O ultimo ato de um cético

Ele atravessou a rua e olhou para o relógio: faltavam cinco minutos para a meia noite. O relógio era uma das poucas coisas que ainda possuía e que funcionava bem. Embora fosse um velho relógio de quinze anos. Um presente da mãe. No bolso não havia mais trocados. Tinha gasto os últimos com o cigarro e o última dose que tomou para ter coragem para o que queria fazer. Ali em cima da ponte observou a cidade que parecia quieta agora sem os atropelos das compras. Mas logo começariam os fogos de artifício sem dúvida.

Não acreditava no que tinha feito. Havia brigado com a esposa e ela saíra de casa com os filhos dizendo que não voltava mais. Dessa vez a discussão começou por causa do natal. Ele havia dito um monte de coisas, um monte de heresias. "Não acredito nessa merda de natal nem nessa mentira de Jesus" tinha dito aquilo realmente mas se sentiu arrependido ao ver a cara das crianças, não era o dia ideal para dizer aquilo. Mas no fundo não se arrependia das heresias, não acreditava e pronto.

De repente sentiu que um sujeito de rosto de pedra se aproximava. Ele não queria companhia e achava que iria estar ali sozinho afinal quem vai para um elevado em plena noite de natal? Um malandro de rua poderia ir certamente:

- Me passa a carteira.

- Chegou tarde. Não tenho dinheiro. A única coisa que eu tenho e que presta é esse relógio.

- Então me passa.

Ele não questionou afinal um morto não precisa de relógio. Mas quando começou a tirá-lo começou a se lembrar da mãe que não via há muitos anos e sentiu uma repulsa pela idéia de entregar o relógio àquele sujeito. Então o atirou no escuro do ribeirão.

- Seu sujeitinho de merda... - O ladrão apontou a arma e atirou três vezes, antes de sumir na escuridão.

Ele ficou caído no chão. Mas não ficou só por muito tempo. Um jovem se aproximou e o ficou observando.

- Eu estou morto?

O jovem não respondeu, ele se aproximou e o ajudou a se sentar segurando-o pelos braços. Apalpando o próprio corpo o quase suicida percebeu que não havia sido atingido por nenhum tiro. Antes que dissesse alguma palavra de espanto o jovem lhe estendia o braço e dizia:

- Me parece que isso é seu.

Teve um susto ao perceber que era seu relógio.

- Mas como?

Resolveu ficar de pé mas assim que se levantou percebeu que o jovem já hávia ido embora. Com o relógio nas mãos observou a iluminação na cidade. O natal havia começado.

Para os que acreditam que acreditem mais. Para os que não acreditam que acreditem em sí mesmo, isso já é o bastante. Um feliz natal a todos!