Recado
“Olá, esse é o celular do Marcelo. Agora não posso atender, deixe seu recado após o sinal”.
Desligo o aparelho e o encaro sem entender. Quero brigar com ele, quero gritar, entender o porquê desse silêncio. Sinto um vazio dentro de mim, como se tivesse caído dentro de um buraco sem fundo, só ouço silêncio e, enfim, o bip do aparelho.
Não seria possível ele me esquecer de forma tão rápida, ele dizia que me amava, que seríamos um do outro para sempre, que sempre voltaria.
Todos os dias eu ligo para o mesmo número e todos os dias ouço a mesma voz e o mesmo recado. E, sempre que o celular toca, meu coração dispara, tenho a impressão de que ouvirei sua voz a me tranquilizar: “amor, sou eu, não se preocupe, estarei de volta à noite, amo você.”
Hoje a saudade está mais forte, faz dois anos que entrei naquele restaurante, seria o nosso dia. Não me contenho e ligo novamente, mas é sempre o mesmo recado, com a mesma voz que me tortura, é como um vício que não consigo largar, tenho que ligar só para me acalmar com seu pedido de “deixe seu recado”.
Tenho que tirar isso a limpo, estou na frente da sua casa, vou esperar ele chegar, enfrentá-lo, saber o motivo de seu silêncio. Preciso romper esse elo, quebrar essa corrente que me prende. Espero que as horas passem e ele não chegue. A noite se aproxima e, dentro da casa, nenhuma luz se acende, tudo continua como da última vez que estive aqui e o esperei até amanhecer. E mais um dia termina como começou: eu com o celular nas mãos e ouvindo aquele mesmo recado.
Não tenho mais força nem coragem, tenho que me desfazer de tudo me lembre Marcelo, mas como? Quem vai me ensinar a viver sem ele? Choro até as lágrimas secarem e mergulho rumo à escuridão.
Acordo no hospital, não consigo me mexer, abro os olhos e não enxergo nada, tento ouvir alguma coisa, algum som. De repente, sinto mãos me tocando, tenho a impressão de que a pessoa fala comigo, mas não compreendo nada. Não consegui identificar a bondosa alma. E mergulho novamente na solidão, a sensação que tenho é de estar submersa na água, as vozes não chegam até mim, estou sonhando. Olho para a mesa ao lado e vejo Marcelo, viro para o lado e ele está agora com um anel em suas mãos, me pedindo em casamento, ouço um estouro e o carro vem de encontro a nós, tudo se apaga e mergulho na escuridão.
Tento gritar, dizer que estou aqui, fazer com que as pessoas saibam de nós. Estou no carro com Marcelo, eu o chamo, ele não responde, luzes piscam, sirenes, alguém diz que vai dar tudo certo, para me acalmar, que vão me tirar dali, e a escuridão me atinge outra vez.
Tive duas costelas e o braço esquerdo quebrados, quase perdi um olho e nunca mais falei com Marcelo, ele não me responde mais. Acordei uma semana depois, a única lembrança que me restou dele foi um aparelho de celular com a tela quebrada. Não me despedi de meu amor, não fui ao seu funeral, ele não cumpriu a promessa que ficaria comigo para sempre.
Tenho que virar essa página, me desfazer da única lembrança, desativar sua linha de celular. Faço uma última chamada para ouvir ele se despedir, ou melhor, para eu me despedir. “Olá, esse é o celular de Marcelo. Agora não posso atender, deixe seu recado após o sinal.”
— Marcelo, te liguei para dizer adeus e dizer que te amo.
Conto escrito para revista Hiatórias de Lugar Nunhum, publicado na Amazon.