Filho da natureza
Estávamos no final dos anos 70, uma época em que "paz e amor" e "não faça guerra" eram hinos universais entre os jovens.
Eu, um jovem de 18 anos, gostava de estar conectado à natureza e sempre viajava quando conseguia. Acabara de ganhar um fusca do meu pai e não via a hora de pegar a estrada rumo à praia.
Juntei minha turma de amigos e fui rumo a Santos. Meu coração acelerava quando o cheiro do mar começava a ser sentido de dentro daquele carro. Iríamos acampar na praia mesmo, dormir sob a luz do luar.
Estacionei meu fusca perto da praia, tiramos todas as coisas e fizemos uma fogueira. Entre muitas risadas, o cigarro da erva medicinal ia passando de boca em boca. Peguei um violão e comecei a cantar. Entre uma estrofe e outra, eu olhava para todos ali como se estivesse em um sonho, rodeado de amigos e tendo a natureza como plano de fundo:
"Caminhando e cantando e seguindo a canção Somos todos iguais, braços dados ou não..."
Vimos o dia amanhecer, o sol nascendo no horizonte do mar. Como a natureza era perfeita e bela, tudo nela era feito da mais pura arte.
Resolvemos nadar, andamos no meio das pedras da encosta do mar, cada um pulando no mar como se fosse um campeonato de quem era mais corajoso. Eu, um jovem tolo querendo impressionar com minha heróica coragem, subi na parte mais alta. Todos vociferavam em uma única comunhão:
"André, sai daí! Para de fazer graça!"
Não dei ouvidos. Sai correndo em um impulso e me joguei de cabeça. Enquanto meu corpo caía na água, meu coração acelerava. Sentia a adrenalina percorrer meu corpo, a leveza do meu peso, o vento batendo forte em meu rosto. Fechei os olhos quando o mar se aproximava.
Senti meu corpo afundar no mar. Como uma âncora jogada por navios, eu quase pude sentir o peso da profundidade daquelas águas me puxando para baixo. Abrindo meus olhos, me assustei. Tudo era escuro demais, não entendia como poderia estar tão no fundo do mar. Com medo, comecei a subir à superfície.
Ao subir, quase sem fôlego, eu não acreditava no que via. Já estava de noite, o céu negro, a luz da lua iluminando o mar, e um silêncio absoluto. Olhei para as pedras e não vi mais ninguém. Ao longe, eu via a praia deserta. Comecei a dar grandes braçadas rumo à terra. Conforme ia me aproximando, minha preocupação aumentava.
Chegando na praia, comecei a chamar meus amigos, confuso, sem entender como poderia ter ficado tanto tempo mergulhando que o dia ensolarado fora trocado por uma noite fria e escura!
Andei, procurei por alguém, procurei meu carro e não encontrei ninguém. Fui até algumas casas à frente e todas estavam trancadas. O frio começou a castigar e a fome já me cobrava. Tudo aquilo parecia um sonho. Será que eu estava dormindo? Se eu dormisse de novo no sonho, eu acordaria na minha realidade?
Confuso, com frio, eu continuava caminhando, dessa vez de volta à praia. Alguém iria aparecer! Me sentei olhando para o mar e percebi que não havia ondas, não ouvia barulho, não havia gaivotas sobrevoando. Me encolhi na areia em modo fetal, duvidando da minha sanidade, temendo ter entrado em alguma fenda e me perdido e parado em outro lugar.
Acordei tremendo, abri meus olhos e nada tinha mudado. Estava no mesmo lugar, abandonado pelo tempo e pelas pessoas. Talvez se eu entrasse de novo no mar e nadasse, eu encontraria minha praia. Subi na mesma pedra e me joguei novamente no mar.
Voltando à superfície, nada tinha mudado. Olhei para a lua e gritei alto com toda força que tinha. Não se ouvia nem o eco da minha voz.
Parado ali sem saber para onde ir, senti algo puxando meus pés. Puxando de novo e de novo, lutando para me soltar daquelas mãos invisíveis. A cada puxada, eu me afundava e voltava à superfície. Na terceira puxada, aquilo segurou com muita força minhas pernas e foi me arrastando para o fundo do mar. Já não conseguia fazer nada, engolindo água salgada, sentindo-a arranhar meu nariz quando eu aspirava. Perdendo toda e qualquer força, eu abri os olhos e vi uma luz. A luz aumentava e emanava uma paz que eu nunca sentira. A luz foi ficando maior e, mais próximo dela, fui engolido. Fechei meus olhos e pensei em minha família, meus amigos, e tudo se silenciou.
Acordei tossindo e cuspindo água, meus amigos ao meu redor gritando.
"Ele voltou, ele voltou, André fala com a gente!"
Sentei atordoado, sem entender nada, até ouvir dos meus amigos que, quando eu pulei no mar, bati a cabeça e me afoguei, quase morrendo!
Hoje, mais velho, me lembro disso com grande dúvida. Nunca tive coragem de contar o que aconteceu comigo.
Nasci novamente e, dessa vez, o mar tinha me dado à luz, enfim, filho da natureza!