Atrás da Porta
Dizem que por trás de cada porta, sempre há um segredo. Essa frase, Laura leu em algum desses livros de mistério e guardou em sua memória. Deve ser verdade, pensava ela sempre que abria a porta de seu apartamento. Subia as escadas em seu prédio de 10 andares. O andar de seu apartamento era o último. Então eram 10 andares de suspense. E cada andar que ela subia tinham quatro apartamentos, ou seja, eram 4 portas.
Ela subia degrau por degrau torcendo para que ninguém abrisse a sua porta. Muitas vezes, ouvia uma porta se abrindo e Laura acelerada os passos. Às vezes ela ia diminuindo o ritmo e tentava se esquivar de qualquer movimento. O certo era que ela era muito tímida e não gostava do contato frio e misterioso dos vizinhos dos prédios de São Paulo. Ela tinha nascido no interior, viveu sua vida inteira em lugares assim, e agora estava se abrindo aos caprichos da cidade grande. Pelo menos era assim que ela pensava.
Um degrau, dois degraus, três... mentalmente, Laura ia contando cada passo prestando atenção nos barulhos. Uma porta rangendo à direita, outra à esquerda. Seus ouvidos estavam atentos. Televisão ligada aqui. Uma discussão acalorada ali. Tudo atiçava a sua curiosidade. E o medo foi dando lugar à curiosidade. Ela parou, suspirou, e mudou pela primeira vez o rumo do seu exercício diário de subir as escadarias. E colocou os ouvidos colados em uma das portas que a hipnotizou. Era a única porta em que não ouvia nada. Seria o apartamento de um morto? A pessoa estaria precisando de ajuda? Não sabia.
No dia seguinte, ela parou no mesmo andar, colocando o ouvido na mesma porta, do mesmo apartamento. Porém, aquele silêncio deu lugar a um barulho novo. Parecia alguém batendo na parede. Tentou distinguir o som, seria alguém batendo com as mãos? Tentando sair de alguma situação de prisão? Estaria essa pessoa algemada, ou amarrada? Ou seria alguma reforma, e as batidas na parede seria com um martelo?
Seria um sequestro? E o sequestrado estaria dando sinais? Pedindo ajuda? Socorro. Gritou Laura, abafando a sua boca em sua mente. Esse grito foi interno, de dentro do seu pensamento. Esperou resposta. Ninguém respondeu. Então correu às escadas como nunca antes. Subiu e voltou ao seu apartamento, com a mente conturbada por um lado pelo mistério, porém estava satisfeita, porque ninguém respondeu ao seu grito mental. Se ninguém respondeu, é porque não era nada.
Todos os dias quando subia as escadarias de seu prédio, fazia os mesmos gestos. Tentava decifrar os mistérios desse apartamento. O que esconderia essa porta? Porém nos dias seguintes, já não havia barulho. O que tornava esse cenário ainda mais misterioso. E foi alimentando a obsessão por esse segredo escondido pela porta. Ao mesmo tempo que ia alimentando essa obsessão, foi criando coragem para agir. A sua mão trêmula segurou a maçaneta, girou. Porém, sempre parava na hora H. Porque o medo superava o momento frio. E corria.
Cada dia era essa agonia. Essa luta entre a coragem e o medo. Até que depois de um mês nesse vai e não vai, as mãos giraram a maçaneta e Laura percebeu que não estava trancada essa porta misteriosa. E um novo sentimento tomou conta de sua consciência. Devagar abriu a porta, colocando um olho na direção da luz que ia surgindo por trás da porta. E um grande espanto ao abrir totalmente a porta. Tudo vazio. O apartamento estava em silêncio e totalmente vazio. Nenhum móvel. Nenhum movimento. As paredes limpas e totalmente brancas. Recém-pintadas. Nenhum sinal de vida. Nenhuma viva alma em sua percepção.
Mas ela tinha ouvido o barulho. O que seria aquele barulho que ouvira outrora? Os passos foram atraídos por essa pergunta. E passo a passo vagaroso, ela foi penetrando o interior do apartamento. Nem vinha em sua mente o que estava fazendo, aquela invasão poderia ser interpretada como um crime pelo dono ou por algum vizinho. Porém, ela não estava se importando. A curiosidade era demais em sua mente. ela queria entender a situação. Que barulho era esse no apartamento que ela tinha ouvido?
A luz do apartamento ia dominando a sua alma. Foi entrando, penetrando no apartamento, sumindo para o mundo. A curiosidade era tudo dentro de si. Nada mais importava a ela. Ela era como se fosse uma dona do apartamento misterioso. A porta se fechou sozinha. O mistério persistia. Sua mente se confundia à luz do apartamento. E nenhum vestígio foi encontrado. Laura e o apartamento se confundia. Nunca mais Laura fora vista. Dentro ou fora do prédio. Era Laura e o apartamento um só. Só.
O segredo persistiu atrás da porta.