MISTÉRIO DA MORTE DE UM FUMANTE

Era uma tarde de inverno quando o irmão de João, um homem que havia dedicado grande parte de sua vida ao vício do cigarro e da bebida, deu seu último suspiro aos 81 anos. Durante décadas, ele travou uma batalha consigo mesmo, uma luta que refletia em todos ao seu redor, especialmente em sua esposa, uma mulher forte e resiliente que, apesar de tudo, nunca cedeu aos vícios que consumiam seu marido.

Quando ele precisava de atendimento médico, a situação se tornava caótica. Nos corredores dos hospitais, ele se tornava inquieto, como um animal encurralado, desesperado por uma tragada ou um gole. A segurança muitas vezes precisava intervir, forçando-o a se acalmar, enquanto sua esposa assistia, cansada, mas inabalável, sempre presente, mesmo nos momentos mais difíceis.

Após o falecimento, ela decidiu limpar a casa, uma tarefa que não era apenas física, mas também emocional. A cada parede lavada, cada móvel arejado, ela tentava exorcizar os fantasmas que o cheiro do cigarro havia impregnado em cada canto. Dois anos se passaram desde então, e a casa, agora livre do odor do tabaco, parecia finalmente respirar aliviada.

Certo dia, João fez uma visita à cunhada. Ao conversarem, ela contou algo intrigante. Ela tinha ido a um canto da casa onde seu marido costumava fumar. Ao entrar no cômodo, sentiu o cheiro inconfundível de cigarro. Por um breve momento, foi como se ele estivesse ali, ao seu lado, em carne e osso, segurando o cigarro entre os dedos, como fizera tantas vezes. Ela recuou, levou a mão ao nariz, surpresa com a força da lembrança. Mas, imediatamente, tentou racionalizar o que havia sentido, atribuindo aquilo à sua imaginação, ao poder das memórias que ainda insistiam em assombrá-la.

Por mais que quisesse acreditar que era apenas sua mente pregando peças, algo dentro dela sabia que certas presenças nunca desaparecem completamente, permanecendo vivas nos detalhes mais sutis, como o cheiro que, por alguns momentos  fez o passado ressurgir.

Neri Satter – Agosto de 2024   CONTOS DO SCARAMOUCHE