O jardim (miniconto).
Miguel, cuja palidez mórbida contrastava com o volumoso e desarrumado cabelo vivaz, castanho, passeava à toda luz solar num jardim perdido, oasíaco. Fora longe, evidente, talvez sequer lembrasse do caminho de casa — coisa tal que facilmente resolvia com alguma caminhada e, em qualquer região, um pedido de ajuda. Ele era desanimação, quem diz... desalmado?, mas não sejamos maldosos, ainda não. Eram os lábios bem vermelhos e o olhar quase prepotente, de irritar qualquer ser comum; andava, sobretudo, com uma indumentária quase infantil e bem arrumada, de tons pastéis, da cor d'areia. O jardim era dos mais belos: matíssimos, e com suas pontas diversas em redondos novelos coloridos, de caber na mão. Verde-jade e esmeralda. Amarelo só atrás, lugar no qual Miguel não via. Não sorria para nada disso, porém. O que viu, repentinamente, foi uma mulher que chegou ao seu lado. O vestido era preto, tecido amolecido e macio, desses que caem no corpo. Ela toda assim. Também branca, também cabelos castanhinhos, enfeitados por um pequeno chapéu, também preto, mas com certa transparência; extremamente elegante. Consigo trazia um sombrinha que destoava de sua apresentação: era clarinho, uma parte branca, a outra dourada. Dividiu com Miguel, ambos lado a lado. Quando a viu, pensou num susto, mas permaneceu calado, apesar do rosto denunciar sua curiosidade. A mulher seguiu irredutível, para frente olhando com seu fascinante semblante. Continuaram, até avistarem um casebre. Sim, abandonado. Todo de madeira — talvez pinheiro, bem escuro. Tinha uma janelinha e uma porta. Nada se via, todo o dentro era um tudo preto. Ímpetos misteriosos: para lá foram, até chegarem em frente. O ambiente florido era perpétuo, e circundava a casa. Há quem fale em pérola no chiqueiro, mas ali era um respingo de lama num relicário? Diante da casa, Miguel deu-se conta da mulher, aquela, ao seu lado não estar.