Luísa olhou para o sótão e pensou em esconder-se lá, como fazia nos seus tempos de menina. Enquanto perambulava pela casa, ouviu a vizinha contar alguma fofoca para a tia, certamente outra grande revelação sem nenhuma importância. Quis entrar no seu quarto, mas permaneceu imóvel na porta. Lá dentro estava o seu futuro. Que bom seria, se fosse possível deixá-lo trancado, inacessível para sempre.

 

Resolveu adiar o inevitável, e voltou a percorrer os cômodos do sobrado. Os livros na estante, os retratos, um urso de pelúcia jogado no sofá: todos os objetos e cantos da casa lhe davam adeus. Luísa sentia-se como uma condenada prestes a subir no patíbulo. Repassou em sua mente os planos que Ana arquitetara havia semanas, e estava a ponto de aceitá-los, mas logo rejeitou essa ideia: Dona Inês não suportaria a decepção.

 

Na varanda, a tia e a vizinha falavam sobre ela:

 

— E a Luísa? Pronta pra amanhã?

 

— Mal consegue disfarçar a felicidade…

 

— Também pudera… que menina de sorte.

 

Ao passar pela janela da sala, Luísa viu a costureira abrindo o portão. Desnorteada, entrou de supetão no seu quarto. O vestido de noiva brilhava como um fantasma na escuridão.

 

— Antes fosse o vestido do meu enterro — balbuciou.

 

A costureira juntou-se à roda das fofocas. Luísa fechou os olhos e tentou imaginar o que lhe aguardava. Vislumbrou o altar, o sacerdote, as testemunhas. Vislumbrou o olhar sempre faminto do noivo, percebeu o ódio de Helena, e encarou Ana, que a contragosto, sorria. 

 

Assaltada por tantas emoções, Luísa entregou-se ao choro.

 

— Chorando de felicidade, né querida — era a tia, que entrara no quarto na surdina.

 

— Dona Gertrudes veio fazer os últimos ajustes no vestido.

 

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Antes de o dia clarear, Dona Inês já estava de pé. Por volta das oito horas chegaram alguns parentes que moravam em outras cidades. Dona Inês pensou em acordar Luísa, mas resolveu deixá-la dormir mais um pouco. O dia seria puxado: manicure, pedicure, cabeleireira, maquiagem. Luísa precisaria passar por toda essa metamorfose destinada às noivas.

 

Eram nove horas quando a pedicure chegou. Dona Inês foi ao quarto chamar a sobrinha, mas ninguém atendeu. Percebeu que a porta estava destrancada e  entrou. Luísa e o vestido não estavam lá. Dona Inês dirigiu-se ao quarto onde alojara a família de seu irmão, imaginando que Luísa havia levado o vestido para mostrar às primas. Nada. Percorreu, já ansiosa, todos os cômodos da casa, e um sentimento de angústia começava a invadir o seu coração, quando se lembrou do sótão.

 

— Essa danada…

 

Subiu as escadas pensando na bronca que daria na sobrinha. Abriu o alçapão. O sótão também estava vazio. Uma borboleta branca posou-lhe na face, como se quisesse lhe dar um beijo, e voou para os girassóis do jardim. O desespero tomou conta de Dona Inês. Grupos de busca foram criados. Procuraram no pomar, na vizinhança, nas casas dos amigos, na delegacia, nos hospitais da região: nada.

 

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Faz dois anos que Luísa desapareceu. Após seis meses de investigação, a polícia arquivou o caso, alegando falta de pistas. Apesar de a família do noivo ter oferecido uma generosa recompensa por qualquer informação que ajudasse a desvendar o mistério, nada de relevante foi descoberto.

 

O noivo casou-se com Helena. Dizem as más línguas, que os dois eram amantes de longa data. Ana, um mês após o sumiço de Luísa, mudou-se para a Itália, onde trabalha como estilista. Dona Inês vendeu o sobrado. Com o dinheiro da venda, resolveu aceitar o convite de Ana e partiu para o velho mundo, de onde nunca mais voltou.

 

Diversas teorias foram levantadas para explicar o desaparecimento da jovem noiva. Os de imaginação mais fértil alegam que Luísa foi abduzida por alienígenas, ou que vive em outra dimensão, cujo portal está no sótão. Alguns dizem que ela tinha um amante, e que os dois estão morando no Paraguai. Outros dizem que ela foi assassinada, e que o corpo está enterrado no jardim, sob os girassóis.

 

Há também estranhos relatos de pessoas, que juram ter visto uma noiva na janela do sótão, uma noiva contemplando as estrelas nas noites de primavera. Arquimedes, o andarilho bêbado da cidade, foi ainda mais longe: jurou ter visto a noiva na janela do sotão transformar-se numa linda borboleta branca.