A MÃE DO FOGO DAS MATAS ALTAS

A MÃE DO FOGO DAS MATAS ALTAS

Lendas Amazônicas

Autor Moyses Laredo

Tatamanha, assim é chamado um tronco fumegante de madeira branca, como o do taperebá, que conserva o fogo durante muitos dias. Sai dele um longo filete de tata-tinga (fumaça), que se destaca por sobre as copas das árvores e é notado à muitas léguas de distância, ninguém acredita sequer numa outra possibilidade, a de não ser, a “Mãe do Fogo” que fizera aquilo. É estranho demais imaginar isso, porque não há nada ao redor que mostre ter dado causa aqueles estranhos braseiros solitários em meio à mata. Quem à noite, que por perto passou, não se tenha assombrado com aqueles grandes olhos avermelhados lhes acompanhando, tal qual os olhos dos jacarés à noite em lagoas, quando o caboco facheia de lanterna e o foco se reflete neles. O tal braseiro perdura por longos dias, mesmo debaixo de chuva. Quem os vê logo procura uma explicação para o que havia dado origem ao tal e estranho braseiro perdido no centro da mata, certamente para fugir do sobrenatural das lendas da Amazônia, porém, ninguém ainda encontrou nenhuma explicação. Alguns até arriscam formular teses, uma é a de que talvez tivesse sido um pequeno incêndio em algum lugar distante que o vento tenha levado uma faísca até aquele local ermo, outros, um raio caído em alguma árvore vizinha. Entretanto, nada, mais nada mesmo havia que se pudesse dar sustentação a alguma teoria como resposta lógica àquela fumaça com braseiro no centro do tronco, é pra lá de muito estranho mesmo, sinistro porque não dizer. Em não havendo o que se pudesse atribuir ou explicar o fato, logo ganhava a fama de ser algo sobrenatural mesmo, como a “Tatamanha”, a mãe do fogo que tenha deixado uma brasa para quando por ali passasse, precisasse fazer alguma comida. As cotias vivem também dessa esperança, enterram suas frutas para depois saboreá-las, mas na maioria das vezes, esquecem ou são comidas, onde enterraram e graças a esses esquecimentos, é que a floresta se replantia. Tatamanha é uma palavra que vem do tupi-quíchua, corruptelas de tatá-fogo, do tupi e mama-mãe, do quíchua. Daí se diz também das mulheres insaciáveis que têm grande fogo na cama, serem chamadas de “Tatamanhas”, como a Chica, filha do seu Tibúrcio, lá da vendinha do flutuante, do beiradão que fica bem na embocadura do rio Manso, menino tu já viste como a cunhatã é foguenta, parece não ter pavio, só o roçar das roupas já lhe deixa com os joelhos se cruzando, como num subir e descer de um degrau de uma escada imaginária. Ô fogo danado igual ao da Tatamanha, que não se apaga nunca.

No interior do Amazonas e Acre, quando um braseiro desses é encontrado no centro da mata, o seringueiro que conhece os seus segredos, se curva em reverência e pedindo licença agradece a oferenda, logo o seio do tronco é arrancado e trazido com todo cuidado, para dentro de casa, ali é acomodado no junto com o braseiro do fogão à lenha, para ser usado com os demais na cozinha. Esse braseiro misterioso, segura o fogo, por vários dias aceso, mesmo estando sem lenha para atiça-lo.

Diz a lenda, que há muito tempo, nenhum índio de nenhuma tribo sabia como fazer fogo, qualquer faísca gerada por um raio caído na mata, era levada até a oca com todo cuidado e mantida acesa na base do sopro e lenha seca, o tanto que o estoque da lenha seca durasse. Era de fato considerado uma benção dos Deuses e guardado como um bem precioso, pois a partir desta pequena brasa fazia-se o fogo crescer e multiplicava-o aos demais habitantes das localidades vizinhas que vinham em busca de suas brasinhas. O duro era quando tinham que se deslocar por longos dias, ou por mudança de local, ou para caçar em outras bandas, o braseiro ia com o mais forte guerreiro que o cuidava o tempo que durasse a jornada. Assim, o fogo não se extinguia nunca, porque sempre havia alguém que tinha um filhote da brasinha acesa para emprestar e acender o fogo do vizinho.

Contam os antigos que há muito tempo, uma expedição estrangeira, dessas que se embrenham nas matas em busca de pesquisar os nossos alcaloides que hoje possuem efeitos farmacológicos potentes, e que quando os identificam patenteiam-nos e colocam seus nomes, ou de seus reis e rainhas, nas descobertas. Entraram num caudaloso rio de pedras e cachoeiras, e sua frágil embarcação naufragou, perderam tudo que traziam, mantimentos, material de pesquisa, armas e munições, roupas, etc. Nessa perda se foram também as pederneiras, que era o que havia de mais moderno naquele mundo da época, o que hoje, são os insignificantes fósforos. Através das pederneiras eles obtinham faíscas para atear fogo em palhas secas ou novelo de fibra das palmeiras, como o buriti, coco etc. O fato é que ninguém tinha como fazer fogo, embora alguns até tentaram fazer fogo por fricção, mas, como a mata sempre está molhada, não encontravam madeira seca. Caças topavam sempre, chegaram a abater algumas ditas caças miúdas, como pacas, cotias, tatu, aves etc., era uma angústia não ter como assá-las. Utilizando um facão, única ferramenta sobrevivente ao sinistro, encastoaram-no na ponta de um pau e o firmaram para transformá-lo em uma lança, daí conseguiram arpoar alguns peixes, inclusive um poraquê, mas nada de fogo para assá-los ou coze-los, o jeito foi aprender a comer sashimi, coisas que desconheciam. Até que um dia, um deles, o mais habilidoso, eleito como caçador, saiu em busca de umas inhambus, ave de carne tenra, que cantavam incessantemente pro rumo da mata alta, ele saiu e guiado pelo ouvido, pelo canto das aves, acabou dando de cara e em pleno dia, com um braseiro da Tatamanha, bem ali solitário, de forma inexplicável como os cogumelos selvagem que nascem do nada no meio da mata. Impressionado, ele cavou ao redor do tronco com o maior esmero, e tomando todo cuidado o levou direto ao acampamento, esqueceu-se até dos inhambus que viera caçar. Em lá chegando, todos queriam saber como havia conseguido aquelas salvadoras brasas, mas, infelizmente nada sabia sobre suas origens, embora como pesquisador também, tenha se dado ao trabalho de arrodear o local para tentar encontrar alguma coisa que desse causa aquelas brasas misteriosas e solitárias. Os antigos indígenas da região, os mais velhos do conselho dos anciões, disseram que a Mãe do fogo, foi quem deu pra eles aquelas brasas, porque viu que o objetivo seria a salvação, por seus trabalhos e descobertas, de milhares de seres humanos. Ainda perdura na Amazônia, até os dias atuais, a lenda da Tatamanha, você poderá se deparar, com um chumaço de brasa, em sua trilha, não tente apaga-la ou extingui-la, ela está acobertada pelos mistérios da mata Amazônica.

Molar
Enviado por Molar em 22/07/2023
Código do texto: T7843170
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