Pacto Espiritual
Já caia a tarde quando Sérgio e Elaine deixaram a estrada principal e pegaram uma estrada estreita ladeada por arbustos floridos que era de encher os olhos. Depois de um período difícil tanto nos negócios quanto na vida pessoal decidiram se hospedar em um Hotel Fazenda para tentar equilibrar o casamento e pensar no que fazer. Queriam um lugar tranquilo e lindo onde pudessem se reaproximar e reavivar o amor que sentiam um pelo outro. Estavam casados há onze anos. Era a segunda crise que enfrentavam e sabiam que o amor ia vencer mais uma vez. Fizeram muitos planos, estavam entusiasmados.
Chegaram e se encantaram com o lugar. A fazenda datava do Século XIX, da época da escravidão e foi transformada em um lindo hotel. A casa grande era belíssima. Estava toda iluminada e seu estilo arquitetônico era austero e de muito bom gosto. Os chalés ao redor eram aconchegantes e confortáveis e foi em um deles que se hospedaram.
Já instalados eles ficaram conversando, planejando o dia seguinte e namorando. Ainda lhes restava muito amor, desejos e um fogo delicioso que se acendia sempre que se acariciavam. Aconchegados, já estavam quase dormindo quando ouviram um barulho lá fora. Parecia um ritual de candomblé ou umbanda. Ficaram ouvindo. Resolveram abrir a janela e olhar. Não tinham nada. Estava tudo escuro e deserto. No dia seguinte comentaram sobre o acontecido e lhes disseram que não houve nenhum ritual ali. Ficaram sabendo que onde atualmente é o chalé em que estavam foi a senzala da fazenda.
Na noite seguinte ouviram outros barulhos como se fossem lamentos, mas como não tinham medo e conheciam sobre fenômenos sobrenaturais, espiritismo e sobre as religiões de raiz africana ficaram apenas ouvindo e pensando se havia uma mensagem que queriam passar, já que em senzalas aconteceram muitos horrores e sofrimento.
Estavam se divertindo, fazendo passeios e sentiam que todos os problemas ficariam para traz e que aqueles dias de descanso e proximidade iriam iluminá-los para renovar o amor e novas idéias para a empresa que administravam juntos.
Na penúltima noite naquele lugar eles jantaram, dançaram e brindaram o amor. Voltando para o chalé o fogo do amor os arrebatou. Exaustos adormeceram abraçados. No meio da noite ouviram batidas na porta. Ao abrir se depararam com um senhor negro, alto e magro. Ele trazia um enorme terço na mão. Começou a falar pausada e calmamente:
—Eu preciso muito da ajuda de vocês.
—Quem é o senhor?
—Não interessa quem sou. Depois de contar a minha história vocês vão entender. Meus antepassados vieram da África na época da escravidão. Foram capturados e escravizados num ato de crueldade e desrespeito. Sou de uma família que sempre praticou religião de origem africana. Benzedores e curandeiros, sempre praticamos a benzeção e a cura com ervas e chás. Meu trisavô sabia que um dia a tradição seria esquecida e então fez um pacto espiritual que comprometia várias gerações de sua família, nove exatamente. Não pensou que um dia este pacto seria rompido por alguma geração que se recusaria a seguir em frente. Eu pertenço à quinta geração. Logo meu filho e neto estão envolvidos. Meu bisneto e trineto também. Mas os tempos mudaram e meu filho se recusa a seguir a tradição e cumprir o pacto. Isto pode lançar uma maldição sobre a família e desassossegar o meu descanso e de meus antepassados. Por esse motivo, preciso da ajuda de vocês. Preciso que levem ao meu filho este terço e uma mensagem. Ele precisa seguir a tradição para que a harmonia reine na família.
—Mas por que nós? Por que o senhor mesmo não conversa com ele.
—Não posso porque ele não me pode me ouvir. Está fora do meu alcance falar com ele. Façam este grande bem pra mim. Vocês têm força espiritual para a tarefa.
—Nós nem conhecemos o senhor ou o seu filho. Não sabemos como poderíamos ajudar.
—Escrevam a mensagem que vou ditar. Entreguem a ele junto com este terço e ele saberá o que fazer.
—Nem sabemos como encontrar seu filho.
—Quando saírem daqui pra voltar pra casa, a estrada passa dentro da primeira cidade. Na última rua antes do fim do perímetro urbano, virem à direita. Perguntem por Toninho do Tião Benzedor e qualquer um vai mostrar onde ele mora.
—Não estamos certos de que devemos nos envolver nesta história tão estranha.
—Sei que vão fazer isso por mim. O Deus de poder vai clarear suas idéias. — impondo a mão sobre suas cabeças — O que vieram buscar já foi dado, o que vieram procurar já foi encontrado. Sigam em paz pois o amor e a prosperidade estão no seu caminho. — e desapareceu como que por encanto
No dia seguinte ao acordar Sérgio disse:
—Tive um sonho estranho esta noite. Um senhor nos pedindo ajuda e contando uma história esquisita.
—Eu também tive um sonho estranho. Será o mesmo senhor?
Contaram o sonho. Ao sair encontraram na porta do chalé um enorme terço e um envelope cujo destinatário era Toninho do Tião Benzedor. A letra era de Sérgio e eles se assustaram. Depois de muito pensar e dialogar decidiram que iam procurar por Toninho e entregar a encomenda.
No domingo logo após o almoço ganharam a estrada e na rua indicada encontraram Toninho. Explicaram a ele porque estavam ali e entregaram a carta e o terço.
—Como meu pai pode escrever uma carta? Em primeiro lugar, ele morreu há mais de um ano e depois mal escrevia o próprio nome.
—Ele pediu pra eu escrever. Não sei bem como ocorreu, mas a letra no envelope é minha. Tudo aconteceu como se fosse um sonho. Eu não sei explicar bem os fatos, mas creia, foi aquele que está naquela foto que conversou conosco.
—Esta história está muito mal contada. Quando meu pai morreu, fugindo das tradições e encargos eu joguei este rosário no lixo. Como ele pode estar com vocês? Sei que é o terço que meu pai usava porque tem marcas e características próprias. Está na família há várias gerações. Como meu pai pode ter conversado com estranhos e não comigo?
—Ele nos disse que não tem como conversar com você, que você está fora do alcance dele, talvez porque esteja fugindo do pacto. Nós somos muito espiritualizados e espiritualistas. Leia a carta. Nós estamos aflitos pois não queremos deixar de cumprir a missão que ele nos deu.
Ele abriu o envelope e leu. Lágrimas caíram dos seus olhos. Sabia que era uma mensagem do pai. Ali ele dizia porque não podia fugir de sua missão e o encorajava a levar até o fim o pacto espiritual de seus antepassados.
—Eu não tenho como fugir de meu destino. Meu pai sempre me preparou para ele. Mas não vou me anular por isso. Vou fazer as orações, infusões, chás e garrafadas no meu tempo livre. Não vou deixar de lado o meu trabalho, família e lazer. Meu coração também dói por ter que passar meus conhecimentos ao meu filho e o obrigar a cumprir uma missão que nem eu nem ele queríamos ou pedimos.
—Mas você vai fazer o bem a muitas pessoas e isso é gratificante. É um dom que têm para ajudar o próximo. Pense nisso como uma missão sublime e não como um fardo.
—Eu sei de mim. Se pudesse não faria nem por um dia o que vou ter que fazer e ainda obrigar meu filho que um dia vai obrigar meu neto e por aí vai. Mas eu vou tentar fazer com que não seja um fardo tão pesado. Venham aqui ele pediu para eu benzê-los. — ele os benzeu e os passou pelo rosário sete vezes e depois disse —Esperem aqui. Vou fazer a garrafada que ele pediu para entregá-los. — saiu e ao voltar disse — O que vieram buscar já foi dado, o que vieram procurar já foi encontrado. Sigam em paz pois o amor e a prosperidade estão no seu caminho.
Eles saíram. Foram embora com a alma leve. O casamento renovou-se e os negócios começaram a melhorar. Sempre que passavam por aquela estrada procuravam Toninho e eram benzidos por ele que se conformou e até tomou gosto por sua missão. O pacto espiritual seguia seu curso e a família não receberia a maldição e sim as bênçãos de Deus.