Caso clínico
A coronel Maisy Kemp não estava num bom dia, mas mesmo assim ouviu pacientemente a reclamação feita pela superintendente hospitalar Thea Dunn. Era preciso ao menos dar espaço para que a médica expusesse sua frustração, ponderou, mesmo que isso não mudasse nada na missão que tinha que cumprir ali.
- Sei como se sente, senhora; - disse ao fim do desabafo - tenho um casal de filhos adolescentes e não gostaria que estivessem internados, numa situação dessas. Mas, como lhe foi explicado, esse é um assunto de segurança nacional do mais alto nível, e pode ter relação direta com o surgimento dessa epidemia que estamos enfrentando.
- A epidemia é um problema de natureza médica, não militar - atalhou a superintendente, erguendo os sobrolhos.
- Mas um vínculo de Ressonância criado por uma fonte desconhecida é assunto militar - replicou a coronel. - Lamentamos que tenha ocorrido com uma de suas pacientes, mas temos que pensar no bem comum, não somente no da menina internada. A propósito, como ela está hoje?
A pergunta reconduziu Thea Dunn para um terreno familiar. E, ao menos, as notícias eram promissoras.
- Layla Clark reagiu bem à mudança do protocolo. Se a evolução do quadro clínico não se alterar, esperamos poder transferi-la de volta à enfermaria pediátrica amanhã pela manhã.
- Ótimo! - Aprovou a coronel Kemp. - Mas se ela puder deixar a UTI, não deverá ser levada para a enfermaria, mas para um quarto que iremos designar. O monitoramento não deve cessar até que tenhamos identificado a origem do ataque, e se podemos romper o vínculo com segurança.
- Já enfrentou uma situação assim antes? - Questionou Dunn, braços cruzados.
- Nenhuma de nós já passou por uma experiência dessas - admitiu Kemp. - Portanto, é uma oportunidade para que todas aprendamos. Posso contar com a sua colaboração, superintendente?
Dunn descruzou os braços, expressão abatida.
- O que mais posso eu fazer, coronel?
- Manter a mente aberta para o que quer que venhamos a descobrir - sugeriu Kemp.
* * *
- O que estamos vendo, exatamente? - Indagou a coronel Kemp, diante de um telão onde era exibido um plano cartesiano com uma onda senoidal.
Ao seu lado, na obscuridade da sala onde fora montado o gabinete de crise dentro do hospital, o tenente Declan Freeman desviou os olhos do laptop para responder:
- Trata-se de um gráfico do padrão da Ressonância vinculada à Layla Clark, coronel. Nunca tínhamos visto nada parecido antes.
- O que tem de diferente, tenente?
- O padrão oscila ao longo das horas do dia... não tem uma constância, como os que costumam ser gerados por equipamento especializado.
- E isso se deve ao fato de que provém de uma realidade externa? - Questionou Kemp.
- Isso por si só, já é bastante bizarro, coronel. Mas, não: a hipótese mais provável é que uma entidade biológica esteja gerando a Ressonância.
- Nunca ouvi falar de um ser humano com tal capacidade - admirou-se Kemp. - Mas talvez não estejamos falando de criaturas humanas, não é? Sabe-se lá que poderes poderão ter os habitantes de outras realidades...
- Mas ao menos devem ter alguma semelhança conosco e nossa biologia, coronel, - redarguiu Freeman - ou a ressonância não lhes seria de qualquer utilidade. Talvez estejam se adaptando para compatibilizar a sua constituição molecular com a nossa...
- E isso explicaria o surgimento do novo vírus - disse a coronel de si para si. - O vínculo criado poderia testar se o método de compatibilização estaria dando resultado.
- Essa é apenas uma hipótese, coronel, que não temos como comprovar até termos mais dados sobre a natureza do ataque - admitiu Freeman.
* * *
Annabel ergueu o corpo, curvado sobre a trípode de bronze, de onde subia uma nuvem de fumaça espessa. Coberta de suor, os cabelos desgrenhados, olhou ao redor aturdida, até lembrar-se do que acabara de fazer. De dentro da fumaça, sua irmã, Cordelia, surgiu como de dentro de um sonho, carregando uma menina adormecida nos braços.
- Eu consegui? - Indagou Annabel.
Cordelia exibiu um sorriso descorado e balançou afirmativamente a cabeça:
- Os sinais da peste desapareceram.
- [23-12-2023]