A CEIA DE NATAL ( Uma história real)
Josélia estava cheia de contas para pagar. Seu salário era pequeno, embora trabalhasse dez horas por dia e estudasse à noite. Não tinha folga. O trabalho era intenso. As aulas da faculdade terminaram do dia 20 de dezembro; mas, nas escolas onde lecionava os trabalhos só foram concluídos no dia 22. No outro dia aproveitou para organizar a casa, armar a velha árvore de Natal e pensar o que faria à hora da ceia. Constatou que não tinha muito a oferecer aos filhos pequenos e ao marido inválido. Pegou o talão de cheque para ver seu saldo no banco. Não sobrava muito depois de pagar as contas de água, luz, da farmácia e a prestação da casa financiada em 25 anos.
O marido acostumado a fazer, na véspera de Natal, uma festa para os filhos, percebendo a preocupação da esposa, não conseguiu controlar as lágrimas e escondeu o rosto nas mãos. Ao ver aquela cena Josélia o abraçou e tranqüilizou fingindo que tudo estava bem.
- Por que você está chorando?
- Você pensa que não vejo a sua preocupação? Antes, a essas alturas estava tudo resolvido. Os presentes das crianças comprados e, você só precisava cuidar da orientação das empregadas. Embora eu trabalhasse até mais tarde, na véspera de Natal, sabia que ao chegar a casa estava tudo pronto à minha espera.
- Meu querido! Não estou reclamando de nada. Amanhã na hora da ceia vai estar tudo pronto como sempre esteve e as crianças não perceberão nenhuma diferença. Acalme-se e durma!
Após o marido adormecer, Josélia apanhou sua bolsa de mercadorias e listou quatro amigas que lhe compravam roupas. Faria uma visita logo de manhã. Deitou-se, mas quase não dormiu.
Logo após o café da manhã, saiu com suas mercadorias. Ao chegar à casa da amiga, diretora da primeira escola onde trabalhara, encontrou-a cuidando do jardim. Foi recebida com alegria.
- Minha amiga! Que bom você ter vindo! Nesta nossa vida corrida, de escola e faculdade, não tive tempo de comprar roupa para ninguém. Estava esperando meu marido acordar para irmos ao centro fazer compras. Vamos ver se tem alguma coisa que me agrade.
- Tem muita coisa bonita. Fui a São Paulo no final de novembro e trouxe muitas novidades.
Josélia abriu a bolsa e foi mostrando as roupas e colocando sobre a mesa de jantar. A amiga escolheu roupa para toda a família. Só ficou faltando o marido.
- Iremos para a casa de minha sogra, logo mais à noite, ainda teremos tempo de passar na Casa Coelho e comprar a roupa dele.
Josélia recebeu o pagamento em cheque e despediu-se, desejando um feliz Natal para todos. Dirigiu-se ao Banco do Brasil para sacar o dinheiro e dali foi direto ao Hipermercado Vitória, onde fez as compras, inclusive os pedidos das crianças ao Papai Noel. Chegou à casa quase à hora do almoço. O marido estava nervoso.
- Onde já se viu sair na véspera de Natal e ficar na rua até uma hora dessas!
- Não se preocupe! Faço o almoço rapidinho. Teremos uma surpresa na hora da ceia.
- Não gosto de surpresas, você sempre soube disso!
- Está bem! Então vou logo lhe contar. Levei as mercadorias para mostrar a minha ex-diretora e ela comprou roupa para a família inteira e presentes para os amigos. Passei no Hipermercado e comprei tudo de que precisamos para a ceia e os presentes das crianças. Agora vou tratar de organizar tudo. Vou logo colocar o bacalhau de molho para fazer os bolinhos e o seu bacalhau à portuguesa. As crianças preferem franco assado.
- Você comprou castanhas? Vai fazer rabanadas?
- Claro meu querido! Nosso Natal será como sempre foi. As crianças vão colocar os sapatinhos na janela e o Papai Noel vai atendê-las. Você pode me ajudar a organizar as coisas sobre o Buffet? Temos ai: nozes, passas, tâmaras, ameixas, figos, avelãs, amêndoas e castanhas. Vou fazer rabanadas, formigo, aletria e pudim de leite.
- Eu estava tão preocupado com as crianças! Elas são ainda tão pequenas!
- Deus vai me dar coragem e saúde para trabalhar e superar as nossas dificuldades. Nunca deixarei faltar nada a elas. Terão a mesma dignidade que teriam se você estivesse bom. Agora, prometa não ficar preocupado para que elas não percebam.
- Mas, eu não consigo deixar de me preocupar. Vendo você se matando de trabalhar e eu aqui sem poder fazer nada.
- Você já me deu vida boa durante um bom tempo. Chegou a minha vez de retribuir. E não se fala mais nisso!
Josélia assumira toda a responsabilidade da família após o AVC sofrido no início daquele ano pelo marido. Comerciante há pouco tempo na localidade, não tinha estrutura para suportar o baque. Ela passou o resto do dia preparando os quitutes. Ele e as crianças colocaram mais bolas coloridas na árvore e os sapatos na janela.
As crianças estavam ansiosas, não sabiam ainda se ganhariam os presentes que pediram ao Papai Noel.
Às 23h e 40m tocou a campainha. Josélia pediu ao marido que atendesse. As crianças o acompanharam. Foi uma gritaria.
- Mâaaaaaaaaaaêeeee...O Papai Noeeeeeeel!!!
-Cadê a minha boneca?
- Cadê a minha bola?
As crianças agitaram-se e o pai afastou-se para lhes dar passagem. Papai Noel entregou um pacote à menina, outro ao menino e uma Cesta de Natal ao pai. Distribuiu abraços desejando um feliz Natal e saiu dizendo que ainda tinha muitos presentes a distribuir.
As crianças rasgaram o papel de presente com impaciência:
- Oba, ele trouxe a minha Beijoca. Mãe! Ele troooooooooxe! A menina pulava com a boneca nos braços e atirou-se ao colo do pai e deu-lhe um beijo. Ele a apertou num abraço e as lágrimas lhe correram pela face.
-Mamãe, mamãe, ele trouxe a minha bola de couro! Não é lindona, pai!...
Os dois sentaram-se ao colo do pai admirando seus brinquedos.
- E o pai não vai abrir o seu presente? Inquiriu o menino.
Josélia, emocionada, estendeu-lhe a cesta enrolada em papel celofane vermelho e verde, as cores da sua nacionalidade.
O marido surpreso com tanta euforia abriu a cesta e viu que ali estavam o seu vinho preferido e ao lado, as castanhas portuguesas assadas do jeito que gostava.
Mais uma vez foi invadido pela emoção e não conseguiu conter as lágrimas.
- Por que tu tá chorando, pai? Perguntou a menina.
-De alegria, filha, de alegria!
As crianças se afastaram e voltaram com o presente da mãe. Uma bolsa feita pelo menino nas aulas de artes do Colégio São José, e um caderno de receitas feito pela menina.
Após a ceia, as crianças dormiram abraçadas aos brinquedos. O marido abraçou Josélia e agradeceu por tudo que fizera pelas crianças.
- Como você conseguiu tudo isso, minha querida? Nosso Natal nunca foi tão feliz! Você viu a alegria das crianças?
- A associação de moradores do nosso conjunto organizou a entrega. Várias pessoas vestiram-se de Papai Noel.
Praia do Anil, Magé – RJ
Dezembro de 2005
Benedita Azevedo