A Casa da Serra
No alto da Serra da Onça, nos arredores do Quilombola do Capão, existia uma casa antiga e por ali moraram várias famílias e por ser muito retirada da cidade e bem gasta pelo tempo, a casa ficou abandonada e ali servia mesmo era de abrigo para ratos, morcegos, aranhas, enfim, ficou esquecida e o tempo foi tomando conta daquela casa que passou por muitas histórias.
Cada um tem sua sina e carrega sua saga no alforje da alma, para ficar marcado pelos tempos e as rugas que vão delineando a face e o território embandeirado é a sua raiz a qual seus ancestrais trilharam pelos caminhos da vida.
O morador mais enigmático foi o escravo Belarmino. Já carregava seus 92 anos nas costas e havia passado por três fazendas coloniais e a pele marcada pela ignorância aos moldes das chibatadas e açoites, ele escondia dentro de si um mistério que se via em seus olhos tristes e ao deparar com as lembranças chorava e ficava debaixo do pé da Gameleira, que ficava no fundo do quintal da casa, velha casa.
O Seu Augusto Tapera, senhor dos seus 85 anos, negro caçador e destemido, dá para imaginar onde ele morava. Isso mesmo: numa tapera de pau a pique e na beira do Rio das Velhas.
Certo dia, ao levantar-se cedo como o de costume, ele deparou com gemidos trazidos pela força vento que assoprava as densas matas, as quais os negros embrenhavam quando da fuga das fazendas e dos maus tratos.
Aqueles gemidos o deixaram atordoado e o fazia lembrar-se do tempo do cativeiro e as suas mãos nos ouvidos para embargar aquele barulho que penetrava na alma e na carne.
E de repente vozes e gritos no sussurrar do vento que varria a poeira e as folhas rolavam pelo chão num alvoroço incontido. As águas do Rio das Velhas pararam de correr, a passarada ficou muda e nem o Bem-te-vi cantava, pois, este não queria ver tanto alvoroço.
De repente o Augusto tirou forças ocultas e gritava incessantemente;
- Não Tião! Não Tião... não! Comigo não! Pelo amor de Deus!
O desespero e a ânsia faziam daquele homem destemido, um homem fraco e ele no cantinho da tapera feito uma canga num canto jogada.
Da sua humilde Tapera via-se a casa velha na serra e na janela o Belarmino acenava e o Augusto nada entendia, até que o sol se escondeu num passe de mágica e veio a intrépida noite e aumentou mais ainda o medo e terror ao redor da tapera do Augusto. As vozes em alto tom e a brisa vieram em forma de chuva e varreu as palhas da tapera, que ficou a mercê do redemoinho.
Nisso em meio ao redemoinho surgiu um velho senhor de barbas e dentes enormes, unhas sujas e roupa preta e numa mão um cajado e na outra um açoite. Ao tocar na terra com o cajado, causava um tormento a todos os ribeirinhos.
Nisso surge o Belarmino, com um terço na mão e uma cruz de aroeira lavrada, que ele mesmo havia feito quando do cativeiro e:
- Saia já do nosso camin! Nóis é da mata, do fogo e do truvão. Da água dos raio e do sertão. Dadonde ocê saiu nóis num qué ir mais não.
Ao dizer aquelas palavras a criatura explodiu-se no ar e tudo se silenciou.
Naquilo um ser de roupas brancas, algumas estrelas em forma de auréola na cabeça, fala angelical surgiu e:
- Belarmino. Você acabou de desfazer uma mandinga que separou você de seu irmão, uma das maiores atrocidades no tempo do cativeiro.
Ele trêmulo e olhos arregalados e a criatura prossegue:
- O Augusto é seu irmão e o que você afugentou era a alma doTião, malvado Capitão do Mato que judiava com açoite e marcava vocês a ferro e fogo. Ele separou vocês de sua mãe. Colocando o Augusto amarrado numa canoa rio abaixo, nas corredeiras do Rio das Velhas e o Belarmino, ele o amarrou, o colocou em um cavalo e o açoitou e este foi parar naquela serra, aonde ele foi criado pela escrava Nestina que ali morava e que faleceu quando ele ainda era rapaz.
Debaixo de um rio de lágrimas os dois se abraçaram e o Augusto carregava no braço direito, uma marca feita de ferro para marcar o gado e no braço esquerdo do Belarmino a mesma marca.
Os dois irmãos foram morar no Quilombola do Capão no outro lado do Rio das Velhas, em terras que foram doadas pelos outros ávidos pela liberdade.
Por lá encontraram outros resistentes da saga, que com as forças de seus braços e o poder da busca, hoje levam marcas pelos corpos, mas, são sabedores de que sabem buscar o direito de serem felizes e têm um lugar ao sol.