Além Dos Sentidos
O que é a razão diante de um coração e um corpo ardendo de paixão?
Quantos mistérios há por trás de nossa existência?
Quantas gerações pode durar um amor?
Por quanto tempo duas almas podem seguir conectadas?
Rosana chegou para o primeiro dia de aula do ano. Sempre gostava de receber novos alunos. Gostava de conviver com os jovens e se dava muito bem com eles. Apesar de seus cinquenta e nove anos ela era conectada com a atualidade, com a juventude e parecia ser bem mais jovem. Tinha um lindo rosto e corpo.
Sempre deixava a turma bem a vontade. Seu modo de ministrar aulas sempre agradava.
Chegou, se apresentou e pediu que os alunos se apresentassem.
Percebeu que um deles a olhava fixamente.
-E você que me olha com tanto interesse? Qual o seu nome?
-Rafael.
Ele sorriu olhando e ela se sentiu um pouco sem graça.
Mais tarde pensava naquele jovem e via aquele sorriso. Ele lembrava alguém.
O semestre letivo seguia e o garotão sempre olhava pra ela com admiração e sempre conversavam depois das aulas.
Ela estava encantada com ele embora se sentisse ridícula. Não tinha nenhum preconceito ou problema em se relacionar com homens mais jovens. Já se envolvera com um ou outro aluno, mas aquele tinha dezoito anos. Até pra ela que gostava, era muito jovem.
Ele começou a cortejá-la. Não parecia tão jovem. Parecia saber o que queria.
Ela se sentindo cada vez mais atraída por ele, sucumbiu.
E quando ele a beijou ela sentiu tremer as pernas.
Como era bom! Parecia já ter tocado aqueles lábios.
Abraçado a ela sussurrou:
-Eu sabia que um dia ia te reencontrar.
Rosana se surpreendeu, mas calou. O momento era pra sentir, não pra questionar.
Ficaram por um tempo em silêncio.
Mais tarde ela disse:
-Não entendi quando você disse que sabia que ia me reencontrar. O que quis dizer?
-Eu disse isso? Não me lembro.
-Estava em tamanho êxtase que nem se lembra do que disse?
-Estava em êxtase, mas não me esqueceria do que falei. Você pode ter se confundido.
-Deixa pra lá. Às vezes nesses momento a gente diz coisas sem sentido.
E seguiram se encontrando e se deliciando com o romance tão improvável.
Outro dia, estavam abraçados na cama. Ele disse:
-Eu precisava viajar pra te encontrar. Não podia esperar você ir ao meu encontro.
Mais uma vez ela se espantou. Não entendia o que ele falava. Mas se calou.
No dia seguinte estava conversando com uma amiga. Comentou com ela sobre as falas de Rafael nos momentos íntimos. Ela disse:
-Ele pode ser um amor de vidas passadas que veio te encontrar ou alguém que você conheceu nesta vida e que morreu e voltou pra te reencontrar.
-Lá vem você com essa conversa de reencarnação. Sabe que não acredito nisso. Sou uma cientista. Acredito no que vejo e nos experimentos científicos.
-Mesmo você não acreditando esses fenômenos podem te tocar.
-Bobagem.
-Procure saber mais sobre ele, sobre seus antepassados. De repente você pode se surpreender. Não que necessariamente se reencarne na mesma família. Nem é comum. Mas pode acontecer.
-Vamos mudar de assunto?
Rosana e Rafael continuavam vivendo uma louca paixão que tão bem fazia a eles.
Ele sempre falava alguma frase perturbadora que ela não entendia, mas que se conectava com alguma coisa do seu passado.
E naquele dia depois de saciados ele disse:
-Por que me deixou quando eu mais precisava de você? Era pra gente ficar junto. Nossas almas se conectam. Você sempre foi minha e eu sempre fui seu.
Ela ficou perturbada. Mais tarde perguntou:
-Diz uma coisa, quem são seus pais?
-Por que essa pergunta?
-Você fala coisas estranhas. Como se me conhecesse. É como se eu conhecesse seu sorriso, seu olhar.
-Nunca nos vimos.
-Você tem algum parente ou conhecido na minha cidade? Nossas cidades são próximas.
-Sim, meus avós paternos nasceram e viveram na sua cidade. Depois se mudaram.
-Quem são seus avós?
-Ele se chamava César, ela se chama Eliana. Ele morreu muito novo.
Ela estremeceu.
-De qual família ele era?
-Não sei se eram conhecidos. O sobrenome dele é Monteiro, como o meu.
Ela fechou os olhos trêmula. Como não ligou o sobrenome dele a César? Como não reparou nas semelhanças entre eles que agora ficaram evidentes?
-Você conheceu meu avô?
Ela se calou.
No dia seguinte conversou com sua amiga espírita.
-Estou sem palavras e sem ação. Rafael é neto de um antigo namorado. Namoramos pouco mais de um ano quando ainda éramos muito jovens. Por razões diversas terminamos, mas éramos muito apaixonados e eu nunca o esqueci. Ele começou a namorar uma outra pra me fazer ciúmes, ela acabou engravidando e ele se casou muito jovem. Naquela época era difícil fugir de uma situação assim. Antes do casamento ele veio conversar comigo e disse que me amava e que nunca me esqueceria. Eu chorei e sofri tanto, mas segui minha vida. Como sabe, nunca me casei. Anos depois ele faleceu ainda muito novo. Como pode acontecer uma coisa dessa? Eu tendo um caso com o neto de César. Se a avó dele souber vai ter um chilique. Sempre teve ciúmes de mim
-Há quantos anos ele morreu?
-Eu me lembro que sofri quando ele morreu. Tem vinte e sete anos.
-E se for ele reencarnado?
-Você novamente com essa conversa? Ele morreu, está morto. Não tem essa de reencarnação. Acredito que espírito e an alma não morrem. E se for ele mandando mensagens através do neto? Eu não acredito nisso, mas Rafael diz coisas que não tem como saber. Fala de coisas íntimas acontecidas entre César e eu. Essa situação está me tirando do sério.
-Vamos ao Centro Espírita. Vamos tentar conectar com ele.
-Eu não acredito nisso.
-Não tem que acreditar.
Por algum tempo eles tentaram se comunicar com César, sem sucesso.
-Provavelmente Rafael é o seu César reencarnado.
-Que bobagem. Prefiro acreditar que ele fala através do neto ou que são coincidências.
-Se ele falasse através do neto ele se comunicaria aqui, já que você veio procurar essa comunicação. Ele já está entre nós novamente e provavelmente é o neto.
-Você não vai pirar minha cabeça. Não quero mais saber disso. Vou viver minha vida e que Rafael fale comigo o que quiser quando a gente está na cama. Vou só escutar e fingir que é normal. Não me interessa saber que fenômeno é esse. Interessa é que vou viver nosso caso enquanto rolar. Deixa pra lá os mistérios que o universo esconde.
-Você é muito cética. Nem vivendo a situação acredita. Um dia você vai acreditar .
-Sabe de uma coisa? Eu enfrentei preconceitos e críticas pra ficar com ele. Nem sei até quando vamos ficar juntos. A diferença de idade na nossa sociedade hipócrita é uma barreira. Daqui um tempo cada um vai pro seu lado. Ele vai querer ter uma família, vai ser cobrado e vai acabar cedendo. Se a avó dele descobre nosso caso vai fazer de tudo pra nos separar. Vai infernizar a vida dele. Eu não vou deixar de viver o agora por causa do que nem acredito que exista. Se for o César reencarnado como vocês acreditam, que bom. Vou viver com ele o que não vivi na minha juventude. E ponto final.
Continuaram juntos, ele sempre falava coisas do passado. Ela deixou de importar.
Nunca saberia de onde vinham as falas. Nunca teria certeza nem desvendaria o mistério.
Mais tarde ele precisou mudar de cidade, mas eles não deixaram de se encontrar.
Sem compromisso, sem elos.
Simplesmente pelo fato de querer, pelo prazer de estar juntos.
Enquanto durasse…