o Mistério de Canneto di Caronia.
Primeiro, houve uma falha em um sistema elétrico, depois os cabos elétricos pegaram fogo, estragando alguns eletrodomésticos.
Mas em um apartamento, foi mais grave, ele pegou fogo que se espalhou para os móveis, destruindo o imóvel completamente.
E logo Canneto, uma pequena comuna com pouco mais de 3500 moradores, na Itália, começou a pegar fogo e ninguém conseguia entender o porquê.
Imediatamente surgiram as hipóteses de poltergeist, infestações demoníacas ou até mesmo de invasão alienígena.
E assim nasceu um dos mais estranhos na Itália do século XX, o Mistério de Canneto di Caronia.
Em 15 de janeiro de 2004, sistemas elétricos e aparelhos eletrodomésticos começaram a pegar fogo por motivos que ninguém entendia.
Inicialmente, trataram como se fosse apenas uma falha que ocorreu na residência do senhor Antonino, Nino, Pezzino.
No entanto, os danos se espalharam para as casas vizinhas e, no início de fevereiro, como não se conseguia conter o fenômeno, os riscos começaram a se espalhar a outros moradores e por isso a Agência de Proteção Civil foi obrigada a intervir, essa é a denominação da defesa civil de lá.
O prefeito Pietro Spinnato ordenou a evacuação das 39 pessoas do edifício onde tudo começara.
Com o passar dos dias, o caso ganhou destaque primeiro na mídia nacional e depois internacional, quando vulcanologistas e uma equipe de psicólogos chegaram a Canneto di Caronia para ajudar a população.
Imediatamente, os jornais começaram a falar de fenômenos de autocombustão, geomagnetismo, poltergeist, satanismo e infestações demoníacas, e até das linhas de Hartmann que são uma rede de energias naturais que, segundo algumas crenças, percorrem o planeta Terra e podem afetar a saúde e o bem-estar das pessoas, chegou-se a falar de armas futurísticas misteriosas e até de OVNIs.
O engenheiro Tullio Martella, diretor geral do departamento regional de proteção civil, declarou na TV e nos jornais:
"O que está acontecendo nesta área é um fenômeno inexplicável, certamente um caso anômalo. Posso dizer com certeza que não há precedentes desse tipo nem mesmo a nível nacional."
Conforme contou Nino Pezzino, a pessoa em cuja residência tudo começou e que depois se tornou o porta-voz dos moradores de Canneto, a princípio, eles pensaram em defeitos de fabricação ou superaquecimento dos sistemas e chamavam os técnicos que resolviam os problemas momentaneamente, porém o problema sempre voltava.
E como os incidentes se multiplicavam e se tornavam mais graves, os moradores pediram ajuda das autoridades.
No entanto, os incidentes continuaram a ocorrer mesmo com a energia elétrica estava desligada, quando foi implementado um apagão voluntário em todo o edifício.
Com Canneto no escuro, os eletrodomésticos continuavam a pegar fogo, e o prefeito Pietro Spinnato não teve outra opção senão ordenar a evacuação da cidade.
Nos jornais, começaram a surgir as teorias mais sensacionalistas, mas, ainda pareciam hipóteses quase científicas.
Alguns falavam de magnetismo gerado pelo subsolo, segundo a hipótese nunca comprovada das linhas de Hartmann, queimaduras causadas pela passagem dos relâmpagos globulares ou fenômenos relacionados à presença de massas magmáticas no subsolo, capazes, segundo alguns, de produzir variações nos campos magnéticos e, portanto, interferir nos aparelhos elétricos.
Depois, como nenhuma dessas hipóteses realmente explicava nada, surgiram as teorias mais ousadas de que a cidade estaria sendo vítima de fenômenos paranormais incontroláveis.
Outros falavam de discos voadores, até a história chegar ao maior exorcista padre do mundo, o padre Gabriele Amorth, também conhecido como o exorcista do papa, que sentenciou:
"É obra do diabo, que, como se sabe, se manifesta através dos eletrodomésticos."
Porém, os moradores não aceitavam essa hipótese, e não acreditavam em explicações paranormais.
Outra hipótese, talvez ainda mais improvável foi a de um ataque alienígena, pois em outubro daquele ano, a revista semanal L'Espresso relatou a opinião de Francesco Mantegna Venerando, coordenador regional do comitê de proteção civil da Sicília.
Segundo Venerando, Canneto de Caronia teria sido atingida por fenômenos eletromagnéticos de origem artificial, capazes de gerar uma grande potência concentrada em feixes de micro-ondas de ultra alta frequência, na faixa entre 300 megahertz e alguns gigahertz e para produzir uma quantidade de energia semelhante a essa, uma máquina deveria atingir uma potência entre 12 e 15 gigawatts, algo que não existe neste planeta.
O trabalho da equipe de Venerando produziu até mesmo um dossiê confidencial entregue ao governo, no qual se fazia claramente a hipótese de experimentos alienígenas: "Tecnologias militares, talvez de origem não terrestre, poderiam expor no futuro populações inteiras a consequências indesejadas.
Para alguns os incidentes de Canneto de Caronia poderiam ter sido tentativas de engajamento militar entre forças não convencionais ou um teste não agressivo visando estudar os comportamentos e ações de uma determinada amostra territorial pouco habitada.
E, por mais estranho que possa ser, o caso de Caronia não é o único do gênero, coisas semelhantes aconteceram em diversas localidades italianas, como, em 1984, na sede romana da Instituto Nacional de Seguros contra Acidentes de Trabalho, o INAIL, ocorreram incêndios que queimaram papéis, fotocópias e outros materiais.
Em Cesena, em 1988, incêndios inexplicáveis começaram na casa paroquial de uma igreja.
Em Milão, em 1990, na casa de uma família, pequenos incêndios e móveis caindo foram atribuídos a poltergeists.
No mesmo ano, em San Gottardo, uma fração de Giove in Cedo, na província de Vicenza, ocorreram fenômenos ainda mais semelhantes aos de Canneto: interruptores de luz queimados, toldos derretidos, até mesmo uma cadeira de rodas em chamas.
Em Piacenza, em 1991, incêndios inexplicáveis que se pensava serem causados pelos estranhos poderes de uma menina.
Em Legnano, em 1998, no escritório de um contador, ocorreram fenômenos de combustão, atribuídos a efeitos eletromagnéticos bizarros.
Em alguns desse casos como em Milão, Piacenza e Legnano, graças à intervenção do CICAP, que é o Comitê Italiano para o Controle de Reivindicações sobre Pseudociências, uma associação educacional que promove uma investigação crítica sobre as pseudociências, o paranormal, os mistérios e o incomum com o objetivo de difundir a mentalidade científica e o espírito crítico, foi possível investigar e descobrir que os incêndios tinham uma natureza criminosa.
Nos dois primeiros casos, foram crianças que, passando por momentos difíceis na adolescência, encenaram os incidentes para atrair atenção.
Em Legnano, a polícia descobriu que se tratava de sabotagem por parte de um funcionário descontente.
Suspeitou-se de sabotagem também no caso do INAIL em Roma.
Mas alguns episódios, como o de Vicenza, casualmente o mais semelhante ao de Caronia, não se encontrou algo que explicasse o ocorrido.
Voltando a Coronia, para lá foram enviados técnicos da Enel, da Telecom e funcionários da rede ferroviária, pois, pensava-se que os problemas eram causados por possíveis dispersões elétricas da linha ferroviária Messina-Palermo, que passa a poucos metros das casas.
Cientistas também se dedicaram ao caso, um deles foi Enzo Boschi, presidente do Instituto Nacional de Geofísica e Vulcanologia, que, após alguns estudos, como medições técnicas sobre possíveis movimentos magmáticos em profundidade, afirmou que não se encontrou nenhuma indicação de influência vulcânica ou sísmica e, quanto ao campo magnético terrestre, concluiu-se que ele é muito fraco para gerar descargas elétricas tão importantes, pois as forças internas da Terra não podem provocar reações dessa magnitude, especialmente em uma área tão restrita. Se realmente houvesse uma atividade magmática, as repercussões seriam evidentes em áreas muito mais extensas.
Já o Ministério das Telecomunicações mediu os fenômenos eletromagnéticos. Os técnicos da Enel e das ferrovias procuraram possíveis dispersões, mas não encontraram nada de anormal.
Também foi realizado um controle do campo magnético de baixa frequência e medições próximas à linha ferroviária, mas não foram encontradas alterações substanciais nos parâmetros medidos.
Os carabinieri, policiais do Núcleo Operativo Ecológico também realizaram uma série de medições que permitiu excluir possíveis traços de radioatividade.
Especialistas do Conselho Nacional de Pesquisas inicialmente favoreceram uma hipótese natural, como os fogos de São Telmo, que, segundo Giovanni Gregori, primeiro pesquisador do CNP e professor de física terrestre é aquele halo luminoso que se manifesta nas extremidades pontiagudas, como para-raios e rochas, devido a um aumento anômalo do campo elétrico.
Para esse mesmo pesquisador é possível que algo semelhante tenha acontecido em Caronia, pois, no subsolo há uma grande quantidade de energia geotérmica que é capaz de subir à superfície através de vias preferenciais que culminam nas pontas.
Essas energias formariam, essencialmente, descargas elétricas invisíveis entre o solo e a ionosfera, que, geralmente, não ocorrem há anos, mas que, por uma coincidência curiosa, atingiram as casas de Canneto.
Para dar mais base nessa teoria da energia geotérmica foi constatado que o local principal onde o fenômeno ocorreu não tinha sido construído em concreto armado e, portanto, não era eletricamente blindado e por isso, a eletricidade não se dissipou, mas atingiu os cabos elétricos que funcionavam como blindagem, segundo o especialista Giovanni Gregori.
Essa teoria também explicaria por que os fenômenos ocorriam apenas durante o dia, quando a ionosfera está mais baixa e mais ativa.
Para resolver o problema, Gregori sugeriu que as casas fossem equipadas com para-raios e bons sistemas de aterramento. Isso faria o fenômeno desaparecer e as pessoas poderiam voltar a viver tranquilamente em suas casas.
Porém, entre todas essas hipóteses temos uma simples e bem mais mundana, a hipótese do dolo.
Durante as investigações, alguns artefatos foram coletados no local por um técnico da Telecom, que, imediatamente, percebeu algo estranho, bem visível e nítido, o que ele notou é que todos esses danos deixaram o cobre dos fios intacto, mesmo isolado, em todos os objetos examinados, sem exceção, as queimaduras eram causadas exclusivamente por uma fonte de calor aplicada externamente, como se o calor fosse feito por um isqueiro ou um maçarico.
Em nenhum exemplar recolhido foram observados danos causados por aquecimento interno, ou seja, de dentro para fora, como teria ocorrido se as causas dos incêndios fossem de natureza elétrica ou eletromagnética.
A hipótese de dolo foi se tornando cada vez mais sólida.
E, neste caso, a conclusão do CICAP, Comitê Italiano para a Investigação de Alegações sobre Pseudociências, é que as misteriosas combustões de Caronia não são causadas por campos eletromagnéticos, correntes elétricas, micro-ondas, interferências estranhas com a ferrovia ou qualquer outra coisa, mas sim propositalmente pela mão humana que, por algum motivo até então desconhecido, incendiou os sistemas, ou seja, incêndio causado por um ou mais incendiários.
Como é fácil imaginar, essa hipótese trouxe reações indignadas, pois, na prática, estavam dizendo que os moradores de Caronia seriam incendiários tão doentes que, desde 2004, se divertiam queimando e reconstruindo suas próprias casas.
O próprio Nino Pezzino, aquele senhor proprietário do primeiro imóvel atingido, quando questionado por um jornalista se poderia haver interesses de alguém em causar os incêndios, respondeu ironicamente:
"Sim, claro, como não? Por meses ficamos no escuro, o valor comercial das casas despencou. Por que essas pessoas, esses idosos, eu e os outros deveríamos incendiar nossas próprias casas?"
Mas mesmo com tantas controvérsias, as autoridades sicilianas tentaram pôr um fim a essa história, quando concluíram de que os misteriosos incêndios de Caronia eram obra do homem.
Em 12 de junho de 2008, os peritos nomeados pela procuradoria que ficaram três anos investigando, continuaram e encerraram a investigação com o seguinte parecer.
"Por trás desses incêndios está a mão humana", explicaram, tomando como prova alguns dos episódios que ocorreram nos meses da emergência.
Os consultores falaram de "chama livre", ou seja, manobrada externamente, como a de um isqueiro.
Assim, foram desmentidas todas as hipóteses mais ou menos científicas que, por muito tempo, foram compartilhadas por vários especialistas, segundo os quais nem deveriam ser consideradas.
Mas ainda havia um problema na hipótese de dolo, não foi identificado um culpado e o caso foi arquivado, mas não por muito tempo.
E com o passar do tempo, a vida em Canneto di Caronia parecia voltar ao normal, mas, em 14 de julho de 2014, as chamas retornaram.
Tapetes, televisores, geladeiras, camisetas, sapatos e paredes de 30 metros da Via del Mare foram novamente invadidos pelo cheiro de queimado, cobertos de fuligem e móveis danificados.
Só que dessa vez, achou-se um causador.
O jovem de 25 anos, Giuseppe Pezzino filho do senhor Nino Pezzino, que também acabou acusado como sendo o criminoso por traz de tudo aquilo.
Novamente, muitos na comunidade não aceitaram o que as autoridades afirmavam, mas para os investigadores da procuradoria não havia dúvidas, de que Guiseppe pelo menos em relação aos incêndios mais recentes era o culpado, pois, câmeras escondidas flagraram o jovem iniciando 40 incêndios entre 20 de julho e 8 de outubro de 2014, muitas vezes com a cumplicidade do pai.
O rapaz foi filmado iniciando um incêndio no porão de sua própria casa enquanto uma equipe de TV entrevistava seu pai.
Por mais estranho o motivo pode ser financeiro, pois com tudo aquilo que estava acontecendo o governo prestava ajuda econômica para os cidadãos afetados pela calamidade.
Para fortalecer a tese de culpabilidade de Giuseppe existe o fato de que, quando tudo começou, no ano de 2004, Giuseppe tinha apenas 15 anos, uma idade em que frequentemente se manifestam comportamentos adolescentes que dão origem a episódios de vandalismo, tipicamente atribuídos a poltergeists e frequentemente associados a supostos espíritos brincalhões.
E assim, toda essa história, portanto, pode ter começado com pequenos episódios de vandalismo que saíram do controle e se transformaram em um caso nacional, porque ninguém os reconhecia como tal.
Giuseppe alegou que de fato os incêndios eram genuínos quando começaram em 2003, e que agora a família só queria desfrutar de novo de todo aquele sucesso e dinheiro fácil.
Em 5 de abril de 2015, a procuradoria concluiu oficialmente as investigações, e Giuseppe e Nino Pezzino foram levados a julgamento sob as acusações de tentativa de fraude e alarme social, tendo iniciado os incêndios com o objetivo de solicitar reembolsos de fundos.
O promotor pediu 7 anos de prisão para Giuseppe Pizzino e 2 anos para seu pai, Antonino.
Após sete anos de julgamento, uma primeira sentença foi proferida pelo tribunal de Patti que, em 26 de março de 2022, condenou Antonino e Giuseppe Pezzino em primeira instância a um ano e meio e seis anos de prisão, respetivamente, pelos crimes de incêndio, dano e fraude.
Mas ainda permanece um mistério e é provável que tenhamos que esperar muito tempo para saber a palavra final sobre os acontecimentos de Canneto di Caronia, até porque os dois condenados não assumiram que foram eles que iniciaram os incêncidios, apenas que deram continuidade muitos anos depois de tudo ter começado!
Fontes:
https://www.youtube.com/watch?v=Azl8peFfvlY&t=71s
https://www.queryonline.it/2022/05/10/lepilogo-del-mistero-di-caronia-forse/
https://www-cicap-org.translate.goog/n/articolo.php?id=275315&_x_tr_sl=it&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt-BR&_x_tr_pto=sc
https://www.messinatoday.it/cronaca/fuochi-canneto-caronia-processo-pezzino.html?_x_tr_sl=it&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt-BR&_x_tr_pto=sc&ref=domain-invalid