VOO FORA DE ROTA
Priscila estava inquieta em frente à enorme janela que se abria diante dela. Ela observava cada movimento dos voos naquele aeroporto, parecia inquieta procurando o avião que a levaria para São Paulo, em uma reunião da empresa em que trabalhava. Além desses movimentos de olhares impassivos que ela fazia à procura do destino, falava ao telefone impaciente, enquanto segurava a alça da sua mala de rodinhas, andando pra lá e pra cá, como se quisesse com isso acompanhar os movimentos dos aviões que chegavam e partiam na enorme pista a sua frente.
Em seu rosto manifestava uma expressão inquieta, enquanto conversava com sua amiga Juliana, sua companheira de quarto que morava há 6 meses no bairro nobre de Copacabana no Rio. Eram comuns esses voos do Rio à São Paulo. De São Paulo a Rio. Priscila estava nos entremeios, sempre. E naquele momento, estava Juliana aos prantos no Telefone, e Priscila sabia que algo estava acontecendo com sua amiga. Não era comum essa cena.
“Calma, Ju! O que aconteceu? Por que você está desabando nesse choro? – Perguntou Priscila, preocupada. Entre soluços, Juliana conseguiu responder: – “Eu não posso falar agora, Pri, não por telefone“. “Ok”.
Priscila sentiu seu coração apertar ao ouvir essas palavras misteriosas. O que teria acontecido com sua amiga de tão horrível a ponto de ela chorar desse jeito? Tudo isso vinha em sua mente, enquanto respondeu: “Amiga, eu não posso te ajudar sem saber o que aconteceu. Olha, vamos fazer o seguinte, eu estou esperando um voo para São Paulo, quando eu voltar a gente se senta em algum café e você me fala tudo o que está passando. Está bem?“. Tentava acalmar sua amiga com essas palavras, mas o que não acalmava era sua curiosidade que a instigava em meio ao mistério. Sua amiga respondeu: “Obrigada, Pri, eu vou precisar bastante do seu apoio nesse momento difícil. Boa viagem e me mantenha informada!“. “Ok”, disse a Priscila, em um tom resoluto, mas no fundo era um tom de curiosidade.
Priscila desligou o telefone, e deixou escapar um suspiro. Sentou-se em uma cadeira que estava dando bobeira no Aeroporto, olhou para sua mala, pensou por 5 minutos. Meditou sobre seu trabalho e sobre sua amiga. O que estaria escondendo a sua amiga que não podia falar ao telefone? E se fosse algo grave? Uma morte, uma separação, uma demissão, um acidente? Um conflito familiar? Uma doença? Algo passou despercebido na vida de sua amiga que ela não notou?
Toda uma vida passou em sua mente. Ela seria a única salvação de sua amiga a ponto de ela ter ligado instantes antes de um voo tão importante de seu trabalho? Ponderou bem, o significado de um emprego, e o significado de uma amizade. Dividida nesse momento olhou novamente a mala que levaria nessa viagem de negócios, e olhou para seu pulso em que havia uma pulseira que seria um presente de sua amiga. Uma pulseira banhada a ouro que nem tinha tanto valor financeiro, porém sentimental. Ficou pensativa por alguns minutos, ajustando mentalmente suas prioridades. De repente, sem aviso prévio, Priscila se levantou e foi em direção ao balcão de troca de bilhetes. Ela ia entregar seu bilhete de embarque e explicaria à moça que não poderia mais fazer aquela viagem.
Porém, alguma força a segurou pelo braço. Não era humana essa força, era a força da sua intuição. Algo dizia que sua amiga estava em perigo, e tinha que ir imediatamente aonde a Juliana estava, era caso de vida ou morte. Dizia sua mente. Mas sabia também que não podia faltar àquela reunião. Pri estava dividida. Um olho estava em sua amiga, o outro estava no seu emprego. Era a tal intuição, vacilante.
Seguia sua intuição, ou ia atrás de sua necessidade? Uma voz ao fundo do aeroporto notifica um aviso: “Senhoras e senhores, convidamos os passageiros do voo 444 da Live Air Lines para embarque imediato no portão 1!”. Era o seu voo. Sabia que tinha pouco tempo. Havia feito já o check in e estava no saguão de embarque. Sabia também que sua amiga estava na sua casa precisando de Priscila, ela liga novamente para Juliana. Porém, ninguém atende. O que estaria acontecendo com ela? O suor em seu rosto começa a escorrer em uma corrida frenética, com outra gota de suor.
“Atenção, senhoras e senhores, nova chamada para embarque no voo 444 da Live Air Line, comparecer imediatamente no portão 1”. Segunda chamada. A voz parecia mais impaciente dessa vez. Priscila não tinha mais tempo. O que fazer? Nova ligação para a amiga, e dá ocupado. Dessa vez não foi a amiga que não atendera, e sim estava ocupado o aparelho dela. Mas porque a Juliana não a atendeu da outra vez? E as dúvidas surgem novamente em sua cabeça e a intuição batendo mais forte e a agarrando pelos cabelos. A intuição feminina é uma força viva, não tem como lutar contra ela.
“Senhoras e senhores, última chamada para o voo 444 da Live Air Line. Se não comparecer no portão 1 perderá o voo”. Era isso. Não dava para continuar como estava. Priscila vai ao portão 1, avisa que não embarcará e corre em direção à saída. Ela se perde no caminho, mas em seguida se acha em meio ao devaneio e à paranoia. Não estava vacilando mais, a intuição falou mais forte e as suas pernas já percorriam uma longa jornada até o estacionamento do aeroporto, tinha que alcançar sua amiga antes de qualquer tragédia que pudesse acontecer. Ela entra no carro e acelera.
Um policial liga a sirene, porque Priscila estava acima da velocidade permitida, porém ela acelera ainda mais, entrando e saindo nas ruas e ruelas, nem sabia o caminho que ela estava fazendo. Naquela altura ela estava fora de si, fora da caixa, fora da caixa. O policial a perseguia, mas Priscila entrava em ruas como se fossem labirintos. E acabou por despistar o policial. Ela saiu vitoriosa, mesmo sem saber onde estava. Já estava longe do aeroporto e longe da casa da amiga, porém ela não se importava, porque sabia que venceu o policial.
Pegou um cigarro de sua bolsa, acendeu para comemorar a vitória. Ligou o rádio bem alto, para escutar a sua música favorita. Mal foi o susto dela, uma voz igual ao do aeroporto estava como que falando com ela anunciando a tragédia. O voo 444 da Live Air Line havia sido interrompido por um terrível acidente. O avião caiu no meio da cidade. Todos os passageiros estavam mortos. Ela sabia que deveria ter sido um dos passageiros, mas ela acendeu outro cigarro. Ajeitou o retrovisor. Deu ré e saiu de onde estava com o carro. Sem acelerar dessa vez, entrou em uma das entradas do labirinto da vida. E seguiu a sua jornada triunfante.