O Representante Comercial
Olá a todos! Meu nome é Mauro, tenho 56 anos, vou relatar algo muito estranho que aconteceu comigo lá pelos anos 90, na época eu trabalhava como representante comercial de uma grande empresa de máquinas agrícolas, e como a comunicação com os clientes naquele tempo não era tão fácil como nos dias de hoje, eu precisava viajar bastante por cidades do interior a fim de apresentar e oferecer meus produtos, foi assim durante bons anos nesse ramo, contudo em uma dessas viagens aconteceu um incidente que até hoje eu não sei explicar...
Era uma noite de domingo, eu seguia pela estrada no meu velho Chevrolet Ômega 1994 ao som de alguns hits nostálgicos dos anos 70 e 80, a programação que tocava na rádio combinava de maneira perfeita com a bela lua cheia que pairava sobre os campos e serras naquela noite, lembro que foi um percurso tranquilo com poucas curvas e poucos veículos na estrada, através de uma paisagem rural com pequenos povoados às margens da rodovia, levei quase 04 horas para chegar ao meu destino e quando cruzei a placa de boas vindas da cidade, desejava apenas um banho e uma bela cama para um merecido descanso.
Como se tratava de um lugar que eu nunca havia visitado, precisei de ajuda para chegar ao hotel, pois no momento da reserva o funcionário não tinha sido tão assertivo em suas orientações, mas disse que bastava apenas seguir as placas que encontraria facilmente o local, parei em um posto de gasolina que ficava logo na entrada da cidade para pedir informações, estacionei, esperei um pouco, apesar das luzes acesas aparentemente o posto já estava fechado, visto que ninguém apareceu para me atender, segui adiante e pouco tempo depois cheguei em uma rotatória, tomando a via da direita em direção ao centro, conforme indicava a placa, dali em diante ficaria mais fácil me localizar. Desci a rua passando por casas e alguns pequenos comércios, atento a qualquer informação que indicasse a direção do hotel, porém sem êxito, enquanto cruzava as ruas vi que tratava-se de uma cidade pequena, com aquele ar interiorano, pacato, em que os moradores ficam jogando conversa fora até tarde, mas apesar dessa impressão até aquele momento eu não tinha visto uma pessoa sequer, por mais que fosse domingo e quase dez horas da noite, era um tanto incomum não ter visto ninguém pelas ruas, nem carro ou alguma moto passando, mas em contrapartida dentro das casas via-se as luzes dos televisores através das janelas, indicando que pelo menos havia vida por ali, mesmo assim fiquei com uma sensação esquisita sobre isso.
Após rodar bastante, finalmente encontrei uma placa indicando a direção do hotel, já encontrava-me exausto e tudo que eu queria era descansar, nisso pisei fundo no acelerador para chegar o quanto antes, o Ômega trepidava sobre as ruas de paralelepípedos, os postes com suas luzes cor de âmbar dava um ar antigo e misterioso aquele lugar, uma luz morna e sem intensidade, deixando tudo sobre uma vasta penumbra, enquanto eu testava toda a capacidade do motor em uma arrancada que levou meu coração a boca, fui pego de surpresa com um buraco na parte mal iluminada da rua, tentei esquivar no reflexo, mas não consegui desviar a tempo, o pneu esquerdo traseiro pegou bem em cheio, rasgando na hora, perdi o controle do carro, o veículo jogava a traseira de um lado a outro enquanto eu tentava reduzir a velocidade pisando nos freios, mesmo freando o máximo que pude fui jogado na calçada e bati em um poste.
Uma gota de suor escorreu pelo meu rosto, enquanto minhas mãos tremiam sobre o volante, respirei fundo, tentando manter a tranquilidade diante do ocorrido, olhei de um lado a outro para ver se alguém tinha visto o que ocorreu, porém eu estava no centro em uma rua com vários pontos comerciais, todos se encontravam fechados com suas fachadas escuras, em um cenário nada animador, lembro que senti um arrepio correr por todo corpo ao me deparar com a ideia de que tinha que descer do carro para trocar o pneu, eu estava em uma situação difícil, mas que precisava ser resolvida o quanto antes, então respirei fundo novamente, abri a porta e desci do carro, pela segunda vez meu corpo foi tomado por um arrepio, dessa vez ainda mais forte que o anterior, cada célula do meu corpo estremeceu diante de tudo aquilo que me cercava, era um silêncio sobrenatural que pairava ali, ausente de vida, transbordando pela rua mal iluminada, pelas fachadas das lojas, chegando até a mim e envolvendo-me com seu véu frio e sombrio, meu coração saltou com essa terrível constatação, por tudo que era sagrado eu precisava sair dali.
Conferi a frente do carro para analisar o estrago e vi que a batida não foi tão grave quanto eu pensei, felizmente consegui diminuir o máximo da velocidade amenizando o impacto, porém o pneu realmente não tinha mais jeito, corri até o porta-malas peguei o step e as ferramentas dando início a troca, foi bem difícil no começo, pois meus pensamentos estavam desordenados e minhas mãos não correspondiam, aliás todo meu corpo tremia, por várias vezes errei a simples tarefa de encaixar a chave no parafuso, enquanto isso o silêncio pesava ao meu redor e me dava a impressão de que por trás das janelas escuras eu estava sendo vigiado sorrateiramente, eu suava frio só de pensar sobre isso, mas continuei o trabalho com o resto de concentração que sobrou, consegui retirar o pneu rasgado e já estava a apertar o primeiro parafuso no step, respirava ofegante, ainda faltava mais três, olhava de um lado ao outro como forma de me manter protegido, mas de que? Não havia nada ali... Segundo parafuso encaixado, faltava pouco para eu dar o fora, nunca desejei tanto algo na vida que sair daquela rua, daquela penumbra fantasmagórica, daquele silêncio abominável, peguei o terceiro parafuso, foi então que aconteceu...
Pela primeira vez na noite o silêncio daquele lugar finalmente foi rompido, parei por um instante ao ouvir um som impreciso e abafado, o que era aquilo? Fiquei nervoso com mais esse elemento, concentrei todas as minhas forças para descobrir que som era aquele, no entanto estava distante. Coloquei o parafuso no encaixe e apertei mais rápido ainda, enquanto isso o som foi se tornando mais definido e crescente, ao longe vinha se aproximando, outra vez me concentrei na audição, mas agora estava mais nítido, para minha surpresa descobri o que perturbava o silêncio noturno, nada mais eram que latidos, aliás vários latidos, tentei localizar de onde vinha aquele barulho enquanto finalizava o encaixe do último parafuso, foi quando por volta de uns 150m em uma rua a frente, surgiu um cachorro, depois outro, depois vários cachorros, todos latindo e rosnando de forma agressiva para algo que se aproximava, eles avançavam e recuavam, nunca tinha visto aquilo antes, com certeza aquilo não era um bom sinal e eu precisava sair dali naquele segundo, juntei as ferramentas, o pneu rasgado e levei ao porta-malas, quando fechei a porta e fui em direção a frente do carro, paralisei de um jeito que nunca tinha acontecido em minha vida, meu coração quase parou com o que viu... Na rua da frente os cachorros latiam diante de uma criatura de mais ou menos 3m de altura, com uma aparência feminina, cabelos negros compridos, vestia uma camisola branca rasgada e com algumas manchas, aparentemente de sangue, seus braços eram bem longos quase tocando o chão, andava de forma lenta e arrastada, senti a minha vida escorrer através do medo surreal que assaltava a minha mente, como poderia existir uma criatura dessas nesse mundo, era o que eu me perguntava, acho que por uma intervenção divina em uma fração de segundo recuperei a consciência, minhas pernas ainda tremiam quando entrei no carro, girei a chave de ignição, o motor ligou e os faróis acenderam, nisso a criatura percebeu que eu estava ali, ela parou, olhou e veio em minha direção, seu andar lento e arrastado deu lugar a passos cada vez mais rápidos, eu estava no meu limite, lágrimas já caíam sobre meu rosto, estava fazendo tudo que podia para fazer a volta, mas a rua não era tão larga e estava dificultando a manobra, e cada vez mais a criatura estava se aproximando, 100m... 90m... 80m... eu lutava contra o tempo e o nervosismo, suava frio, tremia, enquanto aquele ser maligno vinha em minha direção agora correndo, 40m... 30m... 20m... ela estava próxima demais, 10m... 5m... a sua altura era realmente assustadora e seus olhos cruéis apesar de escuros brilhavam nefastamente através dos cabelos negros, 3m... 2m... foi quando consegui virar totalmente o carro e acelerar com todas as minhas forças, o pneu saiu cantando, ela ainda esticou seu longo braço e arranhou a mala do carro, mas foi deixada para trás, graças a Deus fugi dali a salvo de volta para casa.
No dia seguinte liguei para o hotel para cancelar a minha reserva, o funcionário perguntou sobre o motivo e se eu gostaria de reservar outra data, disse que não pretendia reservar outra data e nem citei os motivos, só disse que jamais iria pisar naquela cidade novamente, ele foi bem educado diante da minha sinceridade, mas pareceu-me um pouco tenso, até que antes de desligar ele me disse quase em um sussurro: "Sr. Mauro eu peço desculpas, mas aqui na cidade a noite tem dona..."