Uma Estrada para a Cidade Fantasma
Miguel abriu seus olhos depois de fechá-los por exatos 33 minutos. Não sabia por que estava fazendo isso. Suspirou. Olhou para a direita e olhou para a esquerda. Era o dia de seu aniversário e havia encostado o carro na beira da estrada. Olhou as placas que diziam exatamente o que ele devia fazer. Quantos km faltavam para tais e tais cidades. Dizendo a velocidade máxima que ele deveria percorrer. Dizendo pare, quando deveria parar. Siga, quando deveria seguir. Ele estava cansado de tantas indicações. Respirou fundo. Estava sufocado.
O carro estava parado havia algum tempo. Nenhum carro estava atravessando o seu caminho. Nenhum pedestre o xingara. Nenhum guarda queria multá-lo. Nada para mudar sua rotina. Nenhuma nuvem no céu poderia alterar a paisagem insólita que havia se transfigurado o seu humor. Não estava irritado, tampouco estava aliviado. Estava parado.
De repente, não mais que de repente, num abrir e fechar de olhos, tudo estava mudado. As placas que ele havia reparado, mostravam outras cidades. Outras direções. Outras indicações. Até mesmo as rachaduras que havia na estrada não estavam mais lá. O tempo, no céu, estava fechado. Ele entrou rapidamente no seu carro e começou a acelerar, como estava acelerado o seu coração. Algo despertou o seu instinto mais selvagem, a placa que indicava a velocidade máxima não estava mais lá, sentiu então que poderia acelerar à vontade. Lá em frente, lá onde não havia mais sentidos ou estações ele encontraria uma cidade onde ele teve que parar, não por obrigação, mas por próprio desejo. Não era o medo, e sim a vontade de estacionar sua curiosidade em outras pessoas, conectar sua expectativa em outros lugares. Parou o carro nessa cidade que não se nomeava, não havia placa de nome de cidade, nem havia um comércio com lojas que carregassem o nome da cidade. Ao contrário, ele estacionou o carro, saiu e olhou para dentro de si a paisagem aberta que se encontrava em sua frente, seria uma cidade fantasma? Perguntou a si mesmo com um ar de “tomara que sim”, seria um acontecimento em sua pequena biografia de 20 anos bem no dia de seu aniversário de número 21.
E começou a caminhar pela cidade, a entrar nas lojas, a abrir as portas, a atravessar as ruas, a entrar nos carros alheios. Não encontrava, entretanto, o movimento de pernadas apavoradas que ele via em sua cidade natal. Era uma cidade fantasma? Mas nem encontrava um sinal de fantasma. Continuou caminhando e entrando nos lugares. Não tinha sombras, pernas, movimentos, braços. Só tinha o tempo estacionado em sua mente. Será que de repente todos fugiram de algum perigo nesta cidade? Mas ele não via nada pela metade, ninguém abandonara as coisas e fugiram. Porque haveria vestígios. Ele como um detetive começou a investigação, sozinho, sem parceiros como costumamos ver em filmes investigativos.
Não tinha nessa investigação, tampouco, suspeitos, ou testemunhas pra entrevistar. Nenhuma viva alma para contar história. Estava tudo muito estranho.
Ele reparou em uma das ruas que parecia ser a rua principal da cidade fantasma um prédio que se destacava dos outros. Caminhou até em frente desse prédio, era imenso. Olhou para cima lá onde arranhava o céu, e ficou uma hora hipnotizado pelo grande edifício. Decidiu entrar. Como imaginou nem uma alma viva. Entrou no elevador. Havia 40 andares. Ele estava no térreo e resolveu subir até o último andar. Depois de quinze minutos ele estava no topo da tal cidade misteriosa. Saiu do elevador e havia um observatório, uma janela que ocupava toda a parede. Ele pedia vislumbrar a cidade inteira. Coisa mais linda. Pensou imediatamente. Do topo, a cidade não parecia ser nada diferente de qualquer outra cidade. Não apresentava movimento. Não se via ninguém. Parecia uma cidade normal, mas ele sabia que não era uma cidade normal. Porque estava lá embaixo há alguns minutos atrás.
Nesse último andar e estava caminhando pelos corredores e não encontrava nada. Ninguém. Resolveu entrar em um dos quartos. E deitou-se na cama. Estava cansado. Afinal de contas foi um dia nada peculiar. Caminhou por toda a cidade, procurando qualquer coisa. As suas pernas estavam cansadas. Sua mente confusa, porém, estava se acostumando ao som do silêncio e a visão do nada. Ele estava se acostumando. Moldando-se à nova realidade. Dormiu um sono profundo e misterioso. Esperando que o dia seguinte trouxesse alguma resposta, mas de quem? Indagou. Estava cansado e dormiu.
No dia seguinte, foi acordado por um despertador. E o seu funcionário do hotel batia na porta despretensiosamente. Miguel abriu a porta confuso. Porque não havia programado o despertador e no dia anterior não havia encontrado ninguém naquela cidade. Naquele hotel ou em qualquer local daquele dia.
Bom dia, senhor, Miguel. O café-da-manhã está pronto.
Confuso, Miguel se esqueceu de responder, mas aceitou a sugestão do seu guia. E o seguiu até o elevador. Desceram por um instante. E chegando ao saguão várias pessoas estavam atravessando os corredores de um lado para o outro. Atropelando o pensamento de Miguel. Esbarrando-se um no outro. Miguel continuou seguindo o funcionário até o refeitório onde havia uma mesa com todo o café-da-manhã já preparado como ele mesmo havia orientado. Nesse percurso, várias pessoas cumprimentaram Miguel sem que esse soubesse quem era, ele apenas respondia confuso, “bom dia”. “Olá, tudo bem?”. “Bom te ver”.
Sentou-se à mesa, e começou a saborear tudo aquilo que estava disponível para ele. Como se não houvesse amanhã, era bolo, café, pão de diversos tipos. O funcionário já havia se retirado para que ele tivesse a privacidade que estava acostumado. Era só mais um dia na vida de Miguel, o jovem empreendedor bem-sucedido, que havia alcançado seu milhão antes dos 18 anos e que vivia de cidade em cidade vendendo o sonho que outras pessoas queriam ouvir em suas palestras. Era só mais um desses gurus. Mais um dia na vida desse guerreiro.