O Natal do taxista

Bandeira 3

Juvenal aproveitou o mês de Dezembro, quando estava autorizado a trafegar sob “ bandeira 2” e fez um ajuste no relógio do taxi, de forma que o mesmo indicasse de 10 a 15 % acima do valor real. Contava com a indolência da fiscalização nesta época e na pior das hipóteses, acreditava que com R$ 50,00 acalmaria algum fiscal mais afoito e mal remunerado.

Na 3ª semana daquele mês, numa manhã nublada de um sábado, viu a velhinha dentro de um elegante vestido amarelo com um chapéu de plumas, lhe fazendo sinal na porta do shopping em Copacabana. Parou bem perto da calçada e abriu seu sorriso gentil.

- Para onde iremos, madame?

- Angra dos Reis, respondeu a senhora enquanto depositava suas duas sacolas ao longo do banco traseiro. Como o tempo estava abafado, ela pediu que ele ligasse o ar condicionado, no que foi prontamente atendida.

- Terei de cobrar em dobro, pois é quase certo que voltarei vazio.

- Sem dúvida alguma. Se o senhor for bem cuidadoso, ainda lhe dou mais R$ 50,00, pois não posso sofrer emoções fortes. Meu coração já não possui tanta resistência.

Juvenal saboreava antecipadamente o faturamento que teria naquela corrida e lhe proporcionaria um Natal abastado.

Depois que ela se instalou com seus apetrechos, iniciaram uma conversa para distrair a viagem. Ela contou que em Dezembro dava férias ao seu motorista particular, que viajava para ver a família na Bahia. Juvenal abasteceu o carro num posto da estrada e pagou o lanche de ambos, pois ela puxou uma nota de R$ 100,00 e o balconista alegou não ter troco.

- Quando chegarmos ao destino a senhora me paga junto com o valor da corrida.

Após 3 horas de viagem, ela contou que estava indo para a casa de um dos filhos, levando os presentes de Natal. À medida que falava, puxava os embrulhos de suas bolsas, com o emblema de importante loja de departamento. Depois os recolocava de volta nas sacolas.

- Este aqui é um rolex para meu neto mais velho, que vai casar daqui a 4 meses. Este aqui é uma gargantilha para minha adorada nora, com duas esmeraldas. Este é uma pulseira para a neta do meio, que fará 19 anos em janeiro. Este aqui é uma carteira para meu neto menor, de 14 anos. Coloquei R$ 500,00 dentro dela em notas de R$ 5,00 para ele passar a noite toda contando o dinheiro. E este último, para meu filho, é uma calculadora digital, que pode ser acoplada ao micro para se conectar a essa tal de Internet. Eu não entendo dessas coisas, mas o vendedor disse que é de última geração. Então mandei embrulhar sem mesmo perguntar quanto era. A fatura do cartão de crédito só vai chegar ao final de Janeiro. Nem te ligo.

Quando já estavam no centro de Angra, ela disse que a casa do filho ficava a 10 minutos de distância. Mas estava apertada para ir ao banheiro, já suando frio. Pediu que ele encostasse por ali mesmo, que ela iria ao primeiro sanitário que encontrasse.

Assim que ela desapareceu na porta da estação das barcas, Juvenal ligou o carro e saiu mansamente, conduzindo as duas sacolas que a idiota deixara no banco traseiro. Para fazer o contorno de volta, teria de percorrer mais 2 quilômetros à frente. Acelerou enquanto resmungava com seu zíper (já que sua blusa era desprovida de botões):

- Esta velhota tem muita grana e fica esnobando em cima de mim. Ela que compre tudo de novo, para deixar de ser besta! Esta mercadoria aqui, vou revender pela metade do preço no bairro onde faço ponto. Isto paga cinco corridas desta que eu fiz agora. Meu Natal vai ser regado a champagne francesa!

Quando estava sobre a ponte, observou a embarcação que rumava em sentido contrário. Devia ter no mínimo, umas 80 pessoas dentro da mesma. Na proa, em pé, uma pessoa vestida de amarelo acenava um chapéu de plumas. E olhava em sua direção. Juvenal parou bruscamente e foi abalroado por um caminhão, cujo motorista atento evitou uma tragédia maior. Somente uma lanterna do taxi e uma lâmpada se espatifaram, além do amassado no para-choque. Após 5 minutos, o caminhão se foi e Juvenal encostou num refúgio seguro logo após a ponte. Pegou uma das bolsas e puxou o embrulho maior, que ela disse ser a tal calculadora. Rasgou o papel cheio de figuras de sinos e pinheiros. Abriu a tampa da caixa que possuía uma figura de calculadora e vários pedaços de cascalho de dimensão similar a de uma bola de ping-pong caíram sobre seu colo junto com um bilhete onde estava escrito: - calcule seu prejuízo, otário! Obrigado pelo lanche na estrada. Feliz Natal.

O relógio adulterado do taxi marcava R$ 520,00! Juvenal imaginou sua ceia de Natal sem chester, castanhas, rabanadas e bacalhau. E ainda tendo de consertar os estragos do carro.

Haroldo P. Barboza - Andaraí / RJ

Autor do livro: Brinque e cresça feliz

Haroldo
Enviado por Haroldo em 23/12/2008
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