O Último Passageiro
Rogério um motorista de aplicativo dirigia pela madrugada deserta no bairro Areia Branca, em Santos. Ao passar pelo cemitério, notou uma jovem, Taís, com cabelos pretos e olhos castanhos, fazendo sinal com a mão em um ponto de ônibus.
— Eu sou Uber, moça. Preciso do pedido pelo aplicativo. — disse Rogério, hesitante.
— Por favor, me leve, é importante? — pediu Taís, com um sorriso.
Rogério, cativado por sua beleza, concordou. Taís entrou no carro, vestida com um vestido azul claro e sandálias brancas.
— Qual o seu nome, moça? — perguntou Rogério.
— Taís Albuquerque. E o seu?
— Rogério. Para onde você vai?
— Centro. Quero caminhar um pouco. Só mais um favor, você pode colocar para tocar a música "Hunting High and Low", da banda a-ha? Essa é minha música preferida, faz muito tempo que não ouço ela. — pediu Taís.
Rogério colocou para tocar a música no rádio do carro. Eles seguiram para o centro de Santos, durante a viagem, o motorista, notou que Taís parecia perdida em pensamentos. Perguntou se estava bem.
— Sim, estou. Só lembrando de algumas coisas ...— respondeu Taís, com lágrimas nos olhos.
Eles passaram pelo Museu do Café, com sua fachada iluminada, e pela Igreja de São Paulo, silenciosa.
Ao chegar ao centro, Taís pediu:
— Pare aqui um pouco, Rogério. Quero caminhar.
— Sim, vamos!
Eles caminharam pela Rua do Comércio, deserta e silenciosa. Taís parou em frente à Igreja Matriz de São Paulo Apóstolo.
— Eu queria tanto entrar aqui mais uma vez... — disse, com lágrimas nos olhos.
— Você pode vir amanhã, tem missa — sugeriu Rogério.
— Não... — respondeu Taís.
— Mas por quê não?
— Porque eu não tenho tempo! Agora eu duvido você me alcançar! — disse Taís, correndo.
Rogério correu atrás dela; os dois sorriam. Quando alcançou, ele a puxou levemente e os dois ficaram frente a frente, o coração do rapaz disparado.
— Você é tão linda, Taís! Posso te dar um beijo?
— Não, ainda não. Primeiro, eu quero ver o mar. Leva-me à praia? — pediu.
— É para já, gata! — disse ele, abraçando-a fortemente.
Rogério levou Taís à praia do canal um. Eles caminhavam pela areia à luz do luar.
— Mas eu ainda não entendi, Taís. Você mora aqui em Santos? Me conte mais sobre você — perguntou Rogério.
— Eu não quero falar, Rogério. Eu só quero sentir essa sensação... de ser feliz de novo! — disse Taís, com os olhos fechados, abrindo os braços.
— Você é muito linda. Eu só estou aqui por sua causa! Eu queria pelo menos te dar um beijo! — disse ele, pegando no queixo dela.
Taís abriu os olhos e sussurrou nos ouvidos do rapaz:
— Por que tanta pressa? Você ouviu o que eu disse? Vamos viver o momento! Há muito tempo que eu não era tão feliz como estou hoje! Consegui liberdade depois de tanto tempo!
— Eu também há muito tempo não sinto por nenhuma mulher o que eu tô sentindo agora! — disse Rogério.
Taís passou a mão no cabelo, sempre sorrindo.
— Vamos dar um mergulho, gata? — perguntou Rogério, fazendo menção de tirar a camisa.
— Não, eu não posso! — respondeu ela, chorando e correndo.
Rogério perguntou, indo atrás da moça:
— Taís, espera! O que foi que eu fiz de errado?
Júlia e Vitório, um casal de umbandistas, realizavam uma serena oferenda à beira-mar. Na areia, um altar simples, mas cheio de significado, estava adornado com flores brancas, velas brancas, champanhe, calda de ameixa, arroz-doce, manjar, melão, peixe no milho branco, mungunzá e arroz branco, em homenagem a Iemanjá, Rainha do Mar.
Vitório sussurrou, ao ver Taís:
— É um egum. Uma alma perdida, Júlia!
Júlia assentiu:
— Sim, Vitório. Iemanjá nos guiou até aqui.
Taís, correndo desesperadamente, aproximou-se deles chorando:
— Eu preciso de ajuda! Aquele homem quer me levar para o mar!
Júlia e Vitório cantaram:
"Iemanjá, mãe do mar,
Leva essa alma para o teu reino,
Protege-a e guia-a.
Axé, Iemanjá! Axé, Olokun!
Egum, vá em paz, descanso eterno."
Uma luz intensa envolveu Taís, e sorrindo, ela os agradeceu, desaparecendo com a luz.
Rogério, desorientado, ainda procurava por ela, mas em vão. Voltou para seu carro, triste e cabisbaixo.
No dia seguinte, Rogério entrou no bairro da Areia Branca, determinado a encontrar Taís. Ao passar pela banca de jornais, perguntou:
— O senhor conhece uma jovem chamada Taís? Ela é morena clara, tem cabelos pretos longos e ontem vestia um vestido azul claro e sandálias brancas.
O jornaleiro balançou a cabeça:
— Não, não conheço.
Uma senhora, Selma, se aproximou:
— Posso ajudar, meu jovem?
Rogério repetiu a descrição. Selma o convidou:
— Eu conheço essa Taís. Vem comigo.
Em sua casa, Selma mostrou um álbum de fotografias antigas, revelando a foto de Taís vestida com a mesma roupa.
— Mas não pode ser, é ela! — disse Rogério.
— Sim, é Taís, minha filha! — confirmou Selma.
Rogério compartilhou o ocorrido:
— Eu dei carona para ela ontem, perto do cemitério. Ela pediu para passear pelo centro, paramos na igreja e depois na praia, onde sumiu.
Selma suspirou:
— Minha filha Taís faleceu em 2004, há vinte anos. Morreu afogada naquela praia onde você levou sua alma.
— Não é possível, meu Deus! Então foi por isso que, quando eu a convidei para entrar no mar, ela se assustou e saiu correndo; daí por diante, desapareceu! — disse Rogério, com as mãos na cabeça.
— Há vinte anos que eu guardo esse luto. Taís era filha única, e quando morreu, levou consigo todo meu amor. Meu marido também já faleceu, não suportando a morte da filha! — acrescentou Selma.
— Bom, senhora, eu tenho que ir. Ainda tenho que fazer algumas corridas. Mesmo assim, obrigado. Que a sua filha descanse em paz! — disse Rogério.
Selma deu um forte abraço no rapaz, agradecendo por ter compartilhado com ela a experiência que viveu.
Quando Rogério voltou para o carro, colocou o cinto de segurança. O rádio ligou sozinho e começou a tocar "Hunting High and Low", da banda a-ha. O motorista imediatamente lembrou de Taís, dizendo que aquela era sua música preferida. Então, deu partida no carro, chorando de saudade.
Fim.