A CRUZAR O UMBRAL
Já tinha notado muitas vezes o local, ao longe; eu já tinha muita curiosidade sobre o que atraia tantas pessoas ali. Um entra e sai frenético de homens, mulheres e adolescentes. Era um estabelecimento comercial pequeno no subúrbio da cidade, pouco largo e a iluminação deixava a desejar. Por alguns segundos admirei tudo à minha volta. Havia um par de botas que assimilei, não sei porquê, as botas de sete léguas, havia também um belo tapete como do príncipe Ahmed; uma poltrona como a do deus Dharmaradja, tinha uma pedra, não, era um talismã selado na pedra com o símbolo de Salomão, havia ainda um chapéu sem alças como o que Fortunatus possuiu de maneira criminosa.
Logo um homem com um semblante sério veio até mim.
— O que deseja?
— Gostaria de comprar algo especial que me dê poder de viajar longas distâncias. Esses objetos estão à venda? —
Respondi com uma pergunta idiota.
— Sei... — disse o vendedor que ficou pensativo e então tirou do bolso algo pequeno como pedrinhas coloridas e alguns papéis de mesma coloração. — Acho que isso serve para você. — disse, esticando os objetos a mim.
Foi algo inesperado. Eu já tinha visto aquelas coisas em algum lugar. Aqueles comprimidos com desenhos em sua superfície e aqueles papéis com desenhos e cores chamativas. Ele olhou-me como Morfeu e pude ouvir a voz ecoar em minha mente sem que ele abrisse a boca.
— Se sair daqui sem escolher nenhuma das opções que lhe dei, voltará ao mesmo ponto monótono; agora se escolher uma das opções ou ainda às duas você viajará ao inimaginável, visitará outro mundo, um lugar fantástico.
Então aceitei e após pagar saí daquele local em direção à minha casa. A ansiedade tomou conta do meu ser e então ingeri todos aqueles objetos mágicos. Pouco tempo depois pude notar os efeitos da magia. Foi quando relaxei completamente meu corpo. Depois disso, acompanhei um grupo de pessoas. Estava longe dali.
Era noite e nevava. Algumas pessoas caminhavam sobre a neve em busca de alguém, todos com o auxílio de uma lanterna focando pegadas no chão de flocos. Acompanhei-os por dezenas de metros até onde as pegadas desapareceram. Um rapaz estava na dianteira do grupo no meio da escuridão. Parecia inquieto e perdido com o sumiço das pegadas do procurado. "Onde ele foi parar?", perguntou o rapaz.
Dali em diante a névoa era fofa e não podia ter nevado somente naquela parte do caminho, era improvável isso acontecer dentro de um limite tão bem definido. Ao retornar, o grupo de pessoas observaram a trilha e as pegadas que ficaram. Não sei quem eram.
Eu vi tudo e num piscar de olhos vi meu pai caminhar pelo local onde estive. Gritei seu nome alto e carinhosamente, então ele veio ao meu encontro. Pude ver também outros entes ao longe e ainda que tenha gritado o mais alto e forte que pude não ouviram. Mas meu pai está comigo e isso basta.
Tais fatos foram relatados ao médium Neftali pelo espírito de Ramon Dutra que morreu na mesma noite que o pai, o Sr.Jerônimo Dutra. Este último por descomedimento.