Recordações ao volante
Os clientes habituais da manhã já haviam saído, quando um Chevrolet Camaro areia, duas faixas negras no capô, passou em frente à entrada do café e estacionou ao lado de um parquímetro, mais à frente. Não precisei esperar muito para ver quem era a motorista: uma garota loura, magra, óculos Ray-Ban Aviador, blusa branca com listras horizontais vermelhas e pantalonas jeans. A tiracolo, uma bolsa de couro que parecia pesada.
- Oi! - Ela acenou para mim ao entrar. - Você é a Wanda?
- Bom dia. Eu mesma - respondi, de trás do balcão.
A garota colocou a bolsa sobre uma das mesinhas e sentou-se numa cadeira, de frente para mim.
- George me mandou - declarou ela, tirando os óculos e os pendurando na gola da blusa. - Sou Melpomeni.
- Oi Melpomeni. O que posso fazer por você? - Indaguei, tentando não demonstrar curiosidade.
- Acho que vou querer... quiche Lorraine e café com creme - respondeu, após olhar para o cardápio na parede.
Vana, que estava nos fundos, arrumando o estoque apareceu e deu uma encarada na recém-chegada.
- Oi! - Acenou Melpomeni.
- Essa é a Vana, ela trabalha aqui - identifiquei-a um tanto desnecessariamente, já que Vana estava usando uniforme de garçonete.
- Oi - respondeu Vana, parecendo surpresa com a visitante.
- Pode servir - disse, para quebrar o clima estranho que estava se formando.
Ela colocou o pedido numa bandeja e serviu a cliente, que a encarava como se a estivesse reconhecendo de algum lugar. Vana também percebeu isso, pois indagou:
- A gente se conhece?
Melpomeni fez que não com a cabeça.
- Eu lembraria, se já tivéssemos nos encontrado. Mas é exatamente por sua causa que estou aqui.
- Você não é da Imigração, não é? - Questionei, mãos apoiadas no balcão.
Melpomeni deu uma risadinha.
- Não, acho que agentes da Imigração não se vestem como eu... muito menos dirigem Camaros.
E antes que eu perguntasse:
- Eu sou... psicóloga. George me falou sobre o caso da Vana.
- Também não é daqui de Havana - comentei com Vana.
- Eu venho de Tally - declarou Melpomeni. - Fiquei realmente interessada na situação da Vana, e acho que posso ajudá-la a recuperar a memória.
- Isso é bom - foi minha resposta protocolar. Mas eu estava pensando que, justo agora que havia arranjado alguém para me ajudar no café, aparecia uma psicóloga que a colocaria de volta no caminho para Savannah, ou fosse lá de onde Vana havia vindo. Depois, me arrependi do pensamento, pois afinal, isso era puro egoísmo da minha parte.
- Você acha que consegue? - Vana abriu um sorriso verdadeiramente feliz.
- Eu sou boa em recuperar memórias - afirmou Melpomeni com propriedade, antes de cortar um pedaço de quiche com o garfo.