Sombras do Passado (conto).
Voltar a Roberto Silveira não era algo que eu tinha planejado.
Depois de tudo o que aconteceu, pensei que nunca mais pisaria nessas terras secas, cobertas pelo pó do tempo. Mas a vida tem um jeito estranho de nos arrastar de volta ao começo, como se as respostas estivessem escondidas exatamente onde tudo começou.
Eu cresci aqui, em uma cidade onde todos se conhecem e nada de novo acontece. Só que, dessa vez, eu não era mais o garoto que sonhava em escapar do lugar. O homem que voltei a ser carrega cicatrizes que ninguém pode ver, e um peso que não consigo largar. O peso da vingança.
Dirigir pela estrada que leva à fazenda da minha família foi como abrir uma ferida antiga. Cada árvore, cada curva da estrada me lembrava de um tempo que já não existe mais. Minha mãe se foi, meu irmão também, e agora meu pai e Jack. Eu não tinha mais ninguém além da necessidade de encontrar o homem que tirou tudo de mim.
Estacionei o Maverick em frente à casa onde cresci. Tudo estava do jeito que eu lembrava, mas ao mesmo tempo, nada era como antes. Entrei e o silêncio me envolveu, denso e impenetrável. As lembranças vinham em flashes: minha mãe na cozinha, meu pai cuidando da terra, Jack correndo pela sala. Mas essas imagens desapareciam rápido, dando lugar ao vazio que agora preenchia tudo.
Eu não tinha muitas pistas sobre o homem que eu procurava.
Ninguém sabia seu nome, mas todos pareciam temê-lo, como se a própria sombra dele fosse uma ameaça.
Decidi começar pelo bar local, o único lugar onde as pessoas ainda se reuniam para tentar escapar da realidade, mesmo que por algumas horas.
O bar era o mesmo, com as paredes desbotadas e o cheiro de álcool velho no ar. A única coisa diferente era o olhar dos frequentadores – homens e mulheres que já não me reconheciam mais, ou talvez escolhessem não lembrar de mim.
Sentei no balcão, pedi uma cerveja e esperei. Às vezes, a melhor maneira de obter informações é apenas ouvir. As conversas eram as mesmas, sobre colheitas, problemas na cidade, mas então, ouvi algo que me prendeu a atenção: um forasteiro, alguém que chegou pouco antes da morte do meu pai e de Jack. Eles falavam dele com receio, como se qualquer menção ao nome pudesse trazer má sorte.
"Ele ficava naquela casa velha, na beira da estrada," ouvi alguém dizer, e isso foi o suficiente para me fazer sair dali.
Dirigi até a casa que conhecia tão bem – uma cabana velha e abandonada, que costumava ser o esconderijo dos garotos da cidade. Agora, era apenas uma carcaça apodrecida, um lugar onde o vento parecia sussurrar segredos de tempos passados.
Entrei com cuidado, o piso rangendo sob minhas botas. Vasculhei cada canto, procurando por algo que pudesse me dar mais do que apenas um nome ou uma impressão. E então, encontrei: um maço de cigarros, ainda fresco, jogado no canto de uma mesa empoeirada. O homem tinha estado ali, e talvez não estivesse longe.
Guardei o maço no bolso, sentindo a primeira faísca de esperança desde que voltei a essa cidade. Eu estava começando a montar o quebra-cabeça, mas ainda faltavam muitas peças.
Sabia que minha busca estava apenas começando, e que o caminho à frente seria longo e cheio de sombras. Mas eu estava preparado. Eu tinha que estar.
Saí da cabana e olhei para o céu que começava a escurecer. As estrelas surgiam uma a uma, como testemunhas silenciosas daquilo que eu estava prestes a fazer. Ligar o carro e partir, deixando Roberto Silveira mais uma vez, mas dessa vez sabendo que minha missão ainda não estava completa. Não até que eu encontrasse aquele homem e fizesse justiça com as minhas próprias mãos.