Caso- A criança do rio
Novelização do caso nº 5.352
Segunda-feira, 14 de abril de 2008.
Depoimento ocular e factual de Alane Pires Damasceno.
Agente Passos:
- Delegado como eu disse, estava de folga, adoro o ar dessa cidade e gosto mais ainda de Cesar Menotti e Fabiano. Por isso estou na cidade desde sábado e depois desse infeliz acontecimento, como agente mais próximo, meu superior me pediu que viesse coletar informações. Apenas isso.
Esperava que meu olhar não entregasse a ironia que havia em minha história, mesmo após anos em campo isso ainda era algo que eu tinha dificuldade em esconder.
- Deixe de ladainhas! Me diga logo o que você dá inteligência quer com a menina? – Pela irritação no seu tom de voz eu deveria ter sido desmascarado.
- Olhe ou você aceita que curioso, ou vou sair pela porta e em cinco minutos seu superior vai te ligar e talvez você passe o resto do mês em casa.... Então vai me deixar falar com a menina? – Já não havia mais paciência na minha voz e ele sabia pela minha identificação que não poderia me interpelar por muito tempo. Queria mesmo saber porque eu estava interessado com o suposto afogamento e na história da garota.
- Tudo bem, ela está na sala 4. Quer que um escrivão acompanhe o senhor?
Era uma boa ideia, oferecer alguém que pudesse contar tudo para ele depois, embora tudo o que fosse dito não lhe faria nenhum sentido e me seria útil ter alguém para transcrever toda a conversa.
- Com certeza. De preferência uma mulher mais velha que já seja mãe e peça para ela levar um lenço ou coisa do tipo caso a menina comece a chorar. Volto em dez minutos e vou direto para sala.
- Aonde o senhor vai? Precisa de mais alguma coisa? – Ele estava nervoso, acho que deveria estar pensando que eu faria alguma ligação.
- Vou até a lanchonete do outro lado da rua, preciso comer algo e a menina também. – Seu olhar transmitia desconfiança, mas era a mais pura verdade. Eu já estava na delegacia a quase uma hora e não haviam me oferecido nem café.
Cheguei a sala 4, a escrivã já estava lá com a garota.
- Bom dia senhoritas! Eu me acho Agente Passos. Poderiam me dizer seus nomes? Espero que gostem de coxinha e refrigerante.
Coloquei a sacola com os alimentos em cima da mesa, me sentei de frente para menina que disse se chamar Alane e a escrivã, Policial Nunes, ficou em nosso meio em uma mesa de quatro lugares. Após o lanche e uma conversa descompromissada começamos:
- A partir de agora anote tudo por favor. – Pedi a policial e me virei para Alane.- Pode começar desde o momento em que saiu de perto dos seus amigos e ou amigos dele?
- Sim. – Ela não estava nervosa algo que não me surpreendeu, afinal mal conhecia o garoto. - Como eu disse, fomos para a beira do rio para podermos ficarmos mais a sós. Afinal era um show e não queríamos ser interrompidos. – Estava com vergonha, o rosto rosado, procurando palavras.
- Olhe não precisamos do motivo, nós já fomos jovens e sabemos. Ok? –Pensei ter visto um leve sorrisinho no rosto da escrivã.
- Tudo bem, então fomos para beira do rio atrás de alguns bambuzais e estávamos nos beijando. Por um momento pensei ter visto dois pequenos círculos vermelhos brilhantes do outro lado da margem em seguida ouvi barulho de água como alguém mergulhando.
Havia muita certeza em sua voz mesmo, assim era meu dever perguntar.
- Tem certeza? Desculpe dizer, mas todo o som do show e você estava bêbada. Não acha que pode ter imaginado. – Perguntei com a cara mais apática que consegui fazer, como se me faltasse alguma vitamina no corpo.
- Eu havia bebido. Não estava bêbada são coisas bem diferentes – Disse bem rispidamente – enfim, isso foi o que aconteceu.
Pela reação, os policias já fizeram um ótimo trabalho debochando da sua versão dos fatos.
- Tudo bem, pode continuar.
- De repente comecei a sentir um cheiro muito forte de carniça, o que nos fez para e vi por trás do ombro dele uma criança, mas ela era estranha.
- Estranha como? E em que posição ela estava?
- Como se estivesse agachada – era essa resposta que eu esperava – E estranha porque ela parecia estar pelada, digo sem roupas normais, mas com uma coberta ou toalha sobre o corpo. Ai o Carlos se virou gritou e xingou ele querendo saber o que fazia ali. O garoto ou sei lá o que correu.
- Como uma pessoa normal? E que idade ele aparentava ter?
- Não, ele correu como, não sei dizer, parecia que suas pernas eram pequenas demais e seus braços grandes. Estava escuro ali na margem, ele parecia todo embolado.... Não sei se entende o que eu quero dizer. – Fiz que sim com a cabeça para conforta-la.
- E a idade que aparentava ter, pela altura?
- Uns 10 ou 12 anos.
- E o cheiro ainda estava no ar?
- Estava, me lembro muito bem, porque assim meio que estava cortando a onda... já estava querendo vomitar então peguei a mão do Carlos e puxei ele em direção a festa. Ele pareceu não gostar muito, mas também reclamou que o cheiro estava insuportável e fez piada falando que o menino não devia ter tomado banho. - Sua voz já não estava tão firme quanto no começo.
- Em seguida.
- Quando chegamos no asfalto uma pedra me acertou nas pernas, eu e Carlos nós viramos para trás, na direção do rio e na mesma hora uma pedra acertou ele na testa... já começou a sangrar. Então na margem do rio eu vi duas crianças e o Carlos ficou muito nervoso e correu atrás delas - ela deu de ombros – bem, eu nem conhecia ele. Então fui embora, não queria me meter em nenhum problema sabe.
- Sei. Depois ouviu sobre a morte dele, os amigos falarem que ele esteve com você e agora está aqui.
Ela assentiu.