LIVRE ARBITRO... LIVRE

 

A questão do livre-arbítrio no contexto da vida humana é fascinante e complexa, especialmente quando pensamos no início da existência, na infância, e nas circunstâncias que moldam a vida antes mesmo que uma pessoa possa fazer escolhas conscientes.

De fato, ao nascer, a criança não possui capacidade cognitiva ou autonomia para escolher nada. Ela é inteiramente dependente do ambiente em que é inserida, das decisões dos pais ou cuidadores e das circunstâncias que escapam ao controle de todos, como condições genéticas, doenças congênitas ou acidentes imprevistos.

Se pensarmos no conceito de livre-arbítrio como a liberdade de escolher entre diferentes possibilidades, ele parece estar vinculado a uma maturidade cognitiva que só é alcançada ao longo da vida. E mesmo essa liberdade, para muitos, é limitada por fatores externos, como a sociedade, a cultura, as condições econômicas ou a saúde física e mental. Nesse sentido, o "livre-arbítrio absoluto" seria uma ilusão, pois as escolhas de cada indivíduo sempre estão condicionadas por forças que não controlamos.

No entanto, há outro lado nessa discussão. Embora não possamos escolher onde nascemos, a genética que carregamos ou as circunstâncias de nossa infância, a história humana mostra que, ao longo da vida, as pessoas podem exercer algum grau de liberdade para reescrever seus destinos. Isso não significa ignorar as dificuldades ou desigualdades. Pelo contrário, é reconhecer que, em muitos casos, o livre-arbítrio surge quando conseguimos transformar as limitações em oportunidades para crescimento ou superação.

Uma criança que nasce com uma doença grave não tem livre-arbítrio no sentido pleno. Mas, ao longo do tempo, essa mesma pessoa, dependendo do apoio que recebe, da força interior e das oportunidades ao seu redor, pode encontrar maneiras de viver uma vida significativa, mesmo enfrentando desafios que parecem intransponíveis.

Em última análise, o livre-arbítrio talvez não seja algo dado ao nascer, mas algo conquistado gradativamente, à medida que aprendemos a compreender o mundo, a nós mesmos e as escolhas que podemos fazer dentro das limitações impostas. Assim, o valor do livre-arbítrio não está apenas na liberdade de escolher, mas na capacidade de dar sentido às escolhas possíveis. Isso torna a vida humana, apesar de suas contradições e injustiças, uma aventura profundamente significativa.

Neri Satter – Dezembro de 2024   CONTOS DO SCARAMOUCHE

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Enviado por Scaramouche em 19/12/2024
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