O HOMEM DO VIADUTO DO CHÁ

De repente, ele me inundou o pensamento, porque dele e da sua história, na verdade eu nunca os esqueci.

Deveras, jamais esquecemos daquilo que nos toca profunda e verdadeiramente. Apenas seguimos atemporalmente...presentes.

Nessa época de natal, ficamos mais sensíveis, e as lembranças , mesmo as mais longínquas, nos escrevem na memória os contos da vida.

Eu tinha mais ou menos uns seis anos de idade, e sempre que passava por lá, eu me impressionava com a cena daquela calçada.

Ao passar por ele,em direção às vitrines de Natal próximas ao teatro municipal de São Paulo, eu empacava-lhe o meu olhar, e ainda posso ver meu pai me puxando pela mão a exclamar "vamos filha!".

No meio fio do viaduto do chá, ele sentava de pernas expostas, aonde se via algumas feridas profundas e infectadas, que doiam na minh'alma. De tez negra, trazia umas máculas esbranquiçadas na sua face de dor. Não me lembro de tê-lo visto sorrir.

Às vezes ,desgarrava-me rapidamente do meu pai, me aproximava meio assustada e depositava-lhe umas moedas no seu velho chapéu e logo depois saia correndo olhando para trás.

Muitas vezes adormeci sonhando coma sua imagem, ofuscada entre as luzinhas coloridas das vitrines de Natal do Mappin magazine.

Algumas noites, acordava minha mãe e lhe dizia..."mamãe, sonhei com o homem do viaduto, estou com medo...".

Certa vez passei por lá, e já não o vi mais. E tantas outras vezes igualmente lhe procurei, sem nunca mais tê-lo encontrado.

Há cenas que imperceptivelmente se despedem dos nossos olhos, sem deixarem rastro...físico.

Há pouco tempo, num sonho, um Anjo de Natal anunciou-me que suas feridas estavam curadas.

Foi quando entendi que já não lhe era mais possível continuar por aqui.

Conto verídico.