A VISÃO DO NEGRINHO DO PASTOREIO

No interior do Rio Grande do Sul, onde as noites eram escuras como breu e o silêncio da madrugada imperava, vivia um humilde entregador de leite chamado Nícolas. Ele desempenhava sua tarefa matinal com diligência, cavalgando através das estradas poeirentas da região, carregando litros de leite fresco para os vizinhos.

As primeiras luzes do dia ainda estavam longe de romper o horizonte quando Nícolas montava em seu fiel cavalo e partia para suas entregas. Ele conhecia cada curva do caminho, cada cerca e cada porteira, assim como seu cavalo, que era tão parte integrante dessa rotina quanto o próprio Nícolas.

Mas, em uma dessas manhãs escuras e gélidas, algo extraordinário aconteceu. Enquanto cavalgava pelas sombras da noite, Nícolas vislumbrou um vulto misterioso, um piá de cor negra, montado em um cavalo. Os cabelos arrepiaram-se em sua nuca, pois ele tinha ouvido as histórias e lendas da região sobre o "negrinho do pastoreio", uma figura lendária que, segundo a tradição afro-cristã, era um protetor das criações.

A visão fugaz o perturbou profundamente. Ele se perguntava: "Será que realmente vi o negrinho do pastoreio ou minha mente cansada estava brincando comigo na escuridão da madrugada?" O medo que o envolveu foi inegável, e ele chegou a cogitar desistir de suas entregas de leite, com receio do que poderia encontrar novamente.

No entanto, seu patrão insistiu que Nícolas continuasse suas entregas, mas agora, somente quando o dia estivesse claro e o sol dissipasse as sombras noturnas. Relutantemente, ele acatou a ordem e prosseguiu com sua tarefa durante a luz do dia.

Para sua surpresa e alívio, nunca mais viu o misterioso "negrinho do pastoreio". O tempo passou, e a figura enigmática que havia causado medo em seu coração parecia ter desaparecido tão rapidamente quanto apareceu.

Essa história se tornou uma das lendas locais, uma narrativa sobre a linha tênue entre a realidade e a imaginação, entre o mistério e a verdade. Nícolas continuou suas entregas de leite, mas a lembrança daquela manhã escura e da visão fugaz do "negrinho do pastoreio" permaneceu com ele como um enigma não resolvido, uma parte indelével da rica tapeçaria de histórias do interior do Rio Grande do Sul.

Neri Satter – Setembro de 2023 - CONTOS DO SCARAMOUCHE

 

 

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Enviado por Scaramouche em 25/09/2023
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