Sumidouro
Garry Roach e sua irmã Traci haviam herdado a fazenda do avô materno, ao norte de Black Eagle, em Montana. A mãe os avisara de que a fazenda era propriedade da família há muitas gerações, desde que as terras haviam deixado de ser habitadas pelos índios blackfoot, e de que não poderiam vendê-la sob qualquer circunstância. A maior parte do terreno era ocupado por um bosque de bordos que outrora eram usados para extrair a seiva que produzia o xarope de bordo.
- Talvez possamos reativar a produção de xarope - ponderou Traci, quando num fim de tarde desembarcaram da camionete que os levara da cidade até ali.
- Resta saber quanto vamos ter que investir para começar a ter algum lucro - replicou Garry, antes de apontar para uma picape marrom estacionada nos fundos da sede da fazenda.
- De quem é aquele carro?
- Com certeza, não é do vovô - redarguiu Traci, retirando uma pistola .40 do porta-luvas da camionete.
Não tiveram que aguardar muito para descobrir o proprietário. Um homem empurrando um carrinho de mão vazio acabou por sair do bosque nos fundos da residência. Ele pareceu surpreender-se ao ver que tinha companhia e parou.
- Ei! Aqui é propriedade privada! - Gritou Garry.
O sujeito acenou com a mão enluvada e indagou:
- Vocês são os netos do Simon Hanson?
- Sim, Garry e Traci - identificou-se Garry. - E você, quem é?
- Shane Young. Moro na fazenda vizinha, devem ter passado por ela a caminho daqui.
Traci, que ficara na cabine da camionete, enfiou a pistola no cós das calças jeans e apeou.
- O que está fazendo nas nossas terras, Shane? - Indagou a jovem.
Shane abriu os braços.
- Vocês têm que estar preparados para receber os vizinhos. Todos nós usamos esse bosque faz mais de cem anos... e antes de nós, os índios que viviam aqui. O fato do seu avô ter construído a casa perto dele, não significa dizer que seja realmente o dono do que está nestas terras.
Garry ergueu os sobrolhos.
- Você está se referindo aos pés de bordo? Acontece que nós temos a escritura da propriedade.
Shane fez um gesto negativo de cabeça.
- Ninguém quer saber dos pés de bordo. Viemos aqui por causa da clareira no meio do bosque; todo mundo nas redondezas pagava uma taxa ao velho Simon pra poder usá-la. Agora, é a vez de vocês receberem o dinheiro.
Os irmãos se entreolharam. Talvez essa fosse a razão da mãe ter dito que não poderiam vender a fazenda em nenhuma circunstância.
- Mas por que pagam para poder usar a tal clareira? O que há lá? Um depósito de lixo? - Inquiriu Traci.
Shane fez outro gesto negativo.
- É um sumidouro. Usamos para desaparecer com... coisas.
- Coisas? - Garry franziu a testa.
- Coisas que estavam vivas, morreram, e queremos que desapareçam para sempre. Sem vestígios - explanou Shane.
- Não é um lugar onde enterram coisas e elas voltam à vida? - Traci também havia arqueado as sobrancelhas.
- Não, não é um cemitério amaldiçoado - Shane riu baixinho. - É um lugar onde o que vai, não volta. Basta jogar lá, não precisa enterrar. Os vestígios desaparecem durante a noite.
- Sem vestígios? - Garry parecia incrédulo.
- Sim - Shane balançou a cabeça em concordância.
- Fico pensando no que aconteceria se algo vivo fosse colocado na tal clareira... - ponderou Traci.
- Melhor não brincar com essas coisas - alertou Shane. - Mas me digam os dados bancários de vocês, vou repassar para os outros fazendeiros.
E enquanto anotava os números das contas numa caderneta de anotações, comentou de forma casual:
- Sendo netos de quem são, imagino que serão discretos. Afinal, esta é uma relação de confiança mútua.
- Sejam discretos e seremos também - afirmou Traci, enquanto Shane colocava o carrinho de mão na caçamba da picape.
Os irmãos não fizeram nenhum comentário sobre as manchas vermelhas no interior do carrinho de mão. Afinal, aquilo poderia ser qualquer coisa: óleo, tinta...
- Você ainda pensa em reativar a produção de xarope? - Indagou Garry para a irmã, assim que Shane afastou-se para além das vistas deles.
- Mais do que nunca - revelou ela. - Afinal, esse pode ser um modo de aumentar o fluxo de visitantes da clareira sem despertar suspeitas...
- Você levou mesmo a sério a história do tal Shane? - Questionou Garry.
- Acho que vamos precisar fazer um teste prático para comprovar - replicou Traci, olhando para o sol que se punha vermelho entre as árvores. - Mas isso pode esperar até amanhã...
- [14-08-2023]