Ele veio pedir ajuda

Eram por volta de 3 horas da madrugada quando acordei com a boca seca porque fazia muito calor naqueles dias de fevereiro. Como havia esquecido a garrafa de água que sempre ficava na mesa de cabeceira, calcei as chinelas e me dirigi à cozinha.

Servi um copo no filtro de barro do lado da pia e me virei para beber. Neste momento vi uma imagem estranha. Uma figura parada ao lado da bancada que dividia a cozinha da sala de jantar. Era um homem, não sei exatamente, mas sentia ser um homem. Uma figura escura como uma fumaça, envolta em chamas, parecia sofrer muito e chorava em desespero. Entendi que ele queria me dizer alguma coisa. Mas o quê?

Ele esticou o braço e notei que ele queria que eu olhasse para sua mão, e assim eu fiz. O que eu vi? Havia um orifício do tamanho de uma moeda, bem na palma de sua mão. De repente um som, como de um apito muito alto e estridente, me fez encolher. Tapei os ouvidos com urgência e fechei os olhos, aflita para que aquele som parasse, mas não. Olhei para o homem e vi seu corpo em chamas ascender bem na minha frente. Para onde? Não sei.

Neste instante me vi na janela de um apartamento no quarto andar de uma pequena cidade. Olhei para baixo e vi aquele mesmo homem, que não mais ardia em chamas, correndo de alguém que o perseguia de arma em punho. Estava vestido elegantemente.

No ímpeto de se salvar ele invadiu uma casa com um lindo jardim de rosas brancas, enquanto eu o seguia com o olhar. Seu algoz, em seu encalço, atirou uma, duas vezes. Um dos tiros atingiu sua mão direita. Mais um disparo e ele não resistiu. Caiu em meio às rosas brancas, que agora estavam manchadas. Ouvi a correria.

— Acudam!

— Chamem uma ambulância!

— Respira!

— Não há mais tempo.

Acordei sem ar, suada, tremendo de medo. Graças a Deus tudo não passava de um sonho, muito perturbador por sinal, mas a imagem daquele homem flamejante ainda me transmitia algo. Era como se ele pedisse alguma coisa de mim. Mas eu não sabia o que era. Abracei me marido e demorei a voltar a dormir.

Pela manhã, durante o café, comentei sobre o sonho. Enquanto falava, Almiro me olhava com uma expressão de incredulidade, cenho cerrado. Quando terminei de falar, ele apenas me disse que eu descrevi exatamente o que aconteceu com seu primo que morava no Rio. Foi assim que ele havia sido assassinado no mês de fevereiro de 1982, em pleno carnaval.

Comecei a rir, mais de nervosismo do que de graça. Eu nunca o conheci. Almiro e eu começamos a namorar em 1999. Morávamos em cidades diferentes. Não tinha como eu saber. Nunca fui de acreditar nessas coisas. Baboseira! Mas aquela sensação de que ele queria me dizer alguma coisa permaneceu em mim.

Um ano se passou e mais um sonho. Dessa vez, meu sonho de ser mãe se tornava realidade. Um menino lindo de covinha no queixo me olhava como se me conhecesse profundamente. Seus olhos eram azuis como os meus e sua pele era alva como a neve, exceto pela marca de nascença escura na palma da mão direita.