UM CANTO DE PÁSSARO FANTASMA

 

Era uma noite sombria, e nossa casa de dois níveis estava envolta em um misterioso silêncio. O cheiro fresco de laca impregnava o ar, pois tínhamos acabado de aplicar o produto no assoalho do andar de cima. Enquanto minha esposa e eu nos acomodávamos para descansar, um som peculiar interrompeu o silêncio da noite: pios de pássaros ecoavam do andar superior.

Intrigada, minha esposa virou-se para mim com expressão preocupada. Ouvir pássaros dentro de casa parecia impossível, especialmente considerando que a área onde os ruídos surgiam estava proibida devido à laca ainda estar secando. Decidimos deixar o suposto visitante alado por lá durante a noite, planejando libertá-lo pela manhã, quando teríamos acesso ao local.

Enquanto discutíamos o assunto, o pássaro parou de cantar, criando uma atmosfera tensa e expectante. Mas logo, o canto recomeçou com mais intensidade, como se o pássaro estivesse tentando chamar nossa atenção. Minha esposa, determinada, afirmou que eu deveria subir e libertar a pobre criatura. Tomei suas palavras como uma ordem e me preparei para resolver mais um mistério em nossa casa.

Então, Scaramouche entrou em ação. Com habilidades atléticas que desafiariam os contorcionistas mais experientes, me contorci e me movi cuidadosamente entre os móveis e objetos no caminho para evitar danificar o assoalho recém-pintado. Era uma verdadeira ginástica para alcançar o local onde o pássaro fantasmagórico parecia se esconder.

A medida que eu avançava pelo corredor sombrio, o som dos pios se tornava cada vez mais nítido. Minha curiosidade e determinação eram alimentadas por um misto de medo e empolgação. Finalmente, localizei a origem dos sons enigmáticos: uma pequena cunha eletrônica, um dispositivo de segurança que costumávamos manter embaixo da porta.

Com pilhas gastas suficientes para não emitir o som de alarme característico, ele se manifestava como um pássaro fantasma, ecoando pelos cantos da casa, pela pressão da porta acionando as gastas pilhas.

Com um misto de alívio e risos, retirei as pilhas e devolvi o silêncio à casa. O mistério havia sido resolvido mais uma vez, provando que, muitas vezes, o inexplicável tem uma explicação lógica. Enquanto retornava para o andar de baixo, refleti sobre como os sons e as sombras da noite podem brincar conosco, transformando pequenos objetos em assombrações momentâneas.

Afinal, em meio à escuridão, é nossa imaginação que cria os verdadeiros mistérios. E naquele momento, minha esposa e eu compartilhamos um olhar cúmplice, sabendo que mais uma vez descobrimos a verdade escondida por trás das sombras da noite.

Neri Satter - junho de 2023 -  CONTOS DO SCARAMOUCHE

 

Scaramouche
Enviado por Scaramouche em 21/06/2023
Reeditado em 21/06/2023
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