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Dois garotos, um mendigo e o Natal!


Ele não sabia porque estava naquela vida, de lata em lata, porta em porta. Não sabia ou talvez não quisesse se lembrar ou simplesmente mencionar.
Por várias vezes passou em minha casa para levar um prato de comida, sempre só, nem um cachorro o acompanhava.
Em algumas situações dava uns trocados para ele também, para que ele comprasse uma bebida para se aquecer nas noites frias. Não gosto de incentivar ninguém ao vício, mas nunca o vi como um bêbado de rua, somente como um homem sem rumo e sem forças para retomar sua antiga vida, que eu desconhecia como fora antes. Pelo menos era isso que eu achava.
Assim era Simon, um cara educado e que eu nunca ouvira dizer que se metera em confusão.
Gostava tanto dele que certa vez tentei ajuda-lo, encaminhando-o para uma colega minha que era assistente social. Não deu certo! Ele queria continuar naquela vida e não apareceu mais para dar prosseguimento ao programa social de minha colega, que visava recolocar moradores de rua de volta a chamada vida comum.
Quando lhe questionei o porque desta atitude ele me disse de maneira simples que tudo estava bom do jeito que era e me agradeceu muito pelo apoio.
Certo dia, no fim de janeiro, ele me surpreendeu.
-- Você é um bom amigo! Vou desaparecer por um tempo, mas creio que um dia eu volto para lhe visitar!
Deu-me um abraço rápido e se foi.
Achei que era conversa fiada, só que de fato ele sumiu mesmo.
Torci para que estivesse bem e continuei ajudando outras pessoas, mas não consegui tirar Simon facilmente da minha cabeça. Até dei uma investigada através de uns amigos meus da área de segurança pública, o que não resultou em nada. Foi como ele dissera, como num passe de mágica desaparecera.
Só que até nos grandes truques o mágico geralmente faz um reaparecimento triunfante no final do ato e neste caso foi o que aconteceu também no caso do meu amigo Simon.
Cerca de 2 anos depois, era um domingo, parou defronte minha casa um veículo desconhecido, de onde desceram um casal e um garoto de aproximadamente uns 10 anos de idade.
Estava na varanda e a princípio não reconheci Simon, todo emperiquitado dentro de um terno. Ele foi entrando e me deu um abraço apertado.
-- Eu não disse que um dia voltava!
Sentamos todos e ele apresentou o garoto como seu filho e a mulher como sua esposa. Disse-lhe que não estava entendendo nada e perguntei se ele podia me esclarecer as coisas. Estava literalmente de queixo caído.
Simon sorriu e perguntou-me se eu tinha um tempo disponível, pois a história não era tão curta assim.
Não respondi a princípio! Busquei uma garrafa de café e umas guloseimas e lhe disse que tinha todo o tempo do mundo.
Ele então iniciou sua narrativa.
Disse que dias antes de sumir havia sido procurado por um garoto rico que estava fazendo um trabalho de escola sobre a desigualdade social e que este achara que a melhor maneira seria entrevistar um morador de rua. Simon aceitou ser entrevistado.
Durante a conversa sobre o modo de vida de Simon o garoto perguntou sobre o Natal.
-- E como é no Natal? Você vai na casa de algum parente?
-- Não! Nunca fiz isso que eu me lembre!
-- É uma pena! O Natal numa família é um momento realmente marcante!
O garoto agradeceu e foi-se embora.
Alguns dias depois contou ele que em suas andanças acabou encontrando outro garoto, agora um menino de rua, ele pensou a princípio.
Ferraram a conversar e Simon descobriu que este garoto vivia num abrigo para menores que aguardavam adoção, mas que na idade dele era mais difícil. Disse também que gostava de dar umas fugas para experimentar a liberdade que existia fora do internato, uma vez que se sentia numa prisão.
Simon o encorajou a dar mais detalhes de onde o garoto morava e ele o fez. Mas alguns detalhes foram os que mais chamaram a atenção de Simon.
-- Apesar de me darem carinho e atenção, e também de tentarem me mandar para adoção algumas vezes, são nas festas de fim de ano, principalmente o Natal, que eu fico mais triste.
-- Ora, por que?
-- Nessas horas eu gostaria de ter uma família para participar de um Natal de verdade. Os presentes que recebo são bons e vem de pessoas boas e generosas, mas parece que falta uma certa emoção junto com estes presentes e sinto que este sentimento não existe porque não fazemos parte de uma mesma família. O senhor deve saber do que estou falando, com certeza já teve momentos assim...
-- Não, eu não tive!
Depois que este garoto se foi, Simon me contou que começou a refletir sobre um assunto: dois garotos de mundos totalmente diferentes, por coincidência ou não, haviam tocado no mesmo tema de um Natal em família.
-- Foi refletindo sobre isso que eu sumi! – Disse ele enquanto tomávamos mais uma xícara de café.
Simon continuou dizendo que se uma coisa era tão importante, independente da classe social, para ele poderia ser também e resolveu arriscar.
Voltou a procurar minha colega da assistência social e lhe pediu ajuda, mas que esta fosse em segredo, pois queria me surpreender, o que deu certo!
Acabou arranjando um bom emprego, moradia fixa, voltou a estudar, estava tudo dando certo, só faltava começar uma família, mas não era tão simples assim.
Nunca havia se relacionado com nenhuma mulher que lembrasse e nem sabia como começar. Em sua simplicidade pediu dicas para os colegas de serviço e estes lhe indicaram um bailinho que acontecia aos sábados. Começou a freqüentá-lo e lá conheceu sua futura esposa, pois vieram a se casar 4 meses depois.
Passou então seu primeiro Natal acompanhado, na casa da família dela, gente humilde e de grande coração, assim como ela mesma. Gostou muito da experiência, mas achou que estava faltando algo: um filho!
Infelizmente sua esposa não podia ser mãe e então pensaram em adoção. Simon e sua esposa começaram a fazer visitas num orfanato e com o apoio de minha colega agilizaram toda a documentação necessária e por volta de novembro do ano que passou já podiam adotar um filho.
E Simon já tinha alguém em mente!
Pediu para a esposa que o deixasse fazer isso sozinho no início e ela confiou nele.
Procurou então no orfanato por um garoto que já havia visto antes, um garoto que o ajudara a pensar em mudar de vida.
O encontrou sentado numa mesa de madeira, dentro de um tipo de pomar que existia nas propriedades da instituição.
-- Olá! Lembra de mim?
O garoto nem pensou.
-- Não!
-- Pois é! No ano passado conversamos um pouco, eu morava nas ruas, agora não moro mais.
-- Que bom para o senhor!
-- É! Mas foi depois da nossa conversa que resolvi experimentar uma vida diferente. Então vim lhe agradecer.
-- Não tem por que! Que bom que lhe ajudei.
-- Posso ao menos lhe dar um presente de agradecimento?
-- Claro que pode! – Disse o garoto e se levantou.
-- Então espere um pouco que eu vou buscar.
Simon saiu e voltou com a esposa e com a diretora do local.
-- Este é o meu presente garoto! Uma família!
Simon contou que ele não respondeu. Somente lhe deu um abraço apertado e ficou ali chorando por um bom tempo. Foram embora todos juntos naquele mesmo dia.
O Natal chegou e esse sim foi inesquecível para os três, principalmente para Simon e agora o seu filho.
Simon terminou dizendo que seu filho tinha razão, era realmente um momento mágico. A ceia, a troca de presentes, tudo, mas o mais importante era aquela sensação de segurança e de amor que só dentro de uma família se pode encontrar.
-- Sabe – completou ele – é aquela sensação de pertencer de fato a alguém que lhe quer como presente todos os dias!
Naquele dia me emocionei muito com a história de Simon.
Peguei o endereço deles antes que se fossem e trocamos visitas, todas muito agradáveis.
Descobri no final de tudo que eu estava realmente enganado a cerca de Simon. Ele não era um homem sem forças para retomar sua antiga vida ou um cara sem rumo. Ele só não tinha tido ainda um bom motivo para mudar!
Vou lhes contar um segredo: o garoto rico que o procurou é filho de um amigo meu, fui eu quem indicou Simon para ser entrevistado, achando que lhe faria bem. Creio que Alguém lá em cima, com muitos mais recursos do que eu, resolveu dar uma forcinha também.
Sabe de uma coisa, vou contar esse segredo para meu amigo Simon assim que o ver daqui a uma semana, no dia de Natal!

                       
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Com este conto, cujos detalhes para sua inspiração foram colhidos na minha melhor fonte, dentro da minha família, desejo para todos um feliz Natal cheio de amor e alegria e que vocês também possam ser todos os dias do ano presentes indispensáveis para a felicidade de seus lares.

Abraços!
JGCosta
Enviado por JGCosta em 17/12/2009
Código do texto: T1982347