Serpente [microconto].
A névoa se aproximava, serpenteando. Meio densa, branca, não parecia intimidadora, mas era perigosa — transformava tudo atrás de si num nada cinza. Eu estava atravessando a ponte quando a vi chegar. Pensei em correr? Claro, mas dissipou-se essa ideia antes de qualquer coisa. Eu travei. Meu medo era um só: aquilo ser enganoso. Se fosse obra demoníaca? Se desse as costas e ficasse de cara com a coisa, ainda mais perto? Fiquei lá, vendo, sem demonstrar emoção alguma. Vinha como um ser vivo, algo fantástico, mágico. Era mesmo parecida com uma serpente flutuante, cuja cauda se alastrava pelo ambiente, contaminando tudo. Pensei o que aquilo queria comigo. Por que diabos surgira diante de mim? Muitas questões, evidentemente. Cheguei à cogitação: isso me toma em sua nuvem, me consome e nunca saberão de meu paradeiro; ou ainda surjo num lugar desconhecido. De tudo, só uma coisa eu tinha em mente: aquilo obra má ser. E digo a ti, não movi um músculo. Me acovardei? Quem sabe. Há o medo e algo que a gente desconhece por total. Eu diria que tem a ver com alguma coisa certa antecipada, como um incômodo já guardado em si insuperável e que, ante essas coisas as quais podem nos livrar, sem termos a culpa assentida do suicídio, nos deixamos levar. Pois, a névoa ficou frente a frente. Nós. Fazia algum barulho. Você já ouviu o mar? Não digo as ondas, mas o mar mesmo, aquele som trazido lá de suas distâncias. A fumaça não tocou nem um único milímetro do meu corpo, apenas parou, como se quisesse alguma resposta minha. Veja você: à vontade fiquei, como se fosse visita parental. Não ache o ápice da estranheza, pois ela vem agora: quando mirei fixamente para a massa branca, infinita, a serpente revelou seu rosto. E, admito, foi o mais lindo que já vi. Sim, ela me chamou. E eu fui.