A Escultura #M# Eu Apoio
Adélia estava numa galeria de arte procurando um objeto para sua sala.
O sábado estava agradável. Ela pretendia escolher logo a peça que queria e ir se encontrar com os amigos para almoçar e passar uma tarde descontraída.
Ela andava distraída olhando tudo que pudesse lhe agradar.
Quando olhou para uma escultura, um casal dançando, logo se apaixonou. Era uma obra elegante e discreta. Não conseguia tirar os olhos dela e se aproximou. Apareceu uma mulher olhando a peça. Pensou que não a perderia de modo algum. O preço estava salgado, mas valia a pena. Foi amor à primeira vista e ela disse logo pra mulher:
-Esta peça é linda e eu vou ficar com ela. Espero que a senhora não esteja interessada.
-Não. Estou só olhando, Mas você fez uma excelente escolha. É uma peça linda e neutra que fica bem em qualquer ambiente.
-Principalmente na minha sala. Vai ficar perfeita.
-A artista que fez esta peça tinha muito bom gosto e talento. Todas as peças dela são lindas. Pena que faleceu tão nova. Poderia ter produzido tantas coisas.
-Não conheci. Parece que a senhora conhece bem o trabalho dela.
-Ela não era muito conhecida, mas poderia ter ficado famosa se tivesse oportunidade.
-Uma pena. Mas pelo menos vou ter uma peça dela em minha casa.
Elas continuaram a conversar até que Adélia foi concluir a compra e não a viu mais.
Ela foi embora feliz com a aquisição. Passou o sábado com os amigos. À noite colocou a estátua onde ficaria, tornando o ambiente sofisticado.
No dia seguinte ela amanheceu eufórica. Mil idéias na cabeça. Olhava a escultura e lhe passava pela cabeça aprender a fazer algumas peças. Devia ser interessante.
Logo espantou tais pensamentos pois jamais se interessou por esse tipo de coisa e não tinha nenhum talento para artes. Era uma desastrada que não sabia ser detalhista. Seu negócio eram os números, as exatas. Era um mulher prática, uma executiva competente.
Pegou um livro e deitou no sofá ao lado da escultura para ler. Mas estava inquieta.
Tentou ouvir música, mas também não é o que queria.
Pouco depois se viu com um papel e um lápis desenhando uma peça.
Quando viu, não acreditou. Ela não sabia desenhar sequer uma casinha e agora ali na sua frente estava um desenho que poderia se transformar em uma escultura moderna, elegante e linda. Será que estava impressionada com a peça que comprou? Se produzida, aquela peça teria o estilo da que estava na sua frente.
Deixou de lado o desenho e saiu pra almoçar e passear um pouco. O dia estava lindo.
Embora tentasse se distrair o desenho não lhe de saía da cabeça. Como pode tê-lo feito se nunca entendeu nada do assunto? À noite ficou olhando e achou que estava ótimo.
No dia seguinte não conseguia se concentrar no trabalho. Ela que era uma uma executiva exemplar e competente se pegava distraída pensando no desenho e como faria para produzir a peça. Fez pesquisas para tentar entender do assunto.
Em casa ela se pegou fazendo os moldes da escultura com a maior facilidade. Não entendeu como foi capaz de fazer aquilo.
No dia seguinte comprou os materiais necessários para produzir a peça em gesso.
Dias depois estava pronta. Linda, requintada, sóbria.
Ela olhava pra ela e não tinha idéia de como tinha conseguido produzir.
No dia seguinte mostrou para seu melhor amigo e contou pra ele o que aconteceu.
-Você está de gozação comigo. Você fez a peça? Não acredito. Logo você que não sabe trabalhar com coisas que exigem detalhes? Que não tem nenhuma paciência?
-Pra dizer a verdade eu também não estou acreditando e nem entendendo. Será que é pelo entusiasmo que estou com a peça que comprei?
-Nada a ver, Adélia. Você não vira uma escultora porque comprou uma escultura.
-Não tem explicação pra isso. Você gostou?
-Parece coisa de profissional. Está linda. Agora fala a verdade. Onde comprou?
-Eu fiz a peça, Marco. (Ele riu como quem não acredita e continuou pressionando pra ela dizer a verdade).
Depois disso Adélia fez vários outros desenhos e produziu outras esculturas.
Ela produzia as obras freneticamente, como se tivesse pressa ou se quisesse expor ao mundo toda a sua inspiração e criatividade de uma só vez.
Começou a ficar dispersa, não se concentrava no trabalho e ficava calada nas reuniões. Seus chefes começaram a perceber a mudança súbita e foram conversar com ela.
Marco começou a se preocupar. Chegou de surpresa na casa dela e estava parecendo um ateliê. Ele ficou ainda mais preocupado. Seria aceitável ela se dedicar a alguma atividade como hobby, mas o assunto estava ficando sério e até prejudicando seu trabalho.
-Adélia, o que você pensa que está fazendo? Pretende viver da arte? Você que é uma funcionária excepcional já foi até advertida. O que pretende? Perder seu cargo?
-O que você tem com isso? Aliás eu nem te chamei pra vir aqui.
-Não vou me importar com suas grosserias pois você precisa de ajuda e sou seu melhor amigo. Não vou deixar você se afundar e não fazer nada.
-Eu estou gostando do que estou fazendo. E você tem que admitir que tenho talento, não é? Cada uma está ficando mais linda que a outra.
-Então use isso como hobby e não como atividade que está absorvendo toda a sua atenção. Mas ainda acho que tem alguma coisa errada. Ninguém se torna uma artista talentosa da noite pro dia. Diz o que está acontecendo e para de enrolar.
Ela parece voltar de um transe:
-Eu não sei o que está acontecendo, Marco. De repente parece que baixa em mim o espírito de artista e eu começo a desenhar, criar, fazer os moldes e produzir a peça. Não sei como se passa.
-Deixa de brincadeira, Adélia.
-Não estou brincando. Não sei como tudo acontece. Quando percebo, já está tudo feito.
-E se descuida até do trabalho, não é?
-Eu vou me dedicar mais ao trabalho.
-Vou ficar de olho em você.
-Obrigada, meu amigo.
Ela continuou produzindo as obras e tentando trabalhar com a competência de sempre.
Ela parecia cansada, estressada. Muitas vezes não conseguia se concentrar. Ficava estranha e parecia não estar em seu juízo perfeito. Consultou médicos, foi a psiquiatras.
Marco tentava ajudar. Pesquisava, procurava uma explicação a qualquer custo.
Ele a levou até um espírita e benzedor. Ela resistia, não queria ser atendida. Ele disse que havia uma energia muito pesada e negativa. Foram até a casa dela.
O benzedor cruzou as mãos sobre o peito pra se proteger.
-Tem alguma coisa, algum objeto aqui que está mantendo presente um espírito obsessor.
Marco imediatamente olhou para a escultura de metal.
-É aquele objeto.
O benzedor olhou e sentiu uma vertigem
Marco pegou a estátua e jogou no chão.
Adélia gritou e pulou em cima dele arranhando seus braços, mordendo com fúria.
-Não. Não faça nada com a minha estátua, com a minha força.
Ele a jogou novamente no chão com toda força. Ela gritava desesperada e o machucava.
Com dificuldade eles destruíram a peça.
Adélia teve uma convulsão caiu desmaiada.
O benzedor foi em socorro dela. Fez orações e impunha as mãos com energias positivas.
Muito depois ela foi recuperando a força.
Sentia-se como estivesse leve e se tivesse sua vida de volta.
Ele explicou que com aquela peça ela tinha trazido pra casa um espírito inconformado, que não queria seguir seu caminho, seu destino.
Ela lembrou da mulher um tanto estranha com quem conversou e que lhe falou da autora da escultura que comprou. Falou tudo sobre a vida dela e de sua morte precoce num acidente que interrompeu sua promissora carreira. Pensou também em como as peças que produziu tinham o mesmo estilo, elegância e sobriedade daquela que adquiriu.
Ela contou pra ele o episódio. Ele disse que a libertaria de tudo aquilo. Bastava ela acreditar. Fez uma limpeza espiritual na casa e nas peças que ela produziu, mas aconselhou a retirar as peças de sua casa e talvez doar para uma obra de caridade.
Adélia sentia que houve um vácuo em sua vida. Não se lembrava de quase nada daquele período, como se tivesse ficado fora de si. Chorou quando soube tudo o que viveu e de como poderia ter destruído sua carreira profissional sólida e segura. Mas se sentia leve e livre de todas as amarras que a estavam prendendo.
No dia seguinte voltou a trabalhar e a ser a Adélia que todos conheciam.
-Peço que não perguntem nada, apenas acreditem que vou voltar a ser a mesma executiva competente e dedicada de sempre. Agradeço pela paciência que tiveram comigo.
Nos dias seguintes ela limpou sua casa. Pegou todas peças que produziu e doou para uma instituição de caridade para que fossem leiloadas.
Nunca se soube a autoria daquelas lindas estátuas que renderam um dinheiro razoável para a instituição que as recebeu.