Presságio.

Manhãzinha, amenidades de sol e seu luzir espectral pelos corredores, quase tocável. Tinham cerca de sete, naquele dia, dentre eles uma amiga. Tinha eu acordado há pouco tempo, nem tive tempo de comer um pão, pois arrumei-me imediatamente e me pus às correrias dessa decidida vida. Cansativa? Certamente, porém sentia ser esse cansaço uma necessidade de algo maior. De uma forma ou outra, tentava não me apegar a ele. Uma única coisa digo, para findar de vez: deve ser mesmo estranho, tentando compreender os outros, alguém como eu, no mais reluzente dos berços de ouro, derretê-lo em prol de algo que tanto me tira o conforto e, talvez, nunca me devolverá o luxo de antanho. Estou, portanto, no grupo dos loucos, mas desses que as pessoas querem estar quando na necessidade. Como minha rotina era por entre esses corredores e as salas, era importante aproveitar o fio de beleza desse dia a dia, como mesmo falei do reflexo solar, o qual formava uma parede translúcida bem na minha frente, quase uma cortina imóvel e mística. Os jardins ornamentais e demais ambientes me estavam distantes demais, e aqui jamais saí desde que tornou-se o que é; então, me entenda, essa janela que tanto descrevo era, para mim, como estar diante do Louvre ou do Jardim de Luxemburgo. Apesar dessa rara alegria, algo azarava a minha ambição de caçar as borboletas da beleza: a minha amiga. Essa foi, inclusive, outra coisa que me pegou de surpresa: a coisa é diferente quando está envolvido alguém que amamos mais. Era defeito? Deparar com aqueles rostos desconhecidos, lá chegados por caridade alheia ou indicação, e não ter a mesma aflição que tive com minha querida? Não creio ter sido negligente... Enfim, tinha despertado, no dia, nem há dez minutos, e já estava com as pesadas roupas necessárias, me dirigindo pelo corredor externo, que dava-me a tal visão já dita e, à esquerda, a um campinho de mais verde do que colorido. Distrações. Ouvi uma voz, masculina e quase idosa: "— São dez pras seis...". Que estranho, por que o médico me dissera isso? Apenas olhei para ele, que estava do outro lado do vidro, na parte de dentro, e cuja face era escondida pela luz dourada; eu só conseguia ver os cabelos bem branquinhos. Curvei-me e iniciei uma palavra de perdão, mas notei não estar em atraso, e fiquei, numa engraçada bobice, sem saber o que dizer. Ele apenas riu, e segui meu caminho. Ao entrar no salão, dirigi-me para o quarto de minha amiga, entretanto, antes de girar a maçaneta, mais fria que o normal, senti um arrepio e dilematizei, com medo, não sei se de mim, de ver o interior... não tínhamos médico, aquilo não era um hospital...

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 04/10/2023
Código do texto: T7901370
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