Anjos Presentes
Um conto de Natal... Ou pedaços de histórias. Surgido de uma tentativa de escrever um conto minimalista, mas como nota-se, escrever pouco não é meu forte... :p~~
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Os olhinhos azuis brilhavam, impacientes. Trazida pela mão por sua babá, a menininha esperava na fila do Papai Noel. Sua vontade era de correr, fazer o pedido que tanto queria, e seus 5 aninhos quase não impunham limites a esse impulso imediatista: apenas a conversa de que o Papai Noel não gosta de crianças desobedientes a fez ficar boazinha.
A espera parecia interminável. Todo mundo queria falar com o Papai Noel. E como falavam bastante! Depois, cada criança que saía ia embora feliz, contente com um carrinho ou uma boneca.
A menininha torcia o nariz pra esses brinquedos. Sabia que seu presente de Natal seria muito maior, o melhor presente do mundo!, e ela seria a criança mais feliz do mundo!
Claro, porque o mundo da infância é o mundo dos superlativos, tudo é sempre o melhor e o maior. Ainda que ela não soubesse que existia uma palavra pra sua sede de grandiosidade.
Além da ansiedade e inquietação, tinha ciúmes a cada criança que ia falar com o Papai Noel. Também queria a atenção do homem barbudo, não era justo que logo ela tivesse que esperar! Ela, que acima de todas as crianças merecia a sua atenção!
Passo por passo, finalmente era sua vez! Seu coraçãozinho pulou de felicidade, embora ela permanecesse tímida.
Mas alguma coisa estava estranha. Olhando de perto, aquele rosto era mais magro do quanto se lembrava... O nariz estava mais achatado... A boca estava maior... E os olhos...
Os olhos estavam verde-cansados.
De súbito, toda a animação da menina se tornou decepção, e ela começou a chorar desesperadamente.
"Não é esse! Cadê o papai?"
A babá, constrangida, tentou pegar a menina no colo, que se agarrou ao pescoço do Papai Noel, entre lágrimas. Entrecortado pelos soluços, pôde-se ouvi-la falar a alguém que não estava lá:
"Papai... Quando você volta?"
A muito custo, e com a ajuda do Papai Noel, a babá conseguiu acalmá-la. Pediu desculpas pelo ocorrido e encaminhou a menina de volta à casa.
Mas antes de ir embora, a menina fixou seus olhos azuis nos olhos verde-cansados. No vislumbre amigável sentiu uma tranqüilidade e confiança invadi-la, e não mais chorou. Ao chegar em casa, era quase como se nada de ruim tivesse acontecido, e ocupou-se das brincadeiras.
Depois do expediente, o Papai Noel, que agora voltara a se chamar apenas João, ainda pensava na menininha, muito impressionado com a força daqueles olhos azuis ao se despedirem. Olhos de um anjo ferido; janelas de uma alma humana e carente, olhar de uma fé infantil e inabalável.
De repente freiou seus passos. "Fé?" Surpreso, percebeu que há tempos se esquecera dessa palavra. Quando criança, era cheio dela; a vida impôs provações as quais não foi capaz de superar. Aconteceria a mesma coisa àquela criança?
Talvez sim. Talvez não.
Suspirou.
E ele, que não sabia rezar, nem acreditava em milagres, nem gostava do Natal, ergueu os olhos pro céu. Viu apenas nuvens. Sobre qual delas estaria Deus?
Lembrou-se então das palavras de sua saudosa mãe: "Quando quiser ver Deus, meu filho, você tem que fechar os olhos. Ele está em tudo, em todo lugar; se você diz que não consegue vê-lo, é porque os seus olhos te tornaram cego. Aí você tem que se tornar cego pra esses olhos, para conseguir voltar a ver Deus."
"Espero que teus olhos azuis não te ceguem", disse à menina que não estava ali. "Se Deus existe, está cuidando de você, e tenho certeza que ele te ouve. Tenho certeza que você vai reencontrar seu pai. Pois não há oração mais pura e irresistível que o riso e as lágrimas de uma criança."
Sentindo seu coração leve, voltou a caminhar, apressado. Queria chegar logo em casa pra abraçar seus anjinhos. Sim, pois se anjos existem, na Terra se disfarçam de crianças. Por isso que perto delas nos sentimos mais pertos de Deus.
Era uma nova manhã. A mãe arrumava a casa enquanto a menina brincava na sala, desenhando e cantarolando.
Ouvindo um barulho furtivo de chaves, não titubeou e correu até a porta:
"Papai!"
"Filha..."
A menina o abraçou num abraço bem apertado e deu-lhe um beijão na bochecha. O homem, atordoado e com ombros arqueados por carregar sua cruz, chorou por suas culpas.
"Me perdoe, minha filha..."
"Pelo quê, papai?"
Como explicar-se? Não tinha como. E não tinha necessidade. O coração simples de criança não exigia explicação, apenas queria seu pai. E isso já tinha; e esse coração era ingênuo para impor barreiras ao seu amor ou condições ao seu perdão.
"Olha papai, fiz pra você!"
O homem aceitou o desenho oferecido, recém-feito. Era o retrato da cena dele, em forma de "homem-palitinho" com a legenda "pai" embaixo, voltando pra casa. Com os dizeres "Queridas, voltei!" em um balãozinho. Confuso, perguntou:
"Como você sabia que eu estava vindo?"
"Um anjo me disse".
"Anjo? Um anjo veio te visitar?"
"Não, eu fui visitar o anjo."
"E ele te disse que eu ia voltar?"
"Sim. Mas disse direto no meu coração, quando olhei pra ele. Disse pra eu não ficar triste, que você ia voltar. Sabia que os anjos gostam de fingir que são Papai Noéis?"
"Papai Noel?"
"É sim. É porque a gente não consegue ver normalmente, mas quando eles se disfarçam de Papai Noel a gente pode ir lá brincar com eles..."
Para o pai, seu anjo estava diante de si, fitando-o com olhos risonhos, aqueles olhos azuis iguais aos seus próprios.
A jovem mãe logo apareceria, atraída pelo barulho de conversa. Essa sim, exigiria explicações, e ele devia muitas: quase um ano de coisas a serem explicadas.
"Eu te disse que era uma fria", ela repetia. Entretanto, após uma longa conversa, a mulher também perdoou o marido pródigo. Talvez mais pela filha, pois não teria coragem de deixá-la sem seu pai carinhoso.
O pai, vendo seus dois anjos, presentes de Deus em sua vida, prometeu não mais feri-las. Voltou a ser o bom homem que era, e mais forte, por conhecer suas fraquezas e respeitar os limites, sem arriscar sua família.
E a menina, ingênua de tudo o que se passou... Ao dormir agradeceu ao Papai do Céu pelo seu papai-presente.