Os Nomes
Depois de inúmeras tentativas, finalmente Ana engravidou-se. Não podiam conceber de tanta emoção e júbilo quando ouviram as palavras soadas docilmente pelo médico. Seus olhos brilhavam. Estavam mais felizes do que nunca!
Na décima terceira semana de gestação, descobriram o sexo da criança: um menino. A princípio não era o que queriam, mas não contestaram tanto. Fizeram uma festa e já planejaram o enxoval. Meses depois, o rebento nasceu. Gordo, inchado e tremendo, fora estapeado pelo médico a ponto de se ouvir seus gritos da esquina da rua do hospital.
Pedro nascera saudável. Os pais estavam muito felizes. Deram-lhe o nome por conta do apóstolo - que alcunhava-se Simão antes de agraciado pelo nome romano - e tratavam-no como um príncipe. O casal de primeira viagem estava que era só alegria. Ana recuperou-se perfeitamente da gravidez e retomou suas tarefas - a cambiar pouco a rotina.
Miguel dedicou-se em demasia ao menino. Quando este fora ganhando forma, percebia que todos os traços do moleque lhe eram completamente inerentes: a testa, o queixo, os lábios. Em tudo se lhe parecia. À mãe, coisa pouca. Talvez os sobrolhos e o nariz.
- Acho que já é tempo de termos uma menina - comentou Miguel, logo após ter feito a criança parar de gritar e espernear e pô-la a dormir. - Pedrinho já fará um ano - exclamou.
- Tem razão - replicou Ana, a prender os cabelos. - Não vejo a hora de ter uma princesinha!
E chegou o grande momento! Dois meses após a conversa, Miguel e Ana descobriram- se pais de segunda viagem! A expectativa era que o segundo rebento fosse a desejada menina da família. Confirmação que só receberam quinze ou dezasseis semanas depois da descoberta.
Contudo, o que não lhes estava no plano era algo que a si lhes parecia essencial: o nome da criança.
Pedro fora escolhido por Ana - que escolhera pôr tal nome à criança pela ligação de nomes bíblicos que tinha a família. Mentres, a Miguel em nada lhe apeteciam os nomes bíblicos. Só acatara o que sugerira a esposa para não criar conflitos maiores. Porém, com a escolha do nome da menina, a situação começou a pesar.
- Eu quero um nome nórdico ou africano à minha filha - exclamou ele, a bater com a xícara à mesa e assustar o filho - que estava a brincar com um chocalho.
- Jamais - exclamou Ana. - Não colocarei nome pagão em minha filha!
- Não me venha com esses assuntos religiosos novamente, Ana - arguiu ele. - Decidimos certa vez que você, como escolhera o nome do garoto, deixaria a responsabilidade da menina a mim!
- Sim, confesso que assenti com tal idiotice - exclamou ela. - Mas você sabe o quanto relutei para engravidar de uma menina e jamais trocaria o nome de Marta!
- Marta? - replicou ele, assustadiço. - Você está ficando louca?
Ela franziu o sobrolho.
- É um nome muito bonito - exclamou Ana.
- Que é bonito, não contesto - replicou ele -, mas o nome da criança será Diara ou Katia - disse. - Decida-se.
Durante a gestação, não pelearam mais sobre qual seria o nome da menina. Ana parecia ter acatado um dos dois nomes. Voltou à felicidade inicial e pareciam os três - mais a menina à barriga - uma família feliz. Toda vez que perguntava Miguel à Ana se já se decidira sobre qual dos dois nomes poria à menina, ela dizia:
- Quando ela nascer, eu digo - exclamou.
No dia treze de junho, nasceu a menina. Não tão chorosa e escandalosa quanto o irmão, mas bem melancólica em seu choro. As enfermeiras removeram-na do quarto enquanto os médicos acalmavam Ana. Seu marido estava à casa de seus pais, a deixar o primogênito sob seus cuidados nesse ínterim.
Uma péssima impressão passou-lhe à cabeça. Despediu-se dos pais, a dizer que logo voltaria e foi-se ao hospital.
Passadas algumas horas da cirurgia, Ana recebera a visita de uma enfermeira - e sua filha recém nascida - no quarto. A mulher entregou-lha a criança e pôs-se a fitá-las.
- Já tem nome? - inquiriu a enfermeira.
Ana não replicou; apenas deu-lha um sorriso e pediu-lha que se ausentasse por alguns instantes para, além de conversar com a filha, dizer-lha a princípio o seu nome.
Quando a mulher ausentou-se, Ana - completamente enlouquecida - murmurou o nome Marta ao ouvido esquerdo da criança.
- É assim que há de te chamar - exclamou. - E teu pai não será contra isso!
Logo, tomou detrás de si um travesseiro e sufocou impiedosamente a criança até senti- la sem vida em seu colo. Tamanha maldade fê-la destampar o rosto da criança, percebê-la imóvel, sem vida, e deu um grito - a chamar a enfermeira.
Em seguida, a perceber um reboliço nos corredores do hospital, driblou o magote Miguel e fora de encontro à esposa. Ana chorava copiosamente. Quem lha visse, suspeitaria inocência tamanha a capacidade de atuar.
Inventou uma história ao marido e aos enfermeiros e aos médicos e todos acreditaram. Ninguém seria capaz de duvidar de palavras tão verídicas, pois Ana enchia a boca ao dizer tudo o que supostamente se passara à criança.
E sucedeu-se assim com mais três rebentas nascidas nos cinco anos seguintes à primeira ocorrência. Até que um dia, a perceber-se só com a criança no quarto de repouso, pôs-se a sufocar a criança e fora surpreendida por dois enfermeiros e o médico. Felizmente a criança sobrevivera.
Ana fora parar num manicômio.