O PRESENTE DE NATAL

Chamou o parceiro com um assovio e o gesto de sempre, que foram prontamente atendidos com um ligeiro galope em sua direção acompanhado de relinchos curtos, significativos.

Afagou-o esfregando-lhe a cara com mãos espalmadas, enquanto sussurrava palavras carinhosas de boas vindas, como se não o visse há muito tempo.

Deu-lhe o trato reforçado com ração da melhor qualidade, escovou-lhe o pêlo, penteou-lhe a crina, selou-o preparando-se para uma longa jornada; era mes de dezembro, o tempo corria, precisava empreender logo aquela viagem para conseguir as prendas que sonhava ofertar à mulher dos seus sonhos, linda morena, razão de todos os seus projetos futuros.

Viola às costas, chapéu de couro curtido de outras jornadas, botinas, perneiras, o fiel canivete e estava pronto para, talvez, a mais importante e solitária cavalgada de sua vida.

Nas estradas, montado em seu marchador, pensava nos presentes que deviam procurar, talvez encontrassem ouro, prata ou pedras preciosas, algo valioso que tivesse a condição de refletir o enorme carinho e a seriedade de suas intenções de forma inequívoca, porque para a musa amada não poderia ser diferente.

Encontraram homens do campo, que nada sabiam de políticas, partidos ou crises mundiais, só se preocupavam com o sol, e a chuva, na terra onde trabalhavam debruçados em suas enxadas e foices, semeando e vigiando aquelas sementes nos processos milagrosos da brotação.

Uma enorme riqueza que não se podia carregar, melhor então assistir e guardar na memória, no coração, quem sabe um dia as pessoas, os governos, tomassem conhecimento daqueles agricultores, lhes agradecendo e recompensando pela coragem, naquela labuta heróica e essencial para a sobrevivência de todos nós.

Puderam se emocionar passando por encostas, vales verdejantes, lagoas, rios, cachoeiras, verdadeiros tesouros que infelizmente não podiam capturar e aprisionar no alforge para serem transportados numa viagem; melhor fotografar tudo na mente como se fosse aquela a única e derradeira oportunidade para tal.

Do alto de uma serra majestosa que se projetava imponente em direção ao espaço, observaram extasiados o céu incrivelmente azul que se estendia até o infinito e lá se transformava em negro, como se fosse noite, trazendo a certeza de que na natureza, as coisas sempre faziam sentido, tinham razão de ser.

Nos momentos de descanso, quando se preparava para sonos reparadores e enquanto o marchador pastava tranquilamente à beira das trilhas, ele se deitava olhando o firmamento pontilhado de luzes estreladas, comandadas, como se fossem milhares de vagalumes, pela lua; magistral maestrina, brilhando fantástica em sua onipotente grandiosidade.

Mas o tempo voava implacável e eles não encontravam os presentes almejados, não havia mais ouro nas terras; nem prata; nem pedras; nem jóias; tudo se acabara, era como se nunca tivessem existido.

Por outro lado haviam visto e sentido tantos milagres valiosos que à um Poeta e Violeiro, restava conservá-los na alma e um dia cantá-los na sua arte.

Foi quando naquela noite, Viola grudada no peito, pensativo, esperando que viessem a música, a inspiração, ponteando as cordas, que de repente concluiu que possuia algo que representava todos os tesouros garimpados tão intensamente e impossíveis de serem conquistados.

Decidiu-se que levaria para a amada todas as riquezas vistas e conhecidas durante a jornada; naquele Natal ofertar-lhe-ia: “ Jesus, Maria, José e São Gonçalo, e mais, Ouro, Mirra e Incenso... todos reunidos nas sagradas “Sete Fitas” de sua Viola.

Um breve silêncio marcou o momento; sapos, grilos e até o marchador atento, pareciam observar que boas novas chegavam, talvez o Natal, e junto dele, uma nova Modinha, que ecoou pela noite, numa linda melodia, plena e resolvida!

Saudações , um grande abraço à todos, e até a próxima.