Atravessando a luz.

Um brilhinho, e tudo se esvaiu. Lá no alto da montanha, eu vi, e fiquei com isso na mente: o que será? Era a luz bruxuleante, me chamando como criança, para brincar. Noite jovem, ainda cinzento o céu, e naquela colina a ígnea amiga convidativa. Era para eu ir, certamente, coisas dessas inegáveis, destinosas. Plantei a ideia de segredo e tesouro, anjo revelador. Eu, na beira da estrada, no meio dos monólitos, no caminho de casa. A mim, na hora, porém, estava encerrado esse desígnio: o de retornar; somente. Minha estrela próxima tristeza sentia? Cheguei a me despedir, com promessas! Eu lá iria, era o que devia de.

Em casa, o que sobrava? Mãe, pai, irmãos, tios: tudo uma cara só? Eu era o estranho? Cada um dizia, espantado, meu rosto ter mudado: estava com uma cara esticada, de susto, e não mudava, mesmo não sentindo isso. Não tinha espelho, como poderia confirmar? Achei: as brincadeiras. Combinação, no mínimo, por tardeza de dez minutos, o do deslumbre, chegado. No dia seguinte foi quando comecei a sentir as mudanças: tudo meio gris, como rabiscos de desenho, as coisas todas, em suas quinas e extremidades, se recaindo assim. Manti o quieto, fui novamente para o rastro das minhas obrigações, sozinho, pois escola pra mim só havia a de mais além, diferente dos irmãos, todos menores.

O caminho era a mesma estrada sinuosa em horizontais e verticalidades; as pernas doíam, mas valia a pena uma coisa: os passarinhos. Havia um sempre meu amigo: o sanhaço, o qual, todos os caminhos, me acompanhava. Fora isso, os sinais eram as rochas vivas. O dia todo lá no colégio, minha saída era às quatro e meia, e mais meia hora resolvendo as tarefas lá mesmo. Com isso, no meio do caminho, já escurecia, se podendo ver morte e nascimento no céu. Medo do trajeto eu não tinha, só curiosidade mesmo aprendi a ter: o escuro e seus segredos. As aves continuavam os cantos, outras, mas essas eu não via; as rochas mudavam de forma, pareciam vivas. Tudo é mistério. O maior deles, digo, era o da luz no pico do monte. Esse ficava praticamente ao meu lado, como pessoa gigante. E aquilo lá, já na segunda vez, dançando pra mim.

Uma bola? Uma chama? Eu tinha meus receios, por causa da casa. Queria mesmo era agarrar aquela parede e subir, mas, mais uma vez, promessas ficaram. Corri para casa. Na manhã seguinte, o cinzamento piorou: começava a tomar as paredes pela metade. E se minha chegada recortei, foi por repetições: que mais uma vez diziam coisas sobre meu rosto. A vida deles era isso, entretanto meu pensar estava em duas coisas: e se tudo se acabasse?... e no brilho. Achei que ia morrer, acredite; aquilo chegou a me dar medo: toda a casa em cinza, cairíamos todos? Ou só eu, que era quem via? Ah, me deu a agonia, eu iria, de qualquer jeito, àquela luz. Era meu último desejo. O caminho fiz quase correndo, quase calando a voz de meus amigos, e escrevendo qualquer coisas em grande velocidade nos papéis, para o tempo correr e ficar registrados mil chãos.

Saí mais cedo, era o meu retorno e o meu momento. Mesmo antecipado, notei: a escuridão chegara logo? Que coisa, tudo tão tomado de repente. Seria a natureza me desafiando? Eu não sabia as horas, só sabia: não havia condições. Ninguém me enganava, eu ia. Ligeiro andei, passadas, até chegar ao lugar. Onde estava ela? Brincava, também? Ah, teorizei: era a hora. De qualquer jeito, subi, que nada mais tiraria aquilo de mim, e, surpresa boa, no meio da escalada comecei a ver o luzir surgindo! Estrela alguma no céu, nem lua. Cada vez mais perto, aumentava um som: o interior de uma cabaça? Esse infinito. Vi o brilho ter forma: era alguém. Parecia um menino, tinha meu tamanho. A força, os braços! Doía e eu ia. Lá no final, senti todo o peso correr sobre mim, e senti a desistência de meu corpo, querendo cair. Quem me segurou? Um braço, da própria luz, que era quase uma fogueira viva. Aquilo aceitei, e cheguei ao topo enfim.

Como falei: era minha altura, quase eu mesmo: um menino. Não vi rosto, não vi pele, nem nada desses vícios, só a luz em si. O que pensei? Que falaria algo? A conversa era minha, afinal? Nós dois diante de nós mesmos. Quis falar, mas calei; do outro lado, a coisa parecia igual. Ambos esperando. Olhei para baixo e vi nossos pés, geniei: um passo dou! E um passo ele deu. Nós. Intuí! Assim fizemos, até encontrarmo-nos completamente. Eu digo, por total. Atravessamos um ao outro. De repente, me vi num clarão-tudo. Vejam: a vida toda acesa, tudo numa prateada luz, todas as coisas. E vi tudo em profundidade, que aquilo alcançava até o invisto pelos olhos. Virei para trás e não vi mais meu amigo, só o tudo. Pareceu-me claro: o retorno a casa. Isso fiz, e pensei: o que falarão do meu rosto?

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 24/09/2023
Código do texto: T7893053
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