que você quer saber?
-Por acaso a senhora sabe onde fica a casa do João do Capoeirão?
-Não, sei não moço. Me diga uma coisa! O que o moço quer com ele essas horas?
-Nada demais. Por acaso a senhora sabe notícias desse homem. Eu soube que hoje ele estaria por estas bandas e por isso ando a sua procura.
-Não. Ele não mora mais aqui há mais de vinte anos.
-Eu lhe agradeço senhora pelas informações e tenha um feliz natal.
A mulher nada respondeu, apenas acompanhou com os olhos no escuro a luminosidade da motocicleta, e o estranho partiu dando forte arrancada na motor no meio das estreitas veredas que levam ao caminho da cidade de Caxias, entrando na próxima curva do pé de guabiraba, o estranho sentiu as petecas dos olhos diminuírem os reflexos com o feixe de luzes do farol, era o sono, e resolve retornar para pedir uma dormida na residência da dona Maria do Capoeirão.
Ao chegar naquele local, a mulher ouve novamente o ronco estridente do motor a rasgar as apertadas estradas, e tem pensamentos diversos ora imagina que havia uma situação de algo errado. E de repente, o estranho bate na portinha de talo de buriti e pede uma dormida, esclarecendo que já era tarde e estava com sono. Bem atendido pela sertaneja, ele pede para guardar na sala a motocicleta. Instantes, a mulher arma uma rede na varanda, e o estranho adormece. De imediato, a senhora pega uma lamparina iluminando o miúdo rosto do menino que se perde em sono, e exclama:
-Meu Deus! Veja é um menino rico. Um cordão de ouro e um relógio todo amarelo, e suas roupas não são desta cidade. É a cara do meu Joãozinho quando tinha quinze anos. Como pode Deus desenhar tão bela imagem nesse menino que eu não sei quem é. Mas, a sua cor é diferente, seus dentes, seus cabelos amarelos da cor de fogo, suas mãos são macias, unhas bem pintadas, uma carteira cheia de dinheiro. Tudo isso é estranho. O meu Joãozinho nunca teve um filho, nunca constituiu uma família, também a sua vida foi só na cadeia pagando por crimes. Não conheço nada sobre esse menino. Tudo é de me encabular.
Ali, Maria do Capoeirão permaneceu reflexiva com tudo o que lhe rodeava com o clarão da lamparina e foi para o seu quarto terminar os sonhos que não se completavam com tantas ponderações nos olhos. E na abertura daquela manhã de natal, o sol raiava entre as palmeiras e todas as belas matas do cerrado. Sem demora, levantou-se cedo e fez o café da manhã com beiju enquanto o jovem ainda passeava pelas longínquas trilhas da imensidão das esperanças em sono.
Sem muita demora, o juvenil ao despertar as pupilas e olhar o pequeno lar coberto de palha de babaçu, se embriaga nas tonalidades que somente a existência é capacitada para demonstrar o meio de um labor atravessado na solidão de uma mulher de fé. E sem pressa, o café estava servido numa simples tigela azul com flores vermelhas e brancas nas laterais com um beiju. Momento em que ela disse:
-Ei garoto, o café já está na mesa, venha! Não repare, aqui eu não tenho nada do que você gosta.
O adolescente se sentou ao lado da mulher, e os olhos da Maria do Capoeirão corriam velozmente nas lembranças que somente uma mãe é capaz de guardar tão finos detalhes. E sem se deixar observar, ela detinha uma visão mais larga sobre o meninote que segurava a tigela com a mão esquerda. E pensava sozinha nos modos de igual ternura que empreendia nos pretéritos quando o filho Joãozinho desfiava sorrisos e brincadeiras segurando com a mão esquerda a mesma posição da xícara. Naquele momento, a senhora indagou:
-Você não está gostando do meu café?
Sem contrapor, o mancebo medita e choraminga esfregando suas mãos contra a doce face ingênua. Insistente, a mulher pergunta:
-Você está sentido alguma dor?. Foi o meu café que lhe fez mal?
O guri responde com a cabeça virada:
-Não senhora. Estou triste por tanto tempo que a senhora nem imagina. Eu não tenho mãe, o que sei é que meu pai verdadeiro viria para essas bandas, e eu não sei mais aonde achar a casa de minha vó. Sabe senhora é meu maior sonho conhecer o meu pai. Já andei por tantos lugares que eu não sei o que fazer. Olhe, até os meus pais adotivos contrataram um detetive na capital para localizar ele. Mais ao mesmo tempo vivo duas histórias que não abrem o meu destino. Por razões diversas, eu soube que ele esteve preso na cidade de Coroatá e que iria passar o natal com sua mãe. De outro lado, os detetives informaram ao meu padrasto que mataram o meu pai na cidade de Bacabal e depois atearam fogo em seu corpo. O certo é que eu nem acreditei em estórias de detetives. Vim procurar por ele conforme informações repassadas pelos agentes do presídio que ele mora no Capoeirão da Serra do Agripino com sua mãe. Já andei por todos os lugares e nada eu encontrei nem mesmo a mãe dele, que é a minha avó. A senhora nem sabe como eu ficaria feliz ao ver a minha avó. Todos os dias eu sonho com o seu rosto e sua vida no campo, mais a vida tem dessas coisas. A senhora reconheceria o meu pai pela foto que lhe mostro?
O rapaz retirou a única foto que trazia na carteira e mostrou para a sertaneja. Completo silencio fizera entupir os pequeninos olhos da mulher que ao segurar o retrato e corresponder com as luzes das pupilas derramou sobre o vestido um oceano vermelho de tantas lágrimas entre soluços. O jovem segurou a mulher e indagou?
Senhora, qual o motivo de tanto choro? Por favor! Não faça isso! Será que lhe ofendi?
A mulher do capoeirão investia na dor que transformava na real tristeza dos impulsos do coração, e dizia:
-Eu sei que mataram meu filho e um anjo me avisou em sonhos, mais eu nunca desistir de esperar mesmo sabendo que ele não nunca viria.
-Então, a senhora é minha avó? Porque a senhora não respondeu as minhas perguntas quando aqui cheguei a primeira vez? Deixe-me lhe abraçar vovó pelo menos nesta hora que tanto sofro e que preciso da senhora.
Ainda chorando, a mulher disse em lágrimas:
-Quando vi o seu rosto no escuro com a luz da lamparina, logo, correu um vento frio por dentro de mim e eu não acreditei. Mas, vi o meu filho no seu rosto quando tinha a mesma idade. Você não imagina como eu fiquei com o meu coração batendo forte. E com as verdades que você leva do seu pai. Realmente, eu sou a sua verdadeira avó, mais nunca soube que ele tivesse um filho tão bonito com a cara dele.
O guri cingiu o corpo leve da senhora, e despejou no seu ombro as gotas de felicidade que cintilavam no espaço perdido e encontrado nas veias do grande sertão, bem ali, no centro das emoções os dois abraçados, distanciavam a melancolia num grande embate tão sublime que somente a biografia não seria capaz de adjetivar o espírito da alma nestas doces canções.
O menino então disse.
-A senhora me deixa passar o natal aqui ao seu lado?
A mulher limpando o rosto com o pano da rodia, responde:
-Sim. A casa é pobre e fique bem à vontade. Aqui tem capão assado e uma banda de porco que eu guardei para o Joãozinho na noite de natal. E vejo que ele não veio e mandou a sua alma em pessoa no seu filho. Venha ver! Puxa! Você é um menino lindo como o seu pai quando pequeno. Tem tudo dele meu filho.
-Vovó querida, eu tenho um presente de natal para lhe entregar. Veja como é bonito. É apenas um cordão de ouro, perfumes e uma grana boa pra senhora gastar aonde imaginar. Também... Eu tenho um presente para o meu pai, é uma miniatura de um automóvel em ouro maciço. E não se preocupe que os meus pais adotivos fazem tudo por mim. Meu pai é dono de uma rede de hospitais na Argentina e no Brasil, e eu estou sempre por aqui com eles no Maranhão.
-Meu netinho querido, agradeço de coração os seus presentes. Veja! Eu não tenho nada pra lhe dá em troca. Mas, fico feliz por tudo o que você me diz. E não paro de olhar pra você que é a face do meu Joãozinho querido. Nossa mãe de Deus! Como o meu neto é bonito!
E nesse momento, inquiriu Juarez:
-Não se preocupe com isso vovó. Encontrar a senhora é o meu maior presente de natal. A senhora quer vir morar comigo? Não quero mais vê-la sozinha no capoeirão, e desejo que a senhora fique mais perto de mim do que antes. Venha morar comigo? Não se preocupe com nada. Lá, nós temos tudo a lhe oferecer.
-Você me aceita do jeito que eu sou? Sou tão pobre que nem roupas tenho para andar nos lugares. Eu não sei o que responder, pois, a minha vida é diferente da sua sem comparação. Realmente, não sei dizer sim e não sei dizer não. Mas, o meu coração fica feliz de qualquer jeito com você. Mesmo com tanta vergonha, eu me acho agora feliz em ser a sua avó. Pois, você é mesmo a cara do meu filho.
-Vovó, me deixe abraçar mais. Quero matar todas as saudades que tive em minha vida na distância que sempre me separou da senhora e do meu pai. É como se eu sentisse o meu pai dentro de mim. Vó, eu te amo e vou sempre lhe amar por toda a minha vida. Prepare-se e venha pra cidade comigo, agora. Eu quero cuidar muito bem da senhora. Vou deixar a senhora mais bela e feliz.
Sorrindo, a mulher indaga:
-Como você vai me fazer bonita e feliz? Sou tão horrível com tantas marcas no meu rosto e a idade já avançou por todos os tempos.
-Vó, a beleza não vem da carne e sim da alma e quando ela se extravasa cobre todo o corpo e faz maravilhas. É assim, toda força do amor é prova de uma pura afeição transformada em mil desejos do coração.
Os dois se abraçaram no meio da casinha de palha em pleno dia 25 de dezembro - dia de natal que se completava com a presença do neto no coração da mulher do capoeirão, apagando por vez, a ampla lagoa de tristezas que se cumpria dentro dos potes de angustias. E, assim, a velhinha se preparou e sentou na garupa da motocicleta daquele piloto, levando apenas o único vestido que cobria a sua carne. Mas, para a emoção não há distintivos de valores que possam angariar os destraves da alma. Por isso, o amor campeia nas horas que mais se utiliza da compreensão e sabedoria de viver.
E num voo mágico essa é uma história verdadeira onde o escritor interpreta mil personagens como se fosse um ator, mil papéis, faz cenas e interpretações do seu modo, onde às vezes leva os protagonistas ao desfecho feliz de cada ato numa pincelada pelos meus olhos, onde viaja sem rumo por onde haja paz na alma em cada desenho. Hoje, dia 02 de outubro de 1993, meus olhos derramam um planeta de plantações de lágrimas por uma lacuna que sempre invade o meu ser e se enraíza em raios para me confortar da dor de não ter a minha mãe que completa um ano. E no ano passado, ela se foi levando as minhas emoções sem ao menos dizer adeus aos meus olhos. Mas, sentir todas as suas dores e todos os seus afetos que sempre viajaram em minha direção. E por isso, dedico essas letras a pessoa que mais amo em minha vida estelar, é a sombra que me acompanha em qualquer escuridão e me fazem alegrias e tristezas nestas letras de emoções onde escrevo e choro em cada letra pingada sobre o papel borrado pela tinta da caneta dos meus olhos.
Escrito com letras de lágrimas em 02 de outubro de 1993.
Era uma manhã de setembro de 1993, o calor assoprava com o vento entre os cocais do povoado conhecido como “Capoeirão da Serra do Agripino” no primeiro Distrito da cidade de Caxias no Estado do Maranhão. Ali, naquela localidade isolada e distante do mundo moderno, uma singela mulher dava à luz a uma criança no tempo traçado das treze horas. A nega parteira chamada às presas acudia os impulsos da mulher quebradeira de coco babaçu que chorava e se desesperava em profundos lamentos e dor. Um gemido repercutia entre as folhagens das estátuas verdes que balançavam com as brisas na celebração do nascimento que brilhava naquele instante dentre os cocais.
E a temporada passava célere nos tons de calorias insuportáveis, e algumas vizinhas se prontificavam em ajudar a mulher, conhecida pelo nome de Maria do Capoeirão, que por vezes acamada guardava o resguardo numa velha cama encostada na parede de barro com o teto coberto de palhas de babaçu. E no seu rosto sofrido marcava o tempo a idade de vinte e cinco anos, porém, as amarguras e labutas sertanejas mostravam o lado padecido de uma agricultora com mais de quarenta anos no vestido delgado das idades.
Transcorria a serenidade nos olhos daquela despojada mulher que fora deixada pelo companheiro no último mês de gestação, e as doloridas lembranças cobertas pelas ocasiões, iam se afastando em cada horizonte de um novo dia para uma novíssima batalha que se estendia no dilúculo desafortunado. A senhora olhava com carinho o recém-nascido que chorava durante o meigo silêncio do capoeirão, brincando e se divertindo com as alegrias de ser mãe pela primeira vez em sua idade, abrindo sorrisos e cantando com a ingenuidade dos olhinhos negros do pequeno anjo. Mais uma vez, Maria do Capoeirão entendia que assumir o papel de ser mãe seria o mais louvável dom da criação ofertado por Deus naquele momento tão cruel. E às vezes, lembrava-se que o pai ausente não compartilhara desse encanto formidável que somente o amor é capaz de trazer aos laços familiares a mais rica germinação do amor.
E desse modo, a dedicação da sertaneja e a satisfação nas suas pupilas enfraquecidas eram imensuráveis com os acontecimentos do dia a dia que se desfaziam nas fortes esperanças de poder criar o filho com ternura e bastante saúde na integração da vontade. Com tantas emoções e cuidados, Maria do Capoeirão dizia aos olhos do menino que o seu nome iria se chamar João em homenagem ao falecido avô que morrera no lugar Caatinga dos Pretos pelos pistoleiros do fazendeiro Evaristo quando fazia a coleta de amêndoas de babaçu. E desse modo, com a claridade do sol que respondia com a luz incessante, penetrava entre as velhas cortinas de chitão de florzinha vermelhas e amarelas dividindo a minúscula sala e o quarto. Bem ali, numa posição superlativa no quarto onde dormia apaziguado o miúdo Joãozinho, ali estava o retrato de São Francisco com os olhos na direção do menino, protegendo e lhe dando bênção.
Os meses foram responsáveis pelo crescimento e fortalecimento do menino que morando com a mãe, este foi aprendendo as primeiras lições de vida no campo já contando com mais de oito anos. E durante os labores matutinos, os dois acordavam cedo enquanto Joãozinho brincava com um carrinho feito de lata de sardinha com pneus de sandálias havaianas. Após tomar café, Dona Maria preparava o almoço que consistia numa banda de rapadura e meio quilo de farinha de puba, além de levar nas costas o machado, um saco de náilon e uma cabaça com água. O meninote segurava nas beiradas do vestido da mãe e desciam e subia os morros à procura incansável do coco babaçu. E assim dizia ela:
-Fique bem aí Joãozinho. Não venha, aqui tem muito espinho.
-Tá bom. Mãe tô com sede eu quero água.
-Espere um pouco que vou dá de beber, inda pouco tu não quis beber.
-Mais agora tô com sede de novo, mãe.
-Eita menino que bebe, parece que tu viveu na seca de sete no Ceará.
Os dias passam, e os anos demarcam nas idades de ambos o reconhecimento de novas estações e novas eras. Na entressafra do coco babaçu, o menino já crescido com apenas dez anos de idade já acompanhava a mãe na coleta do coco em todas as manhãs, e a tarde ia para o colégio que ficava distante uns quinhentos metros. Com os cuidados, a mãe acompanhava todos os dias, ensinando as passagens que levam ao bom entendimento da vida, e que se erguem dentro do próprio homem. De tudo fazia para agradar o menino que se desenvolvia com rapidez e inteligência.
Com palavras e opiniões, o acanhado já falava o que desejava ser quando crescesse e alimentava suas aspirações descendo o pé do morro com um saco nas costa de coco babaçu. Todos os cuidados eram preservados com os olhares que não se cansavam de sua mãe. E toda a noite ensinava-lhe a rezar para que o menino não dormisse como um cavalo ou um animal eu não possui entendimento. Era sempre a mesma coisa, a mãe continuamente ia olhar o filho dormindo, ajeitando o seu pequeno corpo na rede e cobrindo com o lençol fino.
Os anos se passaram, e o menino cresceu e se tornou um homem com 19 anos. Este sempre reclamava a mãe que deseja morar na cidade com o intuito de trabalhar, estudar e ajudar na manutenção do lar. Porém, a mãe sempre dizia que não tinha condições de mantê-lo na cidade devido às precárias condições. Em resposta o rapaz afirmava que poderia morar na casa de sua madrinha, e no andar das ocorrências acabou vencendo os argumentos e paixões de sua mãe.
Encontrando-se na cidade, não foi possível conseguir de imediato um emprego por não possuir qualquer experiência e qualificação profissional, vez que a procura se transformava numa gigantesca oferta de empregos de apadrinhados por aquela cidade. Não se curvando as intempéries, todos os meses a Dona Maria do Capoeirão vencia as estradas vicinais de mato adentro a pé para fazer compras na cidade, oportunidade em que deixava uns trocados para o filho. Tendo por diversas vezes reclamado para o filho retornar ao capoeirão, pois, estando perto dela seria melhor com a companhia do filho. Insatisfeito com os aconselhamentos da mãe, este não aceitou a voltar de forma alguma, e na compreensão dos padrinhos por lá permaneceu.
Um dia o rapaz pediu ao padrinho que iria a uma festa dançante com a namorada. Os padrinhos não permitiram por ser o bairro muito perigoso. Porém, advertindo ao mesmo que não falasse mais sobre o assunto e que ficasse em casa. Sem demora, o rapaz saiu por sua própria vontade desafiando as ordens dos padrinhos. E, lá fora a garota já aguardava.
Na festa onde rolava o forrobodó, Joãozinho agarrado com a namorada penetravam no salão com passos marcantes e com bastante requebrado. Um jovem se aproximou e disse:
-Minha gata, você já está em outros braços? Como você é uma gata safada?
Joãozinho ouviu o insulto, e disse:
-Tu tá falando com quem, cara?
-Eu tô falando é com ela seu veado.
Nessa oportunidade, o jovem do capoeirão empurrou o rapaz que caiu.
E este disse zangado:
-Tu vai me pagar, viu safado. Deixe quieto. Tu não sabe com quem tá se metendo.
Ao terminar a festa, o rapaz vai deixar a namorada em casa, e na volta surgem três elementos que desafiam o rapaz. Um armado com faca e os outros dois com um pedaço de pau. Joãozinho tenta proteger a namorada e se dirigem a um terreno baldio, no entanto, é alcançado por um dos comparsas. E travando luta corporal, o rapaz do capoeirão toma a faca, e enfia no peito esquerdo do agressor que tomba de lado gemendo, e tendo morte instantânea. Os outros correm e chamam a polícia. Esta de imediato vem e prende o juvenil do capoeirão aplicando um flagrante pelo homicídio cometido.
Os padrinhos do rapaz logo pela manhã tomam conhecimento de que Joãozinho se encontra preso na delegacia local através da nota de culpa. Em poucas horas a notícia corre como o vento em desabalada carreira até o povoado onde se encontra a mãe do rapaz, que de imediato partiu em direção à delegacia, e lá chora desesperadamente ao rever o filho:
-Meu filho, porque você fez isso? Eu nunca te ensinei esses modos. O que aconteceu contigo para me decepcionar tanto assim. Ó meu Deus o que será de mim agora! Tenha compaixão! Filho, eu não vou deixar você preso. Acredite Joãozinho. Você devia ter fugido desse malfeitor.
O rapaz baixou a cabeça, e nada respondeu, pedindo a mãe que se retirasse da cadeia pois ali não era lugar para ela, e afirmando que não tinha culpa.
A velhinha foi retirada pelos policiais e saiu triste, chorando pelas ruas da cidade. Sabe-se que em seu depoimento prestado na presença do delegado, este contou a versão de legítima defesa. Porém, duas testemunhas acusaram de ter matado a sangue frio para roubar a vítima. Sendo que as duas testemunhas eram os rapazes que se encontravam armados de paus na ofensiva naquela madrugada.
E assim, foi julgado e condenado pelo Tribunal de júri a passar mais de 13 anos na prisão Estadual, cumprindo mais da metade da pena, um dia o jovem saiu da prisão, levando consigo todas as experiências da vida carcerária, indo morar na casa de uma mulher que havia conhecido naquele sistema carcerário nos dias de visita, a qual se rendeu ao amor e paixão, indo morar juntos.
Certo dia de visita, sua mãe procurou no presídio e foi informada que o seu filho já se encontrava em liberdade. Tão satisfeita e sorridente se dirigiu a residência dos compadres, e mais lúgubre ficou ao tomar conhecimento de que o filho não se encontrava naquela casa. A velhinha andou pelas casas dos parentes e amigos a procura do jovem, não obtendo nenhuma informação, os olhos mergulharam mais uma vez em completo desespero da alma. Levada por conhecidos ao lugar de origem, esta não se alimentava, e com tantas preocupações não dormia sem saber o seu destino do único filho.
Com o coração nas mãos e assistida por várias pessoas que não aguentavam em olhar aquela face lançada de tantas ansiedades, saía em busca de ajuda pelas ruas e bares da cidade na única intenção de saber o paradeiro do filho. Vários meses se passaram, mas, a dor e as amarguras não desataram o nó que afligia dentro do seu coração, e assim, nada foi resolvido e a velhinha voltou para o capoeirão, levando o lenço deprimido de magoas.
Um dia estando em sua casinha no capoeirão, uma vizinha, disse:
-Dona Maria, ontem passou no jornal que o seu filho foi preso por assalto a agência do Banco do Brasil, na cidade de Coroatá e levou quatro tiros e que está passando mal no hospital juntamente com a sua companheira.
A velhinha mergulhou em prantos, e disse:
-Não me diga uma disgrota dessas. Tenho certeza que não é ele. O meu garoto não é assim. Ele não é bandido. Ele nunca pegou nada alheio. Pelo amor de Deus! O que está acontecendo neste mundo?
A velhinha pegou um saco de coco de sessenta quilos, e vendeu no primeiro comércio para custear as despesas na viagem. Chegando na cidade de Coroatá, a enfermeira levou a velhinha até o quarto onde se encontrava o homem baleado e noutra cama sua companheira.Naquele momento quando Maria do Capoeirão viu o corpo do filho, desmaiou, e logo foi atendida por um médico. Após a sua recuperação foi levada na presença do filho. E derramando lágrimas, ela disse;
-Ô meu filho, porque você não quis ir morar comigo. O nosso feijão era pouco mais dava pra gente comer e dormir tranquilo. Hoje vejo sua cabeça enfaixada, não vejo os teus olhos e nem escuto a tua voz. O que fez mudar a sua cabeça? Foi essa ingrata de mulher?
O homem sentiu a presença de sua mãe, apenas remexeu com uma mão. E ela concluiu.
-De tudo eu fiz por você, mais a sua teimosia me venceu, me deixou tão fraca e desgovernada que eu não sei mais de nada sobre você. Mais ainda me resta um pedaço de carne neste meu corpo, e vou lutar pra você voltar pra mim e ser um homem de verdade. Ó meu filho, você não sabe que venho de longe pra te ver. Todos os dias da minha vida eu fico rezando pra você voltar. Mais não perco as esperanças.
A mão do rapaz se levanta em direção de sua mãe como se estivesse aceitando as suas oportunidades, e não demora, a enfermeira retira Dona Maria, e esta retorna para o capoeirão. Em instantes, a companheira do rapaz não resistiu aos ferimentos, e os médicos salvam o filho na barriga e com poucas gesticulações a companheira baleada falece. Sem muita importância, o choro do recém-nascido zoa por todo o local, e uma família abastada recebe o anjo com carinho e amor.
Com o passar dos dias e já recuperado, Joãozinho retorna ao presídio Estadual após cumprir os trâmites processuais a que responde. Tendo o juiz do feito dado um defensor público por não ter condições financeiras de arcar com os honorários advocatícios de um advogado profissional. Após o término do processo criminal, Joãozinho fora condenado a 14 anos de prisão cumulados com o restante da outra pena passada. E após, uns meses, a velhinha vai visitar levando sempre uns trocados ao filho, e naquela oportunidade, disse:
-Meu filho, mude o seu coração, se entregue a Deus e deixe essa vida agoniada. Eu não quero que você termine sua vida nesta gaiola. O caminho dos tortuosos é sempre assim, não vai longe, esbarra sempre no mesmo lugar de costume. Você é teimoso e não segue os meus conselhos. Quem é o seu advogado? Me dê o endereço desse advogado.
E o homem disse:
-Mãe, eu errei novamente. E não vou ficar aqui. Tem um pessoal da pesada que querem me matar aqui dentro. E esse defensor que o Juiz me deu não me defendeu, ele não fez nada em minha defesa.
Curiosa, a mãe indaga:
-Quem é meu filho? Me diga para que eu possa falar com o juiz. Ninguém pode lhe ofender já estando preso. Você corre perigo de vida.
-Não adianta mãe. O juiz não vai ouvir a senhora. Ele também me acusou de ter roubado o carro do sobrinho dele. Mais eu não fiz isso. O que eu fiz tá tudo lá escrito. Por favor, vá pra casa e deixe de gastar dinheiro que é tão pouco pra senhora. Não procure o advogado do Estado, ele só quer dinheiro e nós não temos. Se eu for beneficiado no natal, vou passar com a senhora três dias. E a senhora já aposentada?
Naquele instante com a mão no queixo, a velhinha respondeu:
-Tô sim meu filho, eu conseguir. Mais eu tive que dar um ano do meu aposento para a mulher que fez o meu processo. Sei que isso é errado. Mais é assim que a gente se aposenta. Ela recebeu mais de dez mil reais de todo o período acumulado. Mais o importante é que tô aposentada. Não fique triste que vou rezar pra ninguém bulir com você. Quando você for passar o natal comigo, mande me avisar que eu vou matar um porquinho pra você comer assado e um capão.
E na semana natalina, o rapaz foi beneficiado a passar o natal com a família. Certamente ao tomar conhecimento da vinda do filho, a velhinha preparou uma mesa farta para recebê-lo, o melhor capão e um porco que mandou assar em homenagem ao único filho amado. No dia em que o rapaz saiu da prisão, já se encontrava na porta do presídio um suposto amigo que levou para outra cidade.
E o dia contou os passos entre a brisa e os raios do sol, com tanta alegria, a velhinha ficava na janela a espera do filho, a todos os instantes, olhava com os olhos cansados, o estradão poeirento que não realizava a conexão das horas ao encontro. E já avançada a hora, Dona Maria do Capoeirão, observa na mesa o grande almoço que fizera ao filho. Insatisfeita com a demora do filho, ela não almoça na espera incansável, e a tarde chispa com as sombras das faveiras por trás da casinha de palha onde a estrela soar vai e escondendo para se entregar à noite do sertão, e o filho não parece no dia vinte e três de dezembro daquele ano.
Já era o dia 24 de dezembro em plena alegria no cerrado, e Dona Maria do Capoeirão irrequieta, se prepara e vai à residência dos compadres e pede ajuda para que eles telefonassem para o presídio e relata que o filho havia dito que iria passar o natal em casa, e que até aquele momento não tinha notícia do mesmo. Providencia solicitada, o diretor do presídio informava que o mesmo havia saído dia vinte e dois de dezembro para passar o natal com a mãe na localidade de Capoeirão da Serra do Agripino. Ao receber as informações, os compadres pediram para que ela aguardasse o filho em sua casa. Novamente, a velhinha chorou e foi abraçada pelos compadres, e disse o homem:
-Não chore comadre! Quem sabe ele já esteja no Capoeirão? Conforme o diretor me disse que ele já saiu de lá desde o dia vinte e três.
Magoada, a velhinha disse:
-O meu coração diz que pra lá ele não foi e nem vai aparecer.
Confortando o desespero, o compadre disse:
-Calma comadre, não chore. Também as coisas não são como a gente quer. Tudo tem a sua hora exata.
A velhinha se retorceu, e foi embora para o capoeirão. E na véspera da noite natalina à noite, os seus olhos gemiam e tremiam em lágrimas pelo grande amor que sentia pelo filho perdido, e ao mesmo tempo, olhava para o teto da casa e pensava:
-O que eu fiz de errado para ele não gostar mais de mim. Mesmo que ele não goste ou me venha a me odiar, eu não vou deixar de lhe procurar. Ó meu Deus que vida que eu levo! Tenha compaixão de mim, nem que seja pelas últimas gotas do sangue do teu filho derramado em nosso coração. Faça alguma coisa! Eu não saberei mais viver daqui pra frente. Eu vou sempre amar como sempre amei com todos os seus defeitos. Apesar de ser tão pobre, mais a minha pobreza não faz desonestidade. Eu não entendo e não quero compreender que a gente faz os filhos e entrega para o mundo desse jeito.
E daí, a luz da lamparina brilhava no meio da sala na véspera da noite de natal. Aquela mulher vestida nas últimas lágrimas de esperança, apenas, sonhava triste pelos caminhos dos sonhos que nunca se apagam quando o amor é verdadeiro e fiel de uma mãe. Sozinha e sentada num tamborete de couro, angustiava em soluços a sua eterna dor e paixão. Já era tarde, as esperanças marcadas pelos olhos, fazia com que a velhinha olhasse de vez quando a estrada no escuro, na esperança remota do filho aparecer. Cansada de tanto esperar, ela armou a rede e ficou olhando o teto de palha com suas frestas onde a lua mergulhava o seu único brilho em seu olhar que respingava com o silêncio da noite. O jantar ainda esperava o único visitante do seu coração amado, mesmo distante, as suas esperanças cruzavam horizontes imagináveis.
Não custou, e em poucos instantes, uma motocicleta rasgava o solo quente do sertão iluminado pelas sombras vagarosas do luar, e o ronco do motor açoitava as corujas que guardavam o caminho de Jesus Cristo naquela abençoada noite. Dona Maria se levantou da rede em voz altiva, murmurou sozinha:
-Ali vem o meu Joãozinho numa moto! Ó meu Deus! Eu te agradeço pela luz que me ilumina o meu coração. Eu serei sempre fiel e firme em teus passos. E que o menino Jesus possa dá conforto e paz a todos nesta vida.
A motocicleta em alta velocidade diminui a marcha ao se aproximar da residência, e Dona Maria se posicionou na porta para receber o filho distante. O farol da motocicleta iluminou a casinha de palha com o rosto da mulher sorridente, e passou. Sem expectativas, e observando que não se tratava do filho, bateu a porta com agressividade e se deitou na rede com prantos se espalhando pela face.
De repente, a motocicleta retorna com o barulho do motor mais suave e para em frente à casa de Dona Maria do Capoeirão, o estranho indaga:
-Ô de casa? Tem alguém aí?
A mulher fica calada, ouvindo que a voz não é de seu filho. Novamente, o estranho buzina insistentemente. E pergunta:
-Ô de casa? Tem alguém aí. Por favor, respondam!
A mulher receosa inquire:
-O que você quer moço?
-Eu só quero apenas saber onde mora a dona Maria do Capoeirão?
-Não sei não moço. E se eu soubesse não diria. Isso não é hora pra andar perguntando. O senhor não usa relógio, não moço? E quem quer falar com ela?
-Sou eu, Juarez de Caxias.
-E quem é Juarez que eu não conheço?
-Eu sou filho do Dr. Adalberto Fontenelle, lá do bairro Ponte.
-Também não conheço nenhum Adalberto. O senhor tá procurando na casa errada.
O estranho já cansado, pergunta:
-Como é o seu nome senhora?
-E pra que você quer saber?
-Por acaso a senhora sabe onde fica a casa do João do Capoeirão?
-Não, sei não moço. Me diga uma coisa! O que o moço quer com ele essas horas?
-Nada demais. Por acaso a senhora sabe notícias desse homem. Eu soube que hoje ele estaria por estas bandas e por isso ando a sua procura.
-Não. Ele não mora mais aqui há mais de vinte anos.
-Eu lhe agradeço senhora pelas informações e tenha um feliz natal.
A mulher nada respondeu, apenas acompanhou com os olhos no escuro a luminosidade da motocicleta, e o estranho partiu dando forte arrancada na motor no meio das estreitas veredas que levam ao caminho da cidade de Caxias, entrando na próxima curva do pé de guabiraba, o estranho sentiu as petecas dos olhos diminuírem os reflexos com o feixe de luzes do farol, era o sono, e resolve retornar para pedir uma dormida na residência da dona Maria do Capoeirão.
Ao chegar naquele local, a mulher ouve novamente o ronco estridente do motor a rasgar as apertadas estradas, e tem pensamentos diversos ora imagina que havia uma situação de algo errado. E de repente, o estranho bate na portinha de talo de buriti e pede uma dormida, esclarecendo que já era tarde e estava com sono. Bem atendido pela sertaneja, ele pede para guardar na sala a motocicleta. Instantes, a mulher arma uma rede na varanda, e o estranho adormece. De imediato, a senhora pega uma lamparina iluminando o miúdo rosto do menino que se perde em sono, e exclama:
-Meu Deus! Veja é um menino rico. Um cordão de ouro e um relógio todo amarelo, e suas roupas não são desta cidade. É a cara do meu Joãozinho quando tinha quinze anos. Como pode Deus desenhar tão bela imagem nesse menino que eu não sei quem é. Mas, a sua cor é diferente, seus dentes, seus cabelos amarelos da cor de fogo, suas mãos são macias, unhas bem pintadas, uma carteira cheia de dinheiro. Tudo isso é estranho. O meu Joãozinho nunca teve um filho, nunca constituiu uma família, também a sua vida foi só na cadeia pagando por crimes. Não conheço nada sobre esse menino. Tudo é de me encabular.
Ali, Maria do Capoeirão permaneceu reflexiva com tudo o que lhe rodeava com o clarão da lamparina e foi para o seu quarto terminar os sonhos que não se completavam com tantas ponderações nos olhos. E na abertura daquela manhã de natal, o sol raiava entre as palmeiras e todas as belas matas do cerrado. Sem demora, levantou-se cedo e fez o café da manhã com beiju enquanto o jovem ainda passeava pelas longínquas trilhas da imensidão das esperanças em sono.
Sem muita demora, o juvenil ao despertar as pupilas e olhar o pequeno lar coberto de palha de babaçu, se embriaga nas tonalidades que somente a existência é capacitada para demonstrar o meio de um labor atravessado na solidão de uma mulher de fé. E sem pressa, o café estava servido numa simples tigela azul com flores vermelhas e brancas nas laterais com um beiju. Momento em que ela disse:
-Ei garoto, o café já está na mesa, venha! Não repare, aqui eu não tenho nada do que você gosta.
O adolescente se sentou ao lado da mulher, e os olhos da Maria do Capoeirão corriam velozmente nas lembranças que somente uma mãe é capaz de guardar tão finos detalhes. E sem se deixar observar, ela detinha uma visão mais larga sobre o meninote que segurava a tigela com a mão esquerda. E pensava sozinha nos modos de igual ternura que empreendia nos pretéritos quando o filho Joãozinho desfiava sorrisos e brincadeiras segurando com a mão esquerda a mesma posição da xícara. Naquele momento, a senhora indagou:
-Você não está gostando do meu café?
Sem contrapor, o mancebo medita e choraminga esfregando suas mãos contra a doce face ingênua. Insistente, a mulher pergunta:
-Você está sentido alguma dor?. Foi o meu café que lhe fez mal?
O guri responde com a cabeça virada:
-Não senhora. Estou triste por tanto tempo que a senhora nem imagina. Eu não tenho mãe, o que sei é que meu pai verdadeiro viria para essas bandas, e eu não sei mais aonde achar a casa de minha vó. Sabe senhora é meu maior sonho conhecer o meu pai. Já andei por tantos lugares que eu não sei o que fazer. Olhe, até os meus pais adotivos contrataram um detetive na capital para localizar ele. Mais ao mesmo tempo vivo duas histórias que não abrem o meu destino. Por razões diversas, eu soube que ele esteve preso na cidade de Coroatá e que iria passar o natal com sua mãe. De outro lado, os detetives informaram ao meu padrasto que mataram o meu pai na cidade de Bacabal e depois atearam fogo em seu corpo. O certo é que eu nem acreditei em estórias de detetives. Vim procurar por ele conforme informações repassadas pelos agentes do presídio que ele mora no Capoeirão da Serra do Agripino com sua mãe. Já andei por todos os lugares e nada eu encontrei nem mesmo a mãe dele, que é a minha avó. A senhora nem sabe como eu ficaria feliz ao ver a minha avó. Todos os dias eu sonho com o seu rosto e sua vida no campo, mais a vida tem dessas coisas. A senhora reconheceria o meu pai pela foto que lhe mostro?
O rapaz retirou a única foto que trazia na carteira e mostrou para a sertaneja. Completo silencio fizera entupir os pequeninos olhos da mulher que ao segurar o retrato e corresponder com as luzes das pupilas derramou sobre o vestido um oceano vermelho de tantas lágrimas entre soluços. O jovem segurou a mulher e indagou?
Senhora, qual o motivo de tanto choro? Por favor! Não faça isso! Será que lhe ofendi?
A mulher do capoeirão investia na dor que transformava na real tristeza dos impulsos do coração, e dizia:
-Eu sei que mataram meu filho e um anjo me avisou em sonhos, mais eu nunca desistir de esperar mesmo sabendo que ele não nunca viria.
-Então, a senhora é minha avó? Porque a senhora não respondeu as minhas perguntas quando aqui cheguei a primeira vez? Deixe-me lhe abraçar vovó pelo menos nesta hora que tanto sofro e que preciso da senhora.
Ainda chorando, a mulher disse em lágrimas:
-Quando vi o seu rosto no escuro com a luz da lamparina, logo, correu um vento frio por dentro de mim e eu não acreditei. Mas, vi o meu filho no seu rosto quando tinha a mesma idade. Você não imagina como eu fiquei com o meu coração batendo forte. E com as verdades que você leva do seu pai. Realmente, eu sou a sua verdadeira avó, mais nunca soube que ele tivesse um filho tão bonito com a cara dele.
O guri cingiu o corpo leve da senhora, e despejou no seu ombro as gotas de felicidade que cintilavam no espaço perdido e encontrado nas veias do grande sertão, bem ali, no centro das emoções os dois abraçados, distanciavam a melancolia num grande embate tão sublime que somente a biografia não seria capaz de adjetivar o espírito da alma nestas doces canções.
O menino então disse.
-A senhora me deixa passar o natal aqui ao seu lado?
A mulher limpando o rosto com o pano da rodia, responde:
-Sim. A casa é pobre e fique bem à vontade. Aqui tem capão assado e uma banda de porco que eu guardei para o Joãozinho na noite de natal. E vejo que ele não veio e mandou a sua alma em pessoa no seu filho. Venha ver! Puxa! Você é um menino lindo como o seu pai quando pequeno. Tem tudo dele meu filho.
-Vovó querida, eu tenho um presente de natal para lhe entregar. Veja como é bonito. É apenas um cordão de ouro, perfumes e uma grana boa pra senhora gastar aonde imaginar. Também... Eu tenho um presente para o meu pai, é uma miniatura de um automóvel em ouro maciço. E não se preocupe que os meus pais adotivos fazem tudo por mim. Meu pai é dono de uma rede de hospitais na Argentina e no Brasil, e eu estou sempre por aqui com eles no Maranhão.
-Meu netinho querido, agradeço de coração os seus presentes. Veja! Eu não tenho nada pra lhe dá em troca. Mas, fico feliz por tudo o que você me diz. E não paro de olhar pra você que é a face do meu Joãozinho querido. Nossa mãe de Deus! Como o meu neto é bonito!
E nesse momento, inquiriu Juarez:
-Não se preocupe com isso vovó. Encontrar a senhora é o meu maior presente de natal. A senhora quer vir morar comigo? Não quero mais vê-la sozinha no capoeirão, e desejo que a senhora fique mais perto de mim do que antes. Venha morar comigo? Não se preocupe com nada. Lá, nós temos tudo a lhe oferecer.
-Você me aceita do jeito que eu sou? Sou tão pobre que nem roupas tenho para andar nos lugares. Eu não sei o que responder, pois, a minha vida é diferente da sua sem comparação. Realmente, não sei dizer sim e não sei dizer não. Mas, o meu coração fica feliz de qualquer jeito com você. Mesmo com tanta vergonha, eu me acho agora feliz em ser a sua avó. Pois, você é mesmo a cara do meu filho.
-Vovó, me deixe abraçar mais. Quero matar todas as saudades que tive em minha vida na distância que sempre me separou da senhora e do meu pai. É como se eu sentisse o meu pai dentro de mim. Vó, eu te amo e vou sempre lhe amar por toda a minha vida. Prepare-se e venha pra cidade comigo, agora. Eu quero cuidar muito bem da senhora. Vou deixar a senhora mais bela e feliz.
Sorrindo, a mulher indaga:
-Como você vai me fazer bonita e feliz? Sou tão horrível com tantas marcas no meu rosto e a idade já avançou por todos os tempos.
-Vó, a beleza não vem da carne e sim da alma e quando ela se extravasa cobre todo o corpo e faz maravilhas. É assim, toda força do amor é prova de uma pura afeição transformada em mil desejos do coração.
Os dois se abraçaram no meio da casinha de palha em pleno dia 25 de dezembro - dia de natal que se completava com a presença do neto no coração da mulher do capoeirão, apagando por vez, a ampla lagoa de tristezas que se cumpria dentro dos potes de angustias. E, assim, a velhinha se preparou e sentou na garupa da motocicleta daquele piloto, levando apenas o único vestido que cobria a sua carne. Mas, para a emoção não há distintivos de valores que possam angariar os destraves da alma. Por isso, o amor campeia nas horas que mais se utiliza da compreensão e sabedoria de viver.
E num voo mágico essa é uma história verdadeira onde o escritor interpreta mil personagens como se fosse um ator, mil papéis, faz cenas e interpretações do seu modo, onde às vezes leva os protagonistas ao desfecho feliz de cada ato numa pincelada pelos meus olhos, onde viaja sem rumo por onde haja paz na alma em cada desenho. Hoje, dia 02 de outubro de 1993, meus olhos derramam um planeta de plantações de lágrimas por uma lacuna que sempre invade o meu ser e se enraíza em raios para me confortar da dor de não ter a minha mãe que completa um ano. E no ano passado, ela se foi levando as minhas emoções sem ao menos dizer adeus aos meus olhos. Mas, sentir todas as suas dores e todos os seus afetos que sempre viajaram em minha direção. E por isso, dedico essas letras a pessoa que mais amo em minha vida estelar, é a sombra que me acompanha em qualquer escuridão e me fazem alegrias e tristezas nestas letras de emoções onde escrevo e choro em cada letra pingada sobre o papel borrado pela tinta da caneta dos meus olhos.
Escrito com letras de lágrimas em 02 de outubro de 1993.