UM LATROCÍNIO DE MÉDIO PRAZO
Aquela era sem dúvida uma típica família da classe média carioca, em todos os sentidos, residiam em bom apartamento na zona sul, tiveram um casal de filhos, contavam com uma doméstica para dar conta dos afazeres domésticos e finalmente dois carros que permitiam aos adultos, agilidade para ir e vir do trabalho e para viagens nos finais de semana.
Todo mundo tem consciência, principalmente entre profissionais liberais, que o avançar da idade demandas tendam a se reduzir, e infelizmente para aqueles que não se preveniram financeiramente, precisarão minimizar suas despesas futuras.
Para o caso deles, não houve solução satisfatória dos problemas financeiros, então, Bento, o filho mais velho, resolveu abrir mão da individualidade de sua família, nessa altura já contando com dois filhos, e retornou a casa dos pais. A ideia inicial seria conter o ímpeto gastador dos pais e simultaneamente assumir contas das concessionárias e do super mercado.
Assim, o amplo apartamento voltou a contar com uma compatibilidade entre espaço e quantidade de moradores. Os pais Rogério e Bianca puderam momentaneamente sair da crise, crise essa que muitas vezes não permitia sequer honrar compromissos não só com a empregada doméstica, mas também com a dispensa, que invariavelmente ficava vazia antes do final do mês.
Patrícia, a irmã, que nunca moveu uma palha em prol dos pais, mantinha sua vida quase espartana de professora da rede municipal. Escolhia a hora certa de visita aos pais, sempre aparecia para almoçar ou jantar, ainda trazendo a tiracolo o namorado mais recente.
Por falta de demanda por seu trabalho habitual, seu talentoso pai resolveu botar para fora o pintor que dormira até então em berço esplêndido. E não é que deu certo!
Bento agora, além de seu trabalho oficial, passara a ser uma espécie de empresário do artista da família.
Interessante essa ideia de florescer numa profissão, apenas na fase idosa, e ele se dedicou com unhas e dentes a produzir quadros com uma versatilidade e originalidade quase incompatível com a idade.
Mas o tempo é mesmo cruel, com o avançar da idade, pouco a pouco, o cansaço já não lhe permitia ficar de pé, por tantas horas seguidas. Os clientes também declinaram nas compras,e uma solução mais radical foi proposta por Bento, e prontamente aceita pelos pais.
Venderiam o apartamento localizado numa área nobre, e com o valor obtido, comprariam um imóvel mais simples, na própria zona sul, porém num bairro menos valorizado.
Tudo ocorreu como Bento idealizou, com a compra de uma casa de vila em Botafogo, Bento não gastou nem metade do valor recebido pelo apartamento. Agora, os pais poderiam desfrutar de uma velhice sem altos e baixos, pois o rendimento das aplicações cobriria as despesas fixas do casal, e ainda sobrariam suas pequenas aposentadorias para fazerem alguma extravagância, que ambos sempre apreciaram, e tinham sido suprimidas do cardápio já fazia um bom tempo.
Aí veio o destino pregar uma peça na vida do casal, Bianca da noite para o dia passou mal, e em seguida veio a óbito. Sequer teve tempo suficiente para aproveitar esse auspicioso momento financeiro do casal.
Mas o pior ainda estava por vir, dois meses após a morte da mãe, quem veio a falecer, também repentinamente, foi Bento.
Antes mesmo do enterro de Bento, Patrícia com o consentimento de Rogério, passara a ser a controladora dos valores aplicados, o que a princípio seria natural, mas a urgência, esta foi sim um forte indicador do que viria pela frente.
Em um mês Helga, a única filha de Patrícia já estava morando no exterior, numa evidente incompatibilidade de gastos com a realidade de uma professora primária da rede pública.
O que seria a garantia de uma vida tranquila para o casal de idosos, rapidamente derretera na mão da gestora financeira. Não demorou muito para a vida de Rogério voltar à estaca zero, Patrícia já começara o corte de gastos com alimentação e negociara a redução de salário da antiga empregada doméstica.
Não precisa de muita criatividade para saber com terminou essa história, basta lembrar que Patrícia ao ver a conta secando, resolver queimar a última reserva da família, colocou a casa a venda e transferiu o pai para um desses depósitos de idosos, sabidamente uma forma natural de abreviar o tempo de vida de um idoso.
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