Porta aberta

Eu invadi o convento! Não pensei, não premeditei, não sei o que procurava. Eu só entrei. Vi a porta entreaberta após a entrada de algumas freiras e entrei logo atrás.

Curiosidade? Talvez. Mas se fosse apenas isso, eu teria me decepcionado, pois no lugar, não havia nada de extraordinário. Impulso? É mais provável. Eu não comandava bem os meus passos naquele momento. Oportunidade? É, acredito que tenha sido a minha constante busca em não perder oportunidades.

O lugar era gigantesco, construído inteiro pedra sobre pedra, piso de madeira bem encerada, bem iluminado, arejado, todo o ambiente inspirava um certo frescor. Haviam flores por toda parte, fosse em vasos de vidro ou no jardim. Tudo muito bem cuidado.

Todas as moradoras estavam concentradas demais em seus afazeres e demoraram um tempo até notar minha presença. Quando fui notada, apenas me olharam, sem nada fazer. Era como se eu não fosse uma estranha no recinto, como se não fosse um incômodo, como se não fosse absolutamente nada. Ninguém sequer me dirigiu a palavra, mas eu também não procurei falar com ninguém.

Segui caminhando e observando tudo ao redor sem ser importunada. A cada olhar que me lançavam, eu me sentia estranhamente bem-vinda. E, quando menos esperava, ouvi passos rápidos no assoalho que vinham em minha direção. Me virei e dei de cara com a Madre, que me olhou com seriedade. “Agora a bronca vem!” – pensei.

Ela me estendeu a mão e me disse que a acompanhasse. Logo imaginei que seria até a porta de saída, mas não. Ela me levou até a cozinha, onde uma mesa, com café da tarde, estava posta. Nada demais, apenas uma jarra com suco de laranja e outra com água, pães que pareciam ter sido assados ali mesmo, uma chaleira com água fervente e alguns sachês de chá.

Logo todas as irmãs também estavam acomodadas e se alimentando. Quando terminei de comer, a Madre me perguntou se eu queria ou precisava de algo mais e eu disse que não. Ela sorriu e respondeu: ― Tudo bem! Quando quiser, estarei à disposição! – e saiu.

Fiquei com cara de tacho sem entender nada, mas achei que deveria ir embora. Nos dias seguintes, passei em frente ao convento e não mais encontrei a porta entreaberta. Mas cerca de uma semana depois, a vi escancarada. Parecia um convite para entrar que eu não recusei.

Mais uma vez levou tempo para ser percebida e, mais uma vez, ninguém se incomodou. E assim aconteceu outras cinco ou seis vezes que passei pelo local e entrei como se fosse “de casa”. Então a incomodada era eu! Ao mesmo tempo que me sentia esperada, me questionava internamente. Porque me tratam assim? Será só comigo? Se qualquer outra pessoa entrasse, seria recebida da mesma maneira? Eu queria as respostas!

Procurei a Madre por todo lugar e não achava. Perguntei a uma das irmãs que me informou seu paradeiro. Ela estava em sua sala, sentada confortavelmente em uma cadeira de couro escuro, atrás de uma enorme mesa de madeira maciça, olhando contemplativa para a janela. Ela sentiu minha presença e pediu que me sentasse. Nem tive tempo ou precisei perguntar o que queria saber. Ela disse:

― A resposta é sim, minha cara. Recebemos bem qualquer pessoa que entrar em nossa casa. Mas você não é qualquer uma e é importante que se sinta à vontade. Qualquer outra pergunta que você venha a ter a partir de agora, deve dirigir ao seu interior e assim encontrará as respostas.

Só então ela se virou na cadeira de frente para mim e sorriu. Eu sorri de volta... De nervoso! Levantei e fui embora mais uma vez.

Agora eu evitava passar por ali, quando precisava fazer aquele caminho, dava uma volta maior. Não sei dizer se era medo, mas eu também não queria saber o que era.

Voltei dois anos depois. Havia finalmente entendido. Agora eu era mais moradora do local e receberia as visitas casuais com a mesma naturalidade com que fui recebida.

Hellen Bravo
Enviado por Hellen Bravo em 09/08/2023
Código do texto: T7857501
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