O Violino
Era um violino de grande valor tanto financeiro quanto afetivo. Seu avarento dono pagou uma fortuna por ele. O único bem de alto custo que ele adquiriu e que não lhe dava retorno financeiro. Ele amava o instrumento tanto quanto amava tocá-lo. Tinha outros violinos, mas aquele era especial. Seu som parecia falar à sua alma. De suas cordas era emitido um som claro, nítido, puro. Ele nunca ouvira som tão especial assim. Não permitia que ninguém sequer se aproximasse de sua preciosidade.
Hugo era solitário e sovina. Morava sozinho. Diziam que ele nunca se casou para não ter que sustentar esposa e filhos. Ele ria da brincadeira. Na verdade teve uma grande desilusão quando era jovem e não quis mais saber de namorar. Já beirava os setenta anos e sempre viveu mal. Não gostava de gastar nem com comida, quanto mais com outras coisas que julgava serem supérfluas. Não viajava, não se divertia, não ia a festas para as quais era convidado, quase não tinha amigos. Mas se o chamassem pra tocar violino em alguma apresentação, se entusiasmava e dava um show.
Num dia ele e o irmão mais novo tocavam seus instrumentos. Hugo disse:
—Hélio, minha saúde está debilitada. Quando eu me for quero que você leve meus violinos para sua casa e cuide deles como eu cuido. Especialmente este que me é tão especial. Nunca se desfaça de meus instrumentos e zele por minha preciosidade como se fosse sua vida. Você me promete?
—Que bobagem, Hugo. Você vai viver muitos anos ainda, mas eu prometo que se ainda estiver vivo quando se for, eu cuido muito bem dos seus violinos.
Hugo foi ficando cada vez mais adoentado e um tempo depois veio a falecer. Envolto na tristeza de perder o irmão querido e com muitos afazeres, Hélio acabou esquecendo de buscar os violinos. Passado um tempo seu irmão lhe apareceu em sonho.
—Por que não cumpriu sua promessa? Minha jóia está correndo sério risco.
Hélio acordou assustado. Prometeu que no dia seguinte resolveria aquele assunto. Logo pela manhã foi à casa do irmão. Queria pegar logo os violinos e levar pra sua casa. Ao entrar viu que a janela lateral estava aberta. Fora arrombada. Foi direto ao lugar em que ele guardava seus instrumentos musicais. Percebeu que logo o mais precioso estava faltando. Andou pela casa e viu que nada mais havia sido roubado. Entendeu que quem entrou ali só queria aquela peça.
Desolado e se sentindo culpado ele perguntou aos vizinhos se viram alguma movimentação, foi à polícia e fez tudo que pôde para tentar localizar e recuperar o violino. No entanto não teve sucesso. O roubo permanecia um mistério. Sendo um instrumento valioso e raro, seria facilmente identificado. O tempo passava e ele não aparecia.
Enquanto isso, do outro lado da cidade, José Carlos acordou durante a noite ouvindo passos pela casa. Ficou apavorado e nem se mexia na cama. Sua esposa dormia serenamente ao seu lado. De repente começou a ouvir o som de um violino. Ela não acordou, era como se nada estivesse acontecendo. Levantou-se, pegou um objeto com que pudesse se defender e saiu. Chegando ao outro quarto viu o violino suspenso no ar, o arco e as cordas se mexiam como se alguém o estivesse tocando. Ao entrar no aposento o instrumento começou a emitir um som mais estridente como se quem o tocasse estivesse nervoso, agitado e ansioso. Não acreditava no que via. Suas pernas tremiam e mal conseguia se manter em pé. O instrumento foi se aproximando. Reuniu todas as forças que tinha e voltou correndo pro seu quarto. Deitou e cobriu até a cabeça.
José Carlos tinha e tocava vários instrumentos. Aquele violino era sua última aquisição. Estava feliz e realizado. E agora não entendendo o que acontecia, ficou apavorado.
Na manhã seguinte ele falou do que aconteceu durante a noite com a esposa e os dois filhos. Eles ficaram espantados e disseram que não ouviram nada. Falavam que talvez tenha sido um sonho. José Carlos se calou.
Alguns dias depois ele acordou com o barulho de algo caindo. Logo depois o violino começou a tocar uma música melancólica. Ele se levantou e foi até o outro quarto. O instrumento estava no chão, fora de seu estojo. O arco passeava suavemente sobre as cordas emitindo o som. Ele começou a gritar pedindo que parasse. Sua esposa e filhos acordaram. Viram-no agitado e tenso, falando sozinho. Todos os instrumentos estavam em seu lugar e nenhum som foi ouvido. Disseram que era um pesadelo e que voltasse pra cama.
Hélio, por sua vez, sonhava com o irmão tentando dizer alguma coisa, mas não conseguia entender o que era. Ele ficava tenso e pensava que Hugo cobrava dele a promessa que fez ou tentava dizer onde encontrar o instrumento, mas era tudo muito nebuloso. A culpa o corroía e ia ficando abatido e triste a ponto de preocupar sua família.
Na casa de José Carlos a cena se repetia muitas vezes. Cada dia o violino aparecia tocando em algum lugar, no chão, suspenso no ar ou sobre o sofá. Sua família começou a pensar em surtos psicóticos. Disseram que precisava de um psiquiatra. Ele resistia dizendo que não tinha nada. Que ouvia o som do violino e sabia o que era. Pressionado pelos filhos e esposa, chorando feito criança, disse:
—Eu mandei roubar o violino. Ele era de Hugo. É um instrumento de grande valor e eu sempre o quis. Sabia que os irmãos dele não venderiam por nenhum dinheiro. Obcecado por tê-lo, contratei alguém pra pegá-lo.
—Não acredito! — exclamou a esposa — Você se prestou a isso? Mandar roubar como se fosse um bandido?
—Eu poderia ter comprado, mas nunca me venderiam.
—E aí você rouba?
—Eu sempre quis este violino pra mim. Ele tem um som divino, parece que fala.
—As coisas não são assim.Você tem que devolver. Não quero saber deste objeto em minha casa. vai trazer azar pra todos nós.
—Como vou devolver sem levantar suspeitas? Além do mais eu não quero abrir mão dele.
—Ele não é seu. Não vê que só tem trazido problema? Diga que alguém apareceu aqui querendo vender e você soube que era o violino roubado.
Depois de muita resistência e de estar cada vez mais estressado com as noites mal dormidas e o pânico de ouvir o violino tocando do nada, José Carlos resolveu devolver o precioso violino. Foi até Hélio e contou uma história fantasiosa. Ele, sentindo alívio e alegria ao ver o instrumento, fingiu que acreditou e agradeceu por tê-lo devolvido. Parou de sonhar com Hugo e sentiu que agora seu espírito estava em paz.
José Carlos ficou triste pois sempre quis ter aquele violino, mas teve sossego e nunca mais acordou durante a noite com fenômenos estranhos. A normalidade voltou e sua sanidade mental não foi mais questionada. Nunca entendeu o que de fato acontecia naquelas noites sinistras.