OLHO D'ÁGUA II
OLHO D’ÁGUA II
O RETORNO DE IRSHU
POR ROOSEVELT VIEIRA LEITE
Tobias Barreto é uma cidade situada no extremo sul do estado de Sergipe. Tobias Barreto é um centro regional de serviços e negócios para outras cidades da Bahia e de Sergipe. É conhecida como a capital do vale do rio Real. Ela atende a várias cidades num raio de 50 quilômetros. Sua população em 2019 era de 52,191 mil habitantes. É a sétima cidade sergipana em população. Tobias Barreto também é conhecida como a antiga vila de Campos ou por alguns somente Campos. No ano de 1996, Tobias, a antiga vila de Campos experimentou um fenômeno nunca vivido em sua história. As pessoas tinham seus olhos secados em suas orbitas em questão de segundos e ninguém sabia como isso se dava. A quantidade de cegos em Campos cresceu assustadoramente. Até a Marinalva, secretária do prefeito ficou cega. Com isso, a autoridade máxima do município contratou uma clínica de Aracaju para investigar o ocorrido. As autoridades de saúde do estado também vieram a Campos investigar o fenômeno que ficou conhecido como “cegueira imediata”.
- Dr. Anacleto me dê uma opinião pelo menos parcial do problema. Perguntou o repórter Rubens ao médico do estado.
- Até o momento não temos a menor ideia do que seja. Não é vírus, nem bactéria. Talvez seja um problema hormonal. Não se sabe. Falou o médico com tom de decepção. O repórter insatisfeito com a resposta de Anacleto continua:
- Mas, como pode ser hormonal se está ocorrendo com tanta gente. Já temos quinze casos confirmados aqui na cidade e dois em povoados?
- Bem, até agora, é o que temos de teoria sobre o caso. Mas, estamos pesquisando. Amanhã chega o laboratório móvel, e isso facilitará muito o nosso trabalho.
Enquanto isso, próximo a ponte do Tourão, um mago negro desencarnado chamado Irshu trabalha movendo as águas do rio Jabiberi. Irshu decidiu vir a Campos depois de anos preso no redemoinho de Tupynajé. O cacique de Deus o prendeu porque ele se tornou um homem mal. Irshu fazia bonecos de lama e lhes espetava os olhos com gravetos: “Assim será o povo de Campos e me servirão nos próximos anos”. Dizia o mago trevoso.
O povo de Campos estava assustado. O medo de se tornar cego se espalhou pelo município e isso deu asas a especulação. Algumas pessoas vendiam óculos protetores contra a cegueira imediata, outros apelavam para o sagrado. Um destes foi Tertúlio da Igreja Nova Esperança:
- O Cristo é a luz do mundo. Quem estiver em trevas verá a luz da vida. Disse Tertúlio ao repórter Rubens.
- Mas você garante que sendo crente a pessoa está imune a cegueira? Insistiu o repórter.
- Aqui estamos debaixo das asas do Todo Poderoso. E sua mão de poder nos protegerá. De fato, ninguém da igreja havia, até então, ficado cego. Outras pessoas vendiam fórmulas mágicas contra a cegueira. “Se você sentir os olhos coçar, use o gel Aspin. Aspin gel é garantia contra o secamento dos olhos!” A cidade estava apavorada. Algumas pessoas decidiram deixar Campos. Outras, foram para a roça por acharem que o problema era o ar da cidade. “Vamos para roça tomar ar puro”.
O prefeito Clodoaldinho da madeireira foi até Cachoeira de São Felix encomendar uma macumba em prol do povo de Campos. O homem gastou vinte mil e nada do problema ser resolvido. Pelo contrário, ao voltar para Campos ele soube que mais três pessoas estavam cegas. Então, ele decidiu reunir a equipe de saúde:
- Eu gostaria de saber sobre o resultado de vossas pesquisas. Disse vossa excelência. Primeiro falaram os representantes da clínica particular:
- Com base nos estudos clínicos de todos os pacientes estudados. Chegamos à conclusão de que não há motivo algum para estas pessoas ficarem cegas. Nós atribuímos a causa da cegueira a uma origem psicológica ou sobrenatural. Lamento, mas, é o que temos.
- Mas, isto não pode ser. Tudo tem uma causa. Deve haver alguma coisa que tenha provocado este surto. Rebateu o prefeito com convicção. A equipe do estado foi mais além. Levantaram a hipótese de radiação. Contudo, não chegaram a nenhuma conclusão. Enquanto isso, nas margens do Jabiberi, próximo a ponte do Tourão Irshu fazia mais bonecos e mais pessoas ficavam cegas. Irshu estava disposto a subjugar a cidade de Campos e torná-la sua morada. Irshu passou a morar debaixo da velha ponte e junto com ele estavam dois outros espíritos trevosos. O seu Ventania e dona Maria Quitéria. Os dois eram especialistas em atormentar as pessoas. Estava acertado que na noite de lua cheia do dia 25 de março os dois sairiam pela cidade atormentando as pessoas.
Mestre Jorge era um renomado mago da jurema que conhecia os mistérios da Jurema Sagrada. O espírito Tupynajé o visitou na madrugada de sábado dia de Oxum:
- Jorge! Jorge! Jorge! Tupynajé chamou três vezes.
- Sim, mestre Cacique. O que queres deste pobre homem?
- Irshu saiu da prisão e veio para Campos. Ele pretende escravizar o povo desta terra. Irshu vai organizar um exército de mortos vivos e vai atacar a cidade com cegueira e pragas.
- Sim, mestre. Eu estou sabendo que o povo está ficando cego. O que eu devo fazer?
- Prepare o pentagrama de luz e eu te darei a orientação.
- Sim, mestre. Fica com Deus. Jorge entrou em seu sanctum às 7 horas da manhã de sábado e preparou seu pentagrama. Era um pentagrama riscado com tinta especial numa tábua circular de um metro de raio. O fundo era azul, o pentagrama era branco. A cabeça do objeto mágico foi posta na direção do norte. Os pés estavam voltados para o sul. O braço esquerdo voltado para o leste e o direito para o oeste. Jorge queimou incensos e fez orações em seu pentagrama. Primeiro ele fez o banimento. A conjuração dos quatro. Depois ele fez a oração de Salomão preparando o espaço para as evocações. Tupynajé apareceu na forma de fumaça diante dele e lhe deu orientações:
- Irshu fortaleceu sua magia se conectando a Barfomet. Agora a magia de Irshu tem poder para levantar mortos vivos. E ele pretende derrotar o povo de Campos com um grande exército de mortos vivos. Para tanto ele já está cegando pessoas para ficar mais fácil. A primeira coisa que você precisa fazer é destruir os bonecos de barro e ferir a mão direita de Irshu. Ele trabalhando só com uma mão será mais fácil derrotá-lo.
- Mestre, mas, como eu vou me aproximar dele sem que ele me veja?
- Prepare a seguinte porção: Amasse sete pembas com as cores do arco-íris. Amasse até ficar um pó as seguintes ervas secas: A melissa, o tapete de Oxalá, e a salvia. Faça uma porção de mão cheia. Depois ponha cem gramas de pólvora em um saquinho e bote um pavio de vela ligado a pólvora. Ponha tudo dentro de uma cabaça de tamanho médio de tal forma que o pavio fique para fora e feche a cabaça. Prepare a cabaça no pentagrama fazendo o exorcismo do ar. Mentalize uma explosão de fumaça que quebre as forças deletérias de Irshu enquanto você com sua espada mágica corta o braço astral direito dele e destrói os bonecos. Mas antes, ao chegar no rio faça nele um movimento circular sentido horário com sua baqueta e chame Oxumarê. Ele vai te ajudar.
- Mestre, farei tudo como ensinado. Mas em que lua devo fazer tal encantamento?
- Agora, antes do dia 25 de março a lua estará quase cheia. Faça no dia 23.
- Louvado seja Deus mestre! Farei como o senhor orientou. Tupynajé sai do pentagrama de Jorge e desaparece na claridade do dia.
Vossa excelência o prefeito de Campos Clodoaldinho, apesar dos alertas das autoridades e reticencias de alguns vereadores, manteve a micareta de Campos para o dia 25 de março de 1996. As pessoas continuavam ficando cegas. Uma boa quantidade de mulheres, sobretudo, as mulheres estavam ficando cegas. O vereador da oposição Austeclínio Souza foi até a prefeitura questionar a decisão:
- Vossa excelência parece que não pensa no povo. Argumentou o vereador.
- Penso sim amigo vereador. Penso tanto que vou manter os empregos de dezenas de pessoas que vão trabalhar no carnaval. Fora o comercio que vai faturar bastante com a quantidade de turistas que virão para Campos. Tudo bem, temos um problema, mas, a vida continua.
- Rapaz, teu povo está ficando cego e a gente não sabe o que é. Isto não te toca o coração não? O prefeito Clodoaldinho coçou a garganta e disse:
- Temos um problema ético aqui! Mas se perguntarmos as pessoas o que elas querem, com certeza elas escolhem a micareta. Não adianta Austeclínio, seu argumento não se sustenta. Austeclínio deixou a prefeitura e foi para a rádio local falar do prefeito.
Enquanto isso, Jorge preparava a porção mágica de Tupynajé. O dia 23 estava chegando e a lua estava boa para fazer magia. As ervas foram colhidas e secadas na sombra como manda a tradição e as pembas foram consagradas no pentagrama do fogo. A pólvora também foi consagrada no pentagrama do fogo. A cabaça foi lavada com as ervas de Ogum. Tudo estava pronto para o dia 23. Jorge ativa seu espelho mágico para ver o acampamento de Irshu. No espelho, ele viu um portal debaixo da ponte do Tourão. O rio Jabiberi entrava no portal e desaparecia. Jorge viu também um trono a Barfomet bem no centro do acampamento de Irshu. O trono era protegido por dois demônios. Ventania e Maria Quitéria. Aos pés de Barfomet estava posta uma mesa com bonecos de lama com espetos encravados nos olhos. Havia ao todo 27 bonecos. O bruxo residia numa pequena caverna de pedras as margens do rio. Do outro lado, as águas do rio eram turvas e infestadas de piranhas famintas. O bruxo trabalhava a lama negra do rio e consagrava os bonecos ao seu ídolo. Jorge viu o arraial de Irshu. Estátuas de diferentes deuses pagãos foram dispostas em forma de círculo. No centro do círculo estava disposto seu pentagrama de operações. Era um pentagrama aberto riscado no chão com carvão em brasa dentro dos sulcos que formavam suas linhas. Era um pentagrama goético. Invertido. Sua cabeça ficava disposta para o cardeal sul e seus pés para o norte. Os braços apontavam para o leste e para o oeste. Tudo isso viu Jorge em seu espelho mágico e ficou muito transtornado: “Esta será uma missão muito delicada”. Disse o mago a si mesmo.
Clodoaldinho preparava a festa do dia 25 de março. Seis bandas foram convidadas para o evento. A mídia de Aracaju viria fazer a cobertura. A TV Navegantes daria toda cobertura a micareta:
- Vossa excelência tem alguma preferência pela colocação das câmeras. Digo, como alguma que filme bem sua pessoa. Perguntou o técnico da emissora.
- Eu quero câmeras em toda a avenida. Quero que a cidade seja bem vista. Agora, no palanque quero uma que pegue a mim e meus convidados, é claro. Disse Clodoaldinho ajeitando-se na cadeira.
- O senhor sabe que a empresa faria a cobertura do seu jeito. Mas, assim personalizado o senhor vai ter que arcar com o ônus. Continuou o técnico.
- Não tem problema. A prefeitura cobrirá todas as despesas. Concluiu o prefeito.
O dia 23 de março chegou. Jorge se preparou com banhos de ervas sagradas e defumação. Vestiu seu roupão de mago e caminhou na direção do Tourão. No caminho. Caboclos de Umbanda apareceram para o animar e confortar: “Eu sou Urubatão da Guia. Estou ao seu lado”. “Eu sou Arranca Toco. Estou ao seu lado”. Muito confortado o mago de Campos chegou ao rio. Era a hora de chamar Oxumarê. Jorge aponta sua baqueta para as águas do rio e diz: “Arroboboi Oxumarê” três vezes. O redemoinho de água se forma diante dele e lentamente a figura de um homem negro vestido com as cores do arco-íris sai da água. Nesse momento um vento forte sopra no lugar. Oxumarê aponta a mão direita na direção da ponte e um portal se abre dando passagem ao mago. Dentro do arraial Jorge estava em corpo astral com sua espada em uma mão e a cabaça na outra. Ele encontra Irshu ocupado com os bonecos de barro. Nem Ventania nem Quitéria o viram entrar. Irshu de repente percebe a presença de alguém e pergunta quem é. Jorge nada reponde. Ele acende o pavio da cabeça e joga-o na direção do mago negro. Com a explosão Irshu fica como que paralisado. Ele se mexia na tentativa de fazer algum movimento em defesa própria, mas, a porção o neutralizou. Jorge pega a espada e corta seu braço astral direito enrolando-o num saco. Em seguida Jorge destrói os bonecos de lama. Na volta, seu Ventania se opõe a Jorge, contudo Oxumarê envia uma cobra alada que o fere na perna esquerda paralisando-o. Jorge sai do arraial e segue na direção de Oxumarê que o aguarda com o braço estendido para ele:
- Vejo que teve sucesso em sua missão. Agora trabalhe o braço para quebrar as forças de Irshu. Disse o Orixá do arco-íris.
- Arroboboi meu Pai! Vá com Deus! Oxumarê se dissolveu em sete cobras e desapareceu no rio.
Irshu com um braço só chama seus servos para conversarem. Quitéria aconselha Irshu a chamar os quimbandeiros do mal que moram nas cavernas do baixo astral. Mesmo com a mão esquerda, sem a direita, Irshu faz a evocação. Eles se apresentam no pentagrama de Irshu: “Agora, ide e atormentem as pessoas durante a noite até o dia 25. Que elas não durmam”. Disse Irshu ao príncipe regente dos quimbandeiros Paulus.
Os quimbandeiros sobem até Campos e começam de casa em casa a perturbar os moradores da cidade. As pessoas se irritavam por nada e começavam a discutir. Muitos sentiam náuseas e vomitavam, outros tinham insônia e não conseguiam dormir. Contudo uma boa notícia correu pela cidade. Os cegos de uma hora para outra ficaram bons.
Jorge é avisado pelo guardião que havia quimbandeiros na cidade e tenta trabalhar o braço de Irshu. O braço de Irshu é posto em um triangulo mágico. Sobre ele Jorge chama as forças do Orixá Ogum. Ogum desimanta o braço do mago. Irshu, em seu acampamento sente suas forças enfraquecerem. Os quimbandeiros perderam a força e retornaram para perguntar a Irshu sobre o ocorrido:
- Mestre, de vez ficamos sem inspiração. Parecia que nossas vibrações não atingiam mais as pessoas. O que aconteceu?
- Tem um mago trabalhando contra nós. Seu nome é Jorge. Ide e destruí o mago!
Enquanto isso a cidade ficou alegre. A notícia das curas de cegueira imediata se espalhou rápido por Campos. O prefeito aproveitou o ensejo para divulgar suas obras e a micareta. Campos mudou das brigas para a paz e tranquilidade. O repórter Rubens entrevista algumas pessoas que ficaram boas da cegueira imediata:
- Como você está se sentido?
- Rapaz, é uma alegria voltar a ver. Eu, já, achava que isso era para sempre.
- O que você sentiu? Perguntou Rubens curioso.
- Senti como se alguém retirasse um pedaço de pau dos meus olhos. Depois senti uma coceira e fiquei vendo.
O rádio local não parava de falar nas curas e da noite das confusões. “Tobias teve uma noite muito difícil, mas, foi recompensada com a cura miraculosa”.
O padre Souto teve um sonho avisando que uma coisa muito ruim estava para acontecer em Campos. O padre corajoso vai à rádio para alertar seus fiéis: “Convoco a todos os católicos e quem tiver interesse para uma vigília no ginásio do SESI que terá início às 19hs da noite do dia 25. Com o aviso do padre a cidade ficou a pensar no que estava acontecendo, pois, o vigário Souto era um homem de Deus e não iria fazer um convite desse sem motivo:
- Mulher, o que padre Souto quer? Perguntou Anastácia da padaria.
- Ele falou na missa que há uma conspiração espiritual sobre Campos. E que em sonho ele foi avisado que algo muito ruim estava para acontecer envolvendo toda a cidade. Respondeu das Flores a mulher do dono da farmácia.
Os quimbandeiros encontram Jorge a fumar seu cachimbo sentado na calçada de sua casa. Ele estava a meditar sobre o dia 25. Era tarde do dia 24. Paulus fere a Jorge com uma queda de pressão e taquicardia. O velho mago é socorrido por sua esposa que chama a ambulância e o leva para a Unidade de Pronto Atendimento de Campos:
- Como ele está doutor. Perguntou Marta, a mulher de Jorge.
- No momento, fizemos o que podemos. Mas, ele não pode ser transferido para outro hospital. Não temos ambulâncias equipadas para transferi-lo. Agora é esperar a pressão normalizar e o coração voltar ao ritmo certo. Marta se apegou com vovó Maria Conga e chamou o socorro dos pretos velhos. Os quimbandeiros cercaram o hospital na intenção de matar o velho mago. Padre Souto vai ao hospital visitar um paroquiano e sabe do caso de Jorge. O homem de Deus vê um negro velho encurvado no corredor do hospital. A figura do homem inundou o coração do sacerdote de bons sentimentos. O preto velho segue na direção de Jorge que estava numa sala especial como UTI. Souto acompanha o homem e chega a Jorge. Souto se vê cercado de negros e negras velhas. Souto sente desejo de orar por Jorge. Quando o padre termina a oração Jorge suspira e cai em sono profundo. Souto vê quando ele sai do corpo na forma astral e voa na direção do Tourão. O padre Souto disse para si mesmo: “Salve as almas, salve as boas almas!” Os quimbandeiros viram que Jorge está na forma astral e que agora ele vai tentar derrotar Irshu. Os quimbandeiros retornam ao acampamento.
Jorge se encontra com Tupynajé na psicosfera de Campos. Os dois dialogam sobre os acontecimentos:
- Mestre, parece que mesmo sem braço, Irshu continua forte. Disse Jorge com um tom de preocupação.
- A falta do braço direito o enfraqueceu. Ele não poderá usar seu sabre mágico, pois, sem o braço direito ele não pode usar a arma. Ademais, o conjuro dos 72 demônios tem de ser feito com a mão direita. Ganhamos uma dianteira. Agora é esperar a madrugada do dia 25. Você deve ir até o rio e chamar Oxumarê novamente.
Jorge desce no rio Jabiberi. A noite era de lua. O mago podia ver muito bem até uns cem metros de distância. Ele se abaixa e com a ponta do dedo indicar direito ele chama o Orixá do arco-íris. “Arroboboi, Oxumarê!” As águas começam a circular e se forma um grande redemoinho, de dentro dele, aparece a figura de Oxumarê segurando um arco com a mão direita. Dentro de sua aljava havia sete cobras:
- Sim, mestre da magia. O que queres comigo desta vez? Pergunta o Orixá.
- Deus salve sua luz! Deus salve sua coroa! Venho pedir ajuda contra o mago Irshu e sua turma.
- Há um homem que vai muito te ajudar. Seu nome é Souto. Amanhã as sete horas da noite ele fará uma grande corrente de luz sobre a cidade. É nesse momento que você deve prender Irshu. Oxumarê abraça Jorge e lhe diz no pé de ouvido: “Seja forte!”
Na madrugada do dia 25 Jorge se dirige ao acampamento de Irshu. O bruxo negro trabalhava em seu pentagrama invocando as forças do mal: “Por Barfomet e Lúcifer eu vos conjuro para hoje às 18hs levantarem os mortos de Campos e fazerem deles meu exército e que saiam devorando o que acharem pelo caminho”. O pentagrama ardia com o carvão em brasa. Os quimbandeiros uivavam como lobos famintos. Maria Quitéria e Ventania saudavam a Lilith a deusa dos magos negros. Mesmo sem o braço direito, Irshu fere a terra com seu sabre 7 vezes chamando todas as caveiras mortas de Campos: “Ouvi, obedecei, fazei!” Jorge nada podia fazer naquele momento, exceto, se reunir com os caboclos para dançar um toré. Jorge dança o toré da guerra com Tupynajé e seus caboclos.
Os ônibus de outras cidades e Aracaju começaram a chegar cedo. Logo de manhã Campos tinha gente de todo canto. Era o início da micareta que duraria três dias. A proporção em que as horas avançavam mais pessoas chegavam a Campos. Por volta das 11 horas a cidade já estava tomada por turistas das mais diversas localidades de Sergipe. Os hotéis e pousadas estavam sem vaga. Muita gente se hospedou em casas de amigos e parentes. Os quimbandeiros estavam sobre a psicosfera da cidade. Com isso as pessoas passaram a consumir bastante álcool e outras drogas. Uma turba de gente drogada vagava pela cidade. As pessoas por não ter muitos lugares apropriados para urinar urinavam nos becos e ruelas da capital do Vale do Rio Real. Assim foi o dia até as três da tarde quando o prefeito Clodoaldinho inicia oficialmente o evento: “Meus queridos amigos é com muita satisfação que damos início a mais uma micareta da cidade de Campos. Se divirtam, façam vossa festa com parcimônia e moderação. Sempre lembrando que é apenas uma festa. Evitem brigas e outros conflitos. Que Nosso Senhor vos abençoe”. A banda Gaviões em cima do trio dá o pontapé inicial e o pessoal entra em delírio coletivo. A folia durou a tarde toda. A noite chegou e as pessoas nem perceberam.
Eram 7 horas quando Irshu dá o brado de guerra: “Mortos de Campos eu vos conjuro saiam de vossas covas e tumbas e assolem os moradores desta cidade!” O cemitério gemeu por sete minutos, em seguida as sepulturas estouraram, as covas explodiram de dentro para fora e os mortos recém enterrados e esqueletos velhos saem andando seguindo a rua da aurora e o Largo do Glicério. Era um verdadeiro exército de defuntos. Eles iam e mordiam as pessoas até matar, alguns usavam suas mãos sujas de terra para estrangular as pessoas. A avenida Sete de Junho, a mais importante da cidade onde estavam os trios nada percebia até então.
Enquanto isso no ginásio do Sesi Souto dá início a vigília. Hinos de louvor foram cantados a Deus. Uma áurea de paz e espiritualidade envolvia a cada pessoa. Os caboclos e pretos velhos formam uma nuvem de espíritos sobre o ginásio. Dona Florinda, uma católica fervorosa disse ao padre que havia anjos sobre o lugar. Souto muito se alegrou e pediu ao povo que se ajoelhasse e clamasse a Deus pela cidade. De repente, as portas do ginásio se abrem novamente e pessoas de outras religiões se juntam ao grupo enchendo o lugar de fiéis. Agora eram católicos, espíritas, protestantes e outros que se uniam na fé em Deus para salvar Campos do mal.
A turba de mortos segue matando gente e chega a avenida Sete, Os quimbandeiros provocavam as mais diversas confusões. Brigas, mortes aconteciam no meio da festa que termina parando e o tumulto tomando de conta. Os zumbis avançaram para cima do povo. Muitos correm, mas, sem direção; outros tentam enfrentar e terminam sendo mortos. Os caboclos e pretos velhos vão para a avenida sete e estendem as mãos sobre o povo. Jorge junto deles pega sua baqueta e faz o conjuro: “Espíritos de Barfomet, mortos vivos! Pela pemba sagrada, pela jurema sagrada e em nome de nosso Senhor Jesus Cristo batei em retirada, retornem a sepultura! Espíritos quimbandeiros eu vos maniato e vos ordeno que voltem de onde vieram e não atormentem mais este povo!”
Uma ventania forte vem sobre Campos e com ela Oxumarê. Um arco íris se forma no céu noturno de Campos. Os quimbandeiros são sugados pela luz do arco-íris. As pessoas que estavam na festa caem de joelhos e agradecem a Deus o livramento. Irshu em desespero tenta fugir, mas, Tupynajé o encontra nas águas do rio Jabiberi:
- Para onde vais, Irshu? Pergunta o Cacique da Jurema Sagrada.
- Vou rodear a terra e ver a loucura dos homens.
- Irshu, você sabe que perfeição só em Deus. Continuou o Cacique.
- O homem é mal. Ele destrói o seu próprio povo. O homem arruína sua família, mata pai, mãe, mulher e filhos. Veja as guerras pelo mundo. O homem não merece o bem.
- Irshu, a encarnação de todos é para a evolução do ser. O homem pode aprender e se tornar melhor. Veja o que aconteceu aqui em Campos. As religiões se uniram contra você.
- Não, este ser encarnado é pior que os demônios. Os demônios obedecem a seu senhor. O homem só obedece a sua arrogância.
- Foram dadas quantas vidas forem necessárias para a humanidade se tornar melhor e não é você o juiz. Tupynajé com sua vara faz um movimento circular nas águas do rio e Oxumarê aparece. Oxumarê leva Irshu para as profundezas em um olho d’água...