Depois daquele beijo

- Como se sente?

Sentada no laboratório B612, diante da médica que usava jaleco branco sobre um vestido escuro, Jant sabia que aquela não era uma pergunta puramente retórica. O difícil era precisar exatamente como estava se sentindo; um turbilhão de emoções dominava sua mente.

- Eu... estou bem. Fora os enjoos matinais - desconversou.

Ydwer Lautenbach, a obstetra de meia-idade e cabelos grisalhos que viera da capital para vê-la, balançou a cabeça em concordância, como se não esperasse uma resposta diferente. Fez um gesto para os relatórios impressos que tinha sobre a escrivaninha de metal do laboratório:

- Seus exames estão todos muito bons. Mas eu vou receitar algo para os enjoos, de qualquer forma.

- Já é possível saber o sexo da criança, doutora? - Indagou Jant, traindo pela primeira vez sua curiosidade.

A médica entrelaçou as mãos sobre a mesa, antes de responder.

- Bem... ainda é um pouco cedo para ter essa resposta. Mas em uma ou duas semanas você poderá saber com razoável certeza, através de um exame de sangue. Todavia, algo me diz que não é uma criança qualquer que você leva aí.

E encarou Jant, para ver a reação dela ao que acabara de sugerir.

- Por que acha isso, doutora?

A médica a olhou por cima dos óculos.

- Você não contou a ninguém que era virgem... só fomos descobrir isso no exame ginecológico. Vai querer me fazer acreditar na Imaculada Concepção?

Jant engoliu em seco.

- Bem... eu não tinha como explicar o que me aconteceu. Acho que ninguém iria acreditar, de qualquer forma.

Ydwer Lautenbach fez um aceno de concordância.

- Por que não tenta comigo, só para experimentar?

Jant baixou a cabeça.

- Eu e ele, nós... bem, nós só trocamos um beijo. Até onde eu saiba, beijo não engravida.

A médica franziu a testa.

- Então... só um beijo?

Jant suspirou.

- Eu lhe disse que ninguém iria acreditar.

- Como você mesma admitiu, biologicamente isso é impossível.

Jant olhou para a médica com uma expressão desafiadora.

- Eu não levei um amasso num canto escuro de Hegestap, se foi nisso o que pensaram.

Ydwer Lautenbach a encarou com simpatia. A garota parecia assustada, e com razão.

- Compreendo a sua reserva em tocar no assunto, - disse num tom suave - mas deve imaginar que ninguém iria aceitar essa versão para a gravidez.

- Preferiria que eu contasse uma mentira? - Questionou Jant, sobrolhos erguidos.

- Você pode ter sofrido algum trauma psicológico e não se lembrar dos detalhes... a experiência de ir além dos domínios da Biblioteca pode ter lhe abalado emocionalmente. É isso que vou colocar no meu relatório de avaliação.

Jant encarou a médica, surpresa.

- A senhora pode me ajudar?

Ydwer Lautenbach fez um aceno de cabeça.

- Desde que você também me ajude, Jant.

Ato contínuo, abriu uma gaveta da escrivaninha e retirou uma foto em preto e branco, amarelada, que estendeu para Jant.

- Reconhece esta pessoa?

A jovem arregalou os olhos ao ver quem estava ali, em trajes do início do século XX, posando junto a uma coluna quebrada num jardim de Hegestap.

- Mas... é o Ruwert!

- Sim, - a médica fez um aceno afirmativo - ele mesmo. Ruwert Ringnalda.